Publicado em 15/04/2020 às 13:46 - Atualizado em 11/10/2023 às 12:55
No contexto atual das discussões políticas no Brasil, muito se tem falado e até pedido o retorno da ditadura militar, regime de governo ocorrido entre 1964 e 1985. Mais precisamente a partir de 2016, com todos os acontecimentos no cenário político, tais referências se intensificaram, de forma a mencionar tal regime como solução para a política brasileira. Pensando nesse contexto da atualidade, propomos uma breve reflexão sobre a relação entre o gênero musical rock, que ganha destaque na década de 1980, e sua relação com a ditadura militar.
É sabido que, no período supracitado, a censura reinava no cenário artístico brasileiro e os jovens aspiravam alternativas de práticas culturais. Com o fim da ditadura, o segmento musical ganha impulso e os músicos passam a se expressar de forma mais direta, materializando discursos com referências à configuração política até então. Como exemplo dessa liberdade que vai se aflorando, a letra da canção Estado Violência (1986), composta por Charles Galvin e interpretada pelos Titãs, materializa essa revolta da juventude da época, como apelo pela liberdade de expressão e que a deixasse viver de acordo com seus ideais. Frente a essa “rebeldia” dos jovens, havia uma configuração cultural e modos de vida impostos, de acordo com os moldes convencionais e a liberdade, sobretudo de expressão, não era um aspecto de prioridade para a população.
Nessa mesma direção, a letra de Ideologia (1988), composta por Cazuza e Roberto Frejat e interpretada por Cazuza, revela uma juventude descrente em relação ao cenário político vigente até então, bem como é nítido no verso “Ideologia, eu quero uma pra viver”. A falta de referências é o forte elemento que configura essa letra musical, apontando para um desajuste entre os desejos dos jovens e as convenções sociais da época. Esse cantor apresenta como marca a rebeldia, apontando uma conformidade entre o sujeito materializado no discurso de suas letras e o próprio intérprete.
Em relação ao consumo, a denúncia é realizada por meio da letra musical Geração Coca-Cola (1985), de Renato Russo e interpretada pela banda Legião Urbana, essa se caracterizando por pautar as revoluções em suas músicas. No período da ditadura, a língua inglesa é inserida no Ensino Fundamental, além de vários produtos norte-americanos importados pelo Brasil. Nesse cenário, essa letra revela a resistência do sujeito em relação às imposições consumistas que justificam a própria denominação dos jovens da época pelo título dessa letra e sua relação com o gênero rock desse período.
Tomando a teoria do filósofo Michel Foucault, o sujeito se constitui pelas práticas discursivas (relações de saber e de poder), sendo histórico e sempre em processo de transformação. Dessa forma, o sujeito jovem materializado nas canções do rock brasileiro dos anos 1980 se constitui pelas condições de possibilidade, tendo a ditadura militar como pano de fundo, dados a sua rebeldia e seu espírito de revolução nos cenários político e cultural. A partir dessa configuração, o rock emerge como alternativa de protestos, em que as letras fazem forte apelo à ditadura militar, momento histórico no qual não era possível se expressar como após 1985.
*Anísio Batista Pereira é graduado em Letras (Língua Portuguesa e suas Literaturas), mestre em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal de Catalão (UFCat), doutorando em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU/Fapemig) e membro pesquisador do Laboratório de Estudos Discursivos Foucaultianos (LEDIF/UFU/CNPq).
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