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MATEMÁTICA

Como as festas do Congado podem ensinar Matemática?

TCC propõe atividades em sala de aula para incluir a cultura afro-brasileira na disciplina

Publicado em 08/07/2020 às 15:28 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:52

Comemorações do Congado de Uberlândia, em outubro de 2016. (Foto: Milton Santos)

De fevereiro a maio — época que antecede as manifestações festivas do Congado —, Renê Aparecido Santos participa dos ensaios musicais do terno Congo Real. Desde 2016, ele dedica as noites da semana às aulas de Cálculo, Álgebra, Didática e outras disciplinas da graduação em Matemática. A princípio, essas atividades podem parecer distintas. Porém, Santos conseguiu somá-las em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC): o estudante formulou três propostas pedagógicas utilizando os números e os elementos da cultura do Congado.

O professor Leandro de Oliveira Souza, do Instituto de Ciências Exatas e Naturais do Pontal, é o orientador do TCC. A primeira etapa do trabalho foi investigar a história do congado e a cultura afro-brasileira na cidade de Ituiutaba. Santos buscou identificar a utilização da Matemática no terno em que ele participa e pesquisou referências na bibliografia existente. A inovação do trabalho se deu pela possibilidade de aplicação sobre o que Santos observou nas salas de aula.

A primeira atividade aborda o cálculo da área e volume dos tambores usados no Congado. Santos recomenda que a atividade comece pela explicação do professor relembrando aos estudantes sobre as técnicas de calcular área e volume, especialmente no formato cilíndrico dos instrumentos. “Sugerimos que a atividade seja aplicada em grupos, de modo que os alunos possam manipular os instrumentos, fazer as medições corretas e, assim, realizar aproximadamente os cálculos de área e volume”, explica.

O matemático espera que essa atividade proporcione aos alunos uma aula mais interativa, a fim de tornar a aprendizagem mais interessante e fora do cotidiano. A influência da pesquisa também parte da experiência do estudante no congado. “Quando nos preparamos para as manifestações em nosso barracão, nós construímos e realizamos ajustes nos instrumentos, e de alguma forma precisamos dos cálculos para isso. Então, seria interessante levá-los desmontados para a sala de aula para que os alunos tenham a experiência”,”

Renê Santos tocando tambor no terno Congo Real. (Foto: arquivo do pesquisador)

Nas manifestações do Congado, existem instrumentos de diversos tamanhos e para pessoas de várias faixas etárias - desde crianças a adultos. Dessa forma, a produção dos instrumentos precisa ser adaptada, e os cálculos sobre razão e proporção são essenciais. A atividade é sugerida para alunos que estão estudando esse conteúdo, a fim de esclarecê-lo visualmente durante o desenvolvimento da proposta.

“A atividade consiste na manipulação dos instrumentos, ao realizar comparações e encontrar uma constante de proporção entre os diversos tamanhos dos instrumentos, sendo possível indicar o melhor instrumento para os diversos públicos. Os tamanhos dos tambores variam de 10 polegadas até 30 polegadas de diâmetro, os repiques variam de 10 a 15 polegadas de diâmetro e os chocalhos são bem menores que o menor repique. Ao aplicarmos a teoria envolvendo a proporcionalidade, identificamos qual é a relação existente aos instrumentos”, explica Santos.

O tamanho e a montagem dos instrumentos utilizados no Congado também podem modificar o som que eles produzem. Pensando nisso, a última proposta pedagógica envolve a Matemática e a Física para entender como o som é produzido por meio das batidas nos instrumentos de percussão. A atividade precisaria de um decibelímetro — equipamento de medição da pressão sonora. 

Essa atividade verifica a proporcionalidade sonora em diferentes instrumentos do Congado, para constatar a diferença de som nos pontos da superfície dos instrumentos. “O tamanho da lateral do tambor determina a amplitude em que o som é produzido. Então, o professor pode proporcionar aos alunos um senso de investigação mais amplo, usando duas ciências”, afirma Santos.

 

Etnomatemática e ensino

 

A lei 10.639, sancionada em 2003, estabelece o ensino de história e culturas afro-brasileiras como obrigatório nas disciplinas do currículo escolar. Souza, doutor em Educação Matemática, observa que ainda há dificuldades em aplicá-la durante as aulas da disciplina, que tendem a abordar as formas acadêmicas do conhecimento numérico.

“Precisamos sanar esse problema [falta de representatividade afro-brasileira] a longo prazo. O TCC do Renê concluiu que existe muita matemática no Congado. Abrimos um  paradigma para que as próximas pesquisas coloquem em prática essa interdisciplinaridade em sala de aula”, explica Souza.

Para o docente, é preciso que mais pesquisas sobre esse assunto sejam realizadas para multiplicar o potencial de ensino de Matemática aliado à cultura e realidade dos alunos. É por isso que Santos pretende ampliar o assunto e colocar as propostas de ensino em prática em um futuro projeto de mestrado.

Terno Congo Real em direção à Igreja São Benedito, em Ituiutaba, em maio de 2019. (Foto: Arquivo do pesquisador)

Palavras-chave: Congado Congada Matemática etnomatemática geometria

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