Publicado em 13/05/2020 às 14:42 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:52
Em 2019, uma pesquisa do Instituto Datafolha apontou que 7% da população brasileira, aproximadamente 11 milhões de pessoas, duvidam do formato esférico do planeta Terra. Na contramão destes dados está a Geodésia, e neste momento já é provável que você esteja se perguntando: mas o que é a Geodésia? Bom, o objetivo deste texto é também responder a essa pergunta.
A Geodésia já foi definida apenas como a ciência responsável pelo mapeamento e pela medição da superfície terrestre. Hoje, a definição é bem mais ampla e abrange os estudos da forma e dimensão do planeta Terra, bem como a variação do campo de gravidade. Proporciona a infraestrutura para a navegação por satélite (como o GPS ou GNSS em uma linguagem mais técnica) e tem técnicas espaciais altamente precisas para o monitoramento contínuo da dinâmica do planeta.
Quanto ao movimento conhecido como "terraplanismo", não é novo que se discuta sobre a forma e a dimensão da Terra. As primeiras ideias remontam à era antes de Cristo e foram expressas por Tales de Mileto (625-547 a.C.), que acreditava que a Terra tinha a forma de um disco e flutuava num oceano infinito. Já Pitágoras (570-495 a.C.) defendia a esfericidade da Terra e o fato de ela girar em torno do sol (heliocentrismo).
Aristóteles (384-322 a.C.) apresentou três argumentos para a esfericidade da Terra: a variação no aspecto do céu estrelado com a latitude; a sombra circular da Terra nos eclipses da lua; e a tendência das partículas a se dirigirem para um ponto central do universo, quando competem entre si adquirindo a forma esférica.
Porém, foi Eratóstenes (276-197 a.C) quem realizou a primeira determinação da circunferência da Terra. No vídeo de Carl Sagan, um dos mais renomados cientista do planeta, é explicado o experimento de Eratóstenes (assista aqui). Isaac Newton (1642-1727) e Carl Friedrich Gauss (1777-1855) também contribuíram de forma substancial para o assunto.
Os geodesistas, como são chamados os especialistas das Ciências Geodésicas, se referem à forma da Terra de duas maneiras. Na primeira, consideram-na como sendo um elipsoide (denominação dada por Newton). Isto é, um modelo matemático teórico que mostra uma representação simplista e suave da superfície da Terra e que serve como base para os cálculos matemáticos. Nesse caso, o raio da Terra não é constante.
Isso significa que, em vez de ser de igual circunferência (como uma esfera) em todas as áreas, os polos são levemente achatados, resultando em uma protuberância na linha do Equador e, portanto, em um maior raio nesta região. A protuberância equatorial da Terra é causada pela rotação e gravidade do planeta. Os parâmetros de um modelo elipsoidal são calculados por meio de técnicas espaciais que vão além do GPS. Uma delas, chamada VLBI, coleta o sinal de fontes de rádio astronômicas de objetos extragalácticos (chamados de quasares).
Na segunda, a forma da Terra é considerada um geoide (nomenclatura dada por Gottfried Wilhelm Leibniz). Gauss caracterizou o geoide como a “figura física da Terra”, isto é, um modelo físico da forma da Terra que acompanha as variações do campo de gravidade do nosso planeta.
Um modelo geoidal é calculado a partir de medições da aceleração de gravidade, seja na superfície terrestre ou nos oceanos, além de medições conduzidas por satélites dedicados a essa temática. A aceleração de gravidade varia sutilmente em cada local do planeta, função da densidade das rochas no seu interior, resultando em uma distribuição de massa heterogênea.
O geoide representa uma superfície equipotencial (de mesmo potencial) do campo de gravidade da Terra e sua aplicação é essencial em trabalhos de engenharia que envolvam altitudes. Atualmente, o Laboratório de Topografia e Geodésia, no Campus Monte Carmelo da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), trabalha na elaboração de um modelo geoidal mais atualizado para o Estado de Minas Gerais que estará disponível até o fim de 2020.
Além do cálculo da forma e da dimensão do nosso planeta, há uma quantidade relevante de aplicações da Geodésia presentes no nosso dia a dia que muitas vezes nem temos ideia. Vejamos os exemplos:
- O sistema GPS: é por meio da Geodésia que conseguimos enviar e receber de maneira ágil a nossa localização, o que auxilia muito os aplicativos modernos de serviços de transporte e alimentação;
- Elevação do nível do mar: missões espaciais específicas trabalham no monitoramento ao longo do tempo das variações nos oceanos e indicam uma elevação no nível do mar de 3,4 mm. Considerando os valores atuais, em 150 anos isso representará mais de meio metro e já há estudos do impacto e do risco à vida da população. Alguns autores apontam que locais onde vivem aproximadamente 60 milhões de pessoas correm o risco de ficarem permanentemente submersos em 2150;
- Acréscimo de segundos aos relógios: sabemos, por meio das técnicas espaciais promovidas pela Geodésia, que a velocidade de rotação do planeta Terra tem diminuído ao longo do tempo. Isso levou até hoje um acréscimo ao Tempo Universal Coordenado (UTC) de 37 segundos, desde 1961. A última vez que tivemos um segundo a mais em nossos relógios foi em 2017;
- Deslocamento de placas tectônicas: como um dos objetivos da Geodésia é promover o monitoramento de mudanças no planeta, algumas técnicas espaciais observam o movimento das placas tectônicas ao redor do mundo. No Brasil, a informação é que deslocamos, em média, de 2 a 2,5 cm no sentido noroeste por ano devido à dinâmica tectônica;
- Monitoramento das calotas polares: por meio de satélites geodésicos, é possível quantificar a camada de gelo presente na Antártida e no Ártico, o que promove resultados quanto ao derretimento ou conservação das camadas de gelo nessas regiões.
*Gabriel do Nascimento Guimarães é doutor pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Trabalha com modelagem geoidal desde o mestrado. É professor do Instituto de Geografia e orientador do Programa de Pós-Graduação em Agricultura e Informações Geoespaciais, no Campus Monte Carmelo da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
**Tulio Alves Santana é engenheiro agrimensor e cartógrafo na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no Campus Monte Carmelo. É mestre em Ciências Geodésicas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e concentra seus estudos na área de Geodésia.
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