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Ciência

Como a humanidade lida com as suas crises?

O episódio de maio do podcast “Ciência ao pé do ouvido” convidou um geógrafo e pós-doutor em Ciência da Saúde, e um cientista social e doutor em Antropologia, ambos docentes da UFU, para refletir sobre as lições aprendidas com as epidemias do passado

Publicado em 05/05/2020 às 20:11 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:52

CLIQUE NA IMAGEM PARA OUVIR: No episódio de maio do podcast “Ciência ao pé do ouvido”, a jornalista Josielle Ingrid conversou com o cientista social Luciano Senna Peres Barbosa e com o geógrafo Samuel do Carmo Lima.

“Quando eu era criança, o desastre que mais temíamos era uma guerra nuclear. Hoje, o maior risco de catástrofe global não se parece com uma bomba, mas sim com um vírus. Investimos muito em armas nucleares, mas bem pouco em um sistema para barrar uma epidemia. Não estamos preparados”, disse o empresário norte-americano Bill Gates.

Você deve estar pensando que essa análise foi feita em contexto de pandemia do novo coronavírus. Mas Gates fez esse diagnóstico em 2015, durante uma palestra para o Ted Talks, intitulada “A próxima epidemia? Não estamos preparados”. Naquela época, o mundo ainda reunia esforços para controlar a crise epidêmica de Ebola, que inicialmente atingiu a África Ocidental e se espalhou para outros continentes entre 2014 e 2016.

Gates, infelizmente, não estava errado. O fato é que o risco de novas crises, quer sejam individuais ou coletivas, acompanham a história da humanidade. Aqui poderíamos incluir as crises e lutas pela sobrevivência; as disputas territoriais; os conflitos por recursos naturais; as guerras por poder; as crises suscitadas por diferenças religiosas; as provocadas pelo colapso financeiro; as causadas pela falta de saneamento básico; os surtos de novas doenças ou de doenças que já estavam erradicadas, entre tantas outras. O grau e a extensão com que cada uma dessas crises são sentidas são diferentes e dependem do contexto histórico, social, cultural, econômico, político, científico e tecnológico. 

O processo de modernização industrial e, posteriormente, a globalização amplificaram o risco de novas crises que afetem o mundo todo. Sobre isso, o sociólogo alemão Ulrich Beck, no seu livro intitulado “Sociedade do Risco”, publicado em 1986, mesmo ano em que aconteceu o desastre nuclear de Chernobyl, na antiga União Soviética, buscou rasgar o véu da ignorância que na contemporaneidade nega a iminência do risco global, por menosprezar o fato de que nós socializamos os danos à natureza, e que as consequências, a serem sentidas, ultrapassam as fronteiras reais e simbólicas.

O risco que era latente, nas projeções de Bill Gates e de outros especialistas, de uma nova crise, agora é evidente com a pandemia de uma doença respiratória, nomeada Covid-19, causada por uma nova espécie de vírus pertencente à família coronavírus, que já é conhecida desde a década de 1960. Esse grupo de microrganismos é responsável por desencadear desde resfriados comuns até síndromes respiratórias graves, como é o caso da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers). De acordo com o Painel COVID-19 do Centro de Ciência e Engenharia de Sistemas da Universidade de Johns Hopkins, dos Estados Unidos, atualmente, 187 países registraram casos da infecção e no mundo já foram notificadas 254.592 pessoas mortas pelo vírus.

Diante da crise do novo coronavírus, capaz de paralisar o mundo inteiro, as pessoas têm se questionado: Quando isso vai passar? Como superar a crise? Que lições outras crises sanitárias no Brasil nos ensinam? O que vamos aprender com essa pandemia? O que vem depois da crise? O mundo será o mesmo? 

Para refletir e debater essas questões, no episódio de maio do podcast “Ciência ao pé do ouvido”, a jornalista Josielle Ingrid conversou com o geógrafo e pós-doutor em Ciência da Saúde, Samuel do Carmo Lima, e com o cientista social e doutor em Antropologia, Luciano Senna Peres Barbosa, ambos docentes da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Lima esclarece porque podemos observar a história de outras epidemias, especialmente a da Peste Bubônica, que assolou a Europa no século XIV, e a Gripe Espanhola, considerada pelos historiadores a maior pandemia do século XX, para entender a atual pandemia de Covid-19. Segundo o cientista social, as populações dessas épocas não tinham anticorpos contra os agentes patógenos, assim como hoje. “A diferença básica  entre essas pandemias e a Covid-19 é a velocidade com que o vírus se deslocou de um lugar para o outro, e se espalhou pelo mundo”. O pesquisador ressalta ainda que as medidas de quarentena e isolamento adotadas no passado, num contexto em que não se tinha vacinas, remédios e as doenças eram facilmente transmitidas e com uma letalidade intensa, certamente valem hoje. 

“Pouco se pode fazer para evitar, a não ser a mesma estratégia, a quarentena, manter as pessoas em isoladas, para que o vírus não se transmita. Hoje a gente pensa em quarentena mantendo as pessoas em casa, mas também reduzindo os deslocamento entre as cidade e entre os países, para evitar que o vírus se espalhe”, aponta Lima.

O antropólogo Luciano Barbosa, ao analisar como a crise sanitária vivida no Brasil durante a epidemia de Gripe Espanhola em 1918, explica que uma das lições que ficaram é que, ao pensar em Saúde Pública, não se deve restringir apenas às questões biológicas das epidemias, é preciso levar em consideração também as condições socioeconômicas. “Naquele momento a população mais atingida foi aquela que não tinha acesso às condições sanitárias, não tinha acesso, inclusive, a uma dieta mínima, as pessoas que não tinham uma condição de moradia razoável, foram essas pessoas que mais sofreram com essa epidemia”. 

Olhar para o passado e comparar com a pandemia da Covid-19 revela que os investimentos em Saúde Pública, Ciência e Tecnologia, Sustentabilidade, assim como a redução das desigualdades sociais, ainda estão aquém do desejável para enfrentar qualquer crise sanitária que ainda esteja por vir. Por isso, é importante destacar que o conhecimento do passado é essencial para a compreender o presente, quanto ao futuro a história não nos oferece respostas finalizadas, mas nos permite projetar caminhos por onde não devemos seguir.

O podcast “Ciência ao Pé do Ouvido” é produzido pela Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social (Dirco) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Para sugestões e dúvidas, entre em contato com a equipe: comunicaciencia@ufu.br

 

Ouça “Ciência ao Pé do Ouvido”:

 

*Thiago "Zina" Crepaldi é estudante do curso de Graduação em Jornalismo da UFU

 

Palavras-chave: podcast Ciência ao Pé do Ouvido crises coronavírus

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