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EBSERH: Enfraquecimento da autonomia universitária, precarização das condições de trabalho e mercantilização da saúde pública

Data de Publicação: 03/12/2013 - 11:30

Por Dielen Borges

Servidor da UFU Mário Guimarães Júnior opina sobre Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
Mário Costa de Paiva Guimarães Júnior Técnico-Administrativo em Educação – Secretaria do Instituto de Química da UFU Membro do Conselho Universitário da UFU   A difícil situação dos Hospitais Universitários Federais (HU’s), no Brasil, é de longa data e, entre os diversos problemas que caracterizaram as gestões dos HU’s em todo o país, certamente o problema central é o de financiamento, ou melhor, da ausência de um financiamento público necessário capaz de garantir aos HU’s uma estrutura que supere a precarização das condições de trabalho das trabalhadoras e dos trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação e que possibilite melhores condições para superar a sua constante superlotação. É possível perceber que, pelos menos nos últimos 20 anos, as gestões dos governos federais não priorizaram as verbas do Orçamento Geral da União para o devido financiamento da Saúde Pública. Nessas últimas décadas neoliberais, o que a população presenciou na área da saúde foi a proliferação dos Hospitais Privados com o fortalecimento dos planos privados de saúde! Não fugindo da tônica da mercantilização da saúde pública, e com um discurso estruturado pela busca da modernização e do aperfeiçoamento da Gestão dos HU’s, o Governo Lula, em seu último dia de mandato (30/12/2010), lança via Medida Provisória 520 (que durante o Governo Dilma foi transformada na Lei 12.550/2011) a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), com personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio. Nesse sentido, é importante destacar que diante a imposição do Governo Federal em consolidar a EBSERH como a “alternativa” para “solucionar” os problemas dos HU’s, em uma situação bastante delicada, não existe um confronto simplista entre aqueles que defendem a EBSERH e, portanto, são defensores da “modernização” e ”aperfeiçoamento” da Gestão Administrativa dos HU’s, e de outro lado aqueles que querem manter o ”status quo” dos HU’s e, portanto, não aceitam proposições de mudanças para avançar na qualidade e na eficiência dos HUS! É equivocada a ideia dessa polarização! De fato, a polarização que existe se traduz entre aqueles que aceitam essa imposição do Governo Federal que afetará drasticamente a autonomia universitária, que precarizará as condições de trabalho das trabalhadoras e dos trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação dos HU’s e estabelecerá um sentido de mercantilização para a saúde pública; e de outro lado estão aqueles que se opõe à EBSERH e defendem a necessidade de resolver os problemas encontrados nos HU’s, que defendem o constante aprimoramento da Gestão Pública dos hospitais, e que defendem substancialmente uma Saúde 100% pública apresentando, inclusive, diversas propostas (que não apresentam uma concepção privada) para a resolução da crise dos HU’s. Essa é a polarização central: de um lado estão aqueles que não acreditam nos problemas que serão gerados com a lógica privada/lucro contida na EBSERH, e do outro estão aqueles que visualizam os problemas que surgirão diante da lógica privada na gestão dos HU´s e entendem que a Saúde “não é uma mercadoria” e sim um direito, e portanto ela deve ser 100% pública, mantida e financiada pelo Estado Brasileiro. O Conselho Universitário (CONSUN) da UFU enfrentará essa questão, que é tratada pelo Governo Federal de forma impositiva e inconstitucional - ver Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4895) contra dispositivos da Lei 12.550/2011 -, visto que a EBSERH expressa uma prática e uma concepção política que anula a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial garantida pelo Artigo 207 da Constituição Federal promulgada em 1988. Para ilustrar isso, basta lembrar que, mesmo que ainda o CONSUN da UFU não tenha autorizado a UFU a assinar o contrato entre a UFU e a EBSERH, essa Empresa Pública de Direito Privado DETERMINOU o retorno do Registro do Ponto Eletrônico para as trabalhadoras e para os trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação do HC-UFU que não recebem Adicional de Plantão Hospitalar (APH)! Ou seja, mesmo não aderindo a EBSERH, a UFU foi obrigada a se submeter a essa imposição mediante a ameaça que a EBSERH fez em não repassar a verba destinada pelo Governo Federal para o pagamento dos APHs para aquelas trabalhadoras e aqueles trabalhadores que trabalharam para receber o APH. Nesse caso em questão, a autonomia administrativa da UFU foi afetada! Nessa conjuntura difícil, cabe ao CONSUN da UFU dizer NÂO à adesão ao contrato da EBSERH por parte do HC UFU, orientando a nossa Universidade a cumprir a sua tarefa histórica nesse momento, como a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) cumprem, na defesa da Autonomia, do caráter público do Hospital Universitário e na defesa do contrato de trabalho menos precário para todos e todas que trabalham no Hospital. Por mais que o Artigo 3º da Lei 12550/2011 afirme que “a EBSERH terá por finalidade a prestação de serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio diagnóstico e terapêutico à comunidade, assim como a prestação às instituições públicas federais de ensino ou instituições congêneres de serviços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública, observada, nos termos do art. 207 da Constituição Federal, a autonomia universitária”; e que o parágrafo 1º desse mesmo Artigo 3º afirme que “as atividades de prestação de serviços de assistência à saúde estarão inseridas integral e exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS”, esses princípios estão concretamente ameaçados se repararmos que o Inciso Quinto do Artigo 4º que permite a EBSERH estabelecer uma estrutura de METAS aos HU’s que assinarão os contratos com a EBSERH, articulado com o Inciso Quarto do parágrafo 1º do Artigo 6º que trata dos contratos, afirma que: “a previsão de que a avaliação de resultados obtidos, no cumprimento de metas de desempenho e observância de prazos pelas unidades da EBSERH, será usada para o aprimoramento de pessoal e melhorias estratégicas na atuação perante a população e as instituições federais de ensino ou instituições congêneres, visando ao melhor aproveitamento dos recursos destinados à EBSERH”. Ou seja, como a autonomia universitária será preservada se na Lei que cria a EBSERH consta que o resultado obtido relacionado ao cumprimento de metas de desempenho será um fator para organizar o “melhor aproveitamento dos recursos destinados à EBSERH”? E para demonstrar que o parágrafo 1º do Artigo 3º da Lei 12.550/2011 se configura como um parágrafo morto, nulo, basta analisarmos o Artigo 8º em que trata da constituição dos recursos da EBSERH. Esse artigo afirma de forma vaga que constitui recursos da EBSERH “as aplicações financeiras que realizar”, “dos acordos e convênios que realizar com entidades nacionais e internacionais”, “rendas provenientes de outras fontes” e outros. Como as atividades de prestação de serviços de assistência à saúde estarão inseridas integral e exclusivamente no âmbito do SUS conforme afirma o parágrafo primeiro do Artigo 3º, se o Artigo 8º expressa claramente que constitui recursos da EBSERH as aplicações financeiras e os resultados dos acordos de convênio com entidades nacionais e internacionais? Neste caso, a lei não restringe a realização de convênios com entidades nacionais com personalidade jurídica de direito público apenas! Outro elemento que demonstra que a EBSERH extrapolará o âmbito do SUS, abrindo assim espaço para a iniciativa privada dentro dos HU’s, é que além da EBSERH se configurar como uma Empresa Pública com personalidade jurídica de direito privado, o Decreto Nº 7661 de 28 de dezembro de 2011 do Governo Federal, que aprova o Estatuto Social da EBSERH confere a condição de Sociedade Anônima, e da mesma forma que no parágrafo segundo do Artigo 1º da Lei 125502011, o Artigo 2º autoriza a EBSERH a criar SUBSIDIÁRIAS para o desenvolvimento de atividades inerentes ao seu objeto social. Observando o Código Civil brasileiro (Lei 10406/2002), o Decreto 200 de Fevereiro de 1967 e do Artigo 173 da Constituição Federal, constituem um ordenamento jurídico que faz com que a EBSERH, como empresa pública de direito privado que é, e com permissão para criar subsidiárias, tenha a perspectiva de desenvolver atividades que visam o lucro devido a sua natureza econômica. Analisando o texto do Decreto que cria o Estatuto Social da EBSERH, é possível perceber toda a estrutura privada que rege a EBSERH, e não é acidental que o Artigo 13 do Estatuto Social da EBSERH afirma que compete ao Conselho de Administração da EBSERH propor a criação de Subsidiárias, a destinação dos lucros da EBSERH e até mesmo deliberar sobre a alteração do capital e do estatuto social da EBSERH! Assim, até mesmo o trecho da Lei 12550/2011 que afirma que o capital social da EBSERH será propriedade integral da União, perde a consistência mediante a natureza do Estatuto Social da EBSERH presente no Decreto Nº 7661. Em síntese, é equivocada a ideia de que a EBSERH manterá o caráter 100% público dos Hospitais Universitários; e nesse sentido a EBSERH expressa uma proposição de avançar na privatização/mercantilização da saúde pública e dos HU’s em nosso país! Com sua natureza jurídica que visa desenvolver atividades econômicas (e nesse caso são atividades relacionadas à Saúde), a EBSERH colocará fim na realização de concursos públicos com contrato de trabalho estabelecido pelo Regime Jurídico Único (RJU) para os HU’s. A EBSERH colocará um ponto final para a contratação de trabalhadoras e trabalhadores com estabilidade e com diversos direitos garantidos pelo RJU; e o regime de pessoal permanente da EBSERH será o da Consolidação das Leis do Trabalho – (CLT). Isso indica que, se hoje, com o estabelecimento do RJU já são precárias as condições de trabalho das trabalhadoras e dos trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação dos HU’s, essas condições ficarão ainda mais precárias, submetidas então à lógica de mercado. Em síntese, a Lei 12.550/2011 é bastante contraditória, com artigos conflitantes, não apresentando uma segurança política e jurídica para a manutenção do caráter público dos HU´s, vinculados 100% ao SUS. O Decreto 7661 que aprova o Estatuto Social da EBSRH, se configura também como mais um elemento conflitante com a defesa da manutenção dos HU´s vinculados 100% ao SUS. Podemos entender que a EBSERH representa, diante do proposto pela Lei 12.550/2011 e pelo Decreto 7661, um tripé perigoso para a Universidade Pública e para a saúde pública no Brasil, quando visualizamos que a EBSERH afeta a Autonomia Universitária, mercantiliza a estrutura administrativa dos HU’s afetando o caráter público e gratuito da assistência à saúde e intensifica a precarização das condições de trabalho das trabalhadoras e dos trabalhadores dos HU’s. Assim sendo, a EBSERH certamente não resolverá os problemas existentes hoje nos HU’s e em especial os problemas existentes no HC-UFU. Portanto, cabe ao CONSUN e a comunidade universitária não aceitar a imposição do Governo Federal que quer a EBSERH como modelo de gestão para o HC-UFU. Existem alternativas e propostas, como por exemplo o “Projeto para os HU’s” formulado pela FASUBRA Sindical, que propõe outra estrutura administrativa e política para o funcionamento e expansão dos HU’s com qualidade, mantendo o caráter 100% SUS. Não temos motivos para aceitar a EBSERH mediante uma clara imposição do Governo Federal sabendo que essa Empresa não resolverá os problemas já existentes do HC-UFU e, além disso, provocará o surgimento de novos problemas em virtude do processo de avanço da mercantilização da estrutura administrativa do nosso Hospital Universitário! A UFPR e a UFCG nos demonstram que é possível e necessário resistir, em defesa de um Hospital Universitário que se mantenha vinculado exclusivamente ao SUS, e cabe a nós da UFU nesse momento tão difícil, fortalecer essa resistência.

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