Publicado em 16/04/2020 às 16:12 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:52
Laíse Oliveira Resende apresentando parte da pesquisa no Congresso Canadense de Cardiologia, em Vancouver. (Foto: arquivo da pesquisadora)
As doenças cardiovasculares estão entre as mais comuns em âmbito mundial. Para tratar esses problemas, é importante o diagnóstico precoce. Por esse motivo, a pesquisadora Laíse Oliveira Resende, que cursou doutorado em Ciências (com enfase em Engenharia Biomédica e Cardiologia), na Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Uberlândia (Feelt/UFU), recebeu o prêmio internacional da Boston Scientific. Ela desenvolveu uma maneira mais rápida e portátil de identificar biomarcadores liberados no sangue durante o infarto do miocárdio, além de avaliar características dos sinais eletrocardiográficos que contribuem para melhor diagnóstico dos pacientes.
A Boston Scientific é uma importante empresa global na área de tecnologia médica. Em parceria com o Ministério da Saúde e com a Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica, o prêmio foi concedido para pesquisas inovadoras, que tenham aplicação clínica no Sistema Único de Saúde (SUS), de baixo custo e de forma pouco invasiva. A tese de doutorado de Resende, intitulada Avaliação de sinais eletrofisiológicos e desenvolvimento de imunossensores para detecção de troponina T e proteína C reativa, venceu na categoria Desenvolvimento de Tecnologias e Inovação em Saúde.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia, o Brasil já registrou cerca de 117 mil mortes por doenças cardiovasculares em 2020. O infarto do miocárdio é o processo de necrose do músculo cardíaco, decorrente de lesão e isquemia. De acordo com a pesquisadora, há liberação dos marcadores troponina T e proteína C reativa durante a isquemia miocárdica.
A pesquisa de Oliveira Resende foi feita no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica. O professor Elmiro Santos Resende, da Faculdade de Medicina (Famed/UFU), foi coorientador do trabalho. O cardiologista explica que existem três critérios para o diagnóstico do infarto do miocárdio: alterações clínicas, análise do eletrocardiograma e alteração dos biomarcadores no sangue.
“Existe infarto sem dor, mas não existe infarto sem elevação das substâncias no sangue. Tentamos encurtar o tempo necessário para que a dosagem seja feita nos laboratórios tradicionais, levando essa possibilidade para a beira do leito. Com isso, diminuímos o custo e o tempo”, afirma o médico.
Formas do diagnóstico de infarto e a contribuição da tese premiada (infográfico: Anna Cahuy)
Oliveira Resende desenvolveu imunossensores para identificar, de forma instantânea, a presença dessas proteínas. “Os testes foram realizados para troponina T e para proteína C reativa. A proteína C reativa também é utilizada para doenças inflamatórias, não apenas infarto do miocárdio, com ampla possibilidade de aplicações clínicas. A partir da análise das interações antígeno-anticorpo, foram realizadas detecção e quantificação das biomoléculas”, explica.
Atualmente, a análise desses marcadores no sangue pode demorar várias horas, de acordo com a tecnologia utilizada por cada hospital. A cientista informa que, quanto mais cedo o infarto do miocárdio for identificado, há menos lesão do músculo cardíaco. Após o diagnóstico, a melhor forma de tratamento para o paciente é escolhida, por exemplo, a revascularização do miocárdio. A consequência do projeto é a melhoria do atendimento dos pacientes com infarto do miocárdio e obtenção de melhor prognóstico destes.
A inovação do trabalho é a agilidade do processo. “Com uma pequena amostra de sangue, é possível a obtenção do resultado de forma rápida. Nosso objetivo foi a realização da análise precocemente, de forma menos invasiva e com ampla possibilidade de aplicação clínica”, informa a estudante.
O custo dessa tecnologia e a aplicação no SUS são destaque. De acordo com Oliveira Resende, o custo é inferior aos métodos tradicionais já utilizados. Além disso, por ser portátil, é possível levar o biossensor à sala de emergência quando o paciente é admitido no hospital
Para obtenção dos resultados, a pesquisa contou com o apoio de vários profissionais, professores e colaboradores. Após a aprovação pelo comitê de ética em pesquisa, as coletas foram realizadas no Hospital de Clínicas da UFU, incluindo traçados eletrocardiográficos e amostras de sangue de pacientes acometidos por infarto do miocárdio e de pacientes sem alterações cardíacas (grupo controle).
“Desenvolvemos um método sensível e específico para detecção e quantificação de troponina T e proteína C reativa, com obtenção de resultados relevantes e promissores. Ademais, a análise da entropia dos traçados eletrocardiográficos possibilitou o incremento desta característica para melhor avaliação dos pacientes e obtenção de diagnóstico precoce”, explica Oliveira Resende sobre o método da pesquisa.
O professor Adriano de Oliveira Andrade, da Faculdade de Engenharia Elétrica (Feelt/UFU), orientou a tese de doutorado e destaca que os componentes utilizados nos imunossensores são facilmente desenvolvidos no Brasil. Portanto, o projeto não tem dependência tecnológica de outros países.
Representação esquemática do funcionamento de um biossensor. (Foto: arquivo da pesquisadora)
O professor diz que o estudo foi inicial, com o objetivo de desenvolver a ideia e demonstrar a viabilidade. O próximo passo será aumentar o número de testes para confirmar a eficácia. O projeto está em processo de registro de patente.
Pesquisa em Cardiologia
Laíse Oliveira Resende realizou o mestrado e o doutorado em Ciências (ênfase em Engenharia Biomédica e Cardiologia) pela UFU. Atualmente, está no último período da graduação em Medicina. “A elevada incidência das doenças cardiovasculares foi o que despertou meu interesse pela área e o objetivo de desenvolver pesquisas com possibilidade de melhorar a abordagem clínica e as condutas relacionadas a estas doenças”, detalha a pesquisadora.
Oliveira Resende destaca que teve apoio de professores dos Institutos de Química e de Biotecnologia para o desenvolvimento dos Biossenssores. Os docentes João Marcos Madurro e Ana Graci Brito Madurro disponibilizaram o Laboratório de Biossensores para a realização dos experimentos e análises dos resultados da pesquisa.
Andrade, orientador do trabalho, elogia o caráter aplicável da pesquisa, pois se trata de um trabalho interdisciplinar, com colaborações de professores da Medicina, Engenharia e Química.
O engenheiro ressalta a importância da tese, pois mostra a capacidade de fazer pesquisa em grupo na UFU. “A qualidade do trabalho já foi comprovada, com aprovações em congressos nacionais e internacionais, artigos em revistas e agora o reconhecimento do Ministério da Saúde. É uma forma de valorizar o nosso trabalho”, declara.
Para Andrade, a colaboração entre as unidades acadêmicas é fundamental: “Não podem existir barreiras na pós-graduação, mas sim flexibilização. A tese da Laíse é um ótimo exemplo da importância da cooperação entre unidades, pois ela realizou disciplinas no Programa de Pós-graduação em Genética e Bioquímica para o aperfeiçoamento e desenvolvimento de imunossensores”.
O professor explica que, antes de testar o equipamento com os pacientes, é necessário fazer testes em laboratórios para verificar as propriedades químicas e elétricas do sensor. Para ser confiável, o biossensor precisa ter um desempenho similar aos métodos convencionais.
“Em relação à engenharia, é preciso fazer modelagem matemática, cruzamento de dados e análises de sinais. A Faculdade de Engenharia Elétrica forneceu várias ferramentas e estratégias de análise que são aplicadas sobre os dados, para que fosse possível fazer uma caracterização melhor dos resultados”, finaliza Andrade.
A análise dos eletrocardiogramas também é uma inovação do trabalho. A pesquisadora analisou os eletrocardiogramas dos pacientes e para isso foi necessário obter o sinal digitalizado.
“O sinal eletrocardiográfico foi digitalizado, por meio de um software que desenvolvemos, denominado ECGLab, para posterior análise e processamento dos dados, obtenção dos valores de entropia e classificação dos eletrocardiogramas de acordo com presença ou ausência de infarto do miocárdio, além da caracterização da localização do infarto”, afirma a pesquisadora.
O professor Resende também expressa expectativas sobre o futuro da tecnologia: “Daqui para frente, iremos aprimorar o equipamento para que possa ser colocado à disposição dos pontos de atendimento de urgência e emergência. Este pode resolver alguns problemas que nos afligem no dia a dia. Essa é a beleza do trabalho científico, é assim que a ciência evolui.”
Por fim, o médico avalia a importância do investimento em pesquisas sobre os biossensores. Esse recurso pode ser usado para identificar vários tipos de marcadores, mas para isso é necessário novos estudos e dosagens. “Essa tecnologia tem muitas aplicações, inclusive pode ser importante para outras patologias. O espaço tecnológico é muito importante para todas as abordagens”, conclui o cardiologista.
Oliveira Resende finaliza: “Continuaremos as pesquisas para que novos marcadores sejam testados e que a abordagem seja ampliada para que a aplicação clínica seja um cenário próximo, com melhores desfechos, especialmente referentes às doenças cardiovasculares”.
Palavras-chave: Cardiologia biossensor miocárdio ataque cardíaco
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