Publicado em 16/09/2020 às 17:02 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:52
Resumo gráfico desenhado por Fernando Bergamini
Em artigo publicado no especial "Novos Talentos da América", da revista DALTON TRANSACTIONS, no dia 3 de setembro, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) questiona: "O que está atrasando a aplicação de metalofármacos como antivirais?" A partir dessa pergunta, que intitula o artigo, e da revisão de outros estudos, são apresentadas as implicações dos metalofármacos frente ao novo coronavírus, o SARS-CoV-2, causador da Covid-19, e a novos surtos virais.
Metalofármaco é um fármaco (princípio ativo de um medicamento) que contém metal na sua composição. Vários metalofármacos já são utilizados, como a cisplatina e os seus derivados, no tratamento de tumores de cabeça, pescoço e testículos; a sulfadiazina de prata [Dermazine], que tem atividade antibacteriana e é aplicada na forma de pomada para queimadura; a auranofina [Ridaura (R)], usada para tratar artrite reumatoide; e o ferro bisglicinato [Neutrofer(R)], que combate a anemia.
Muitos metais têm atividade antimicrobiana intrínseca. Segundo um dos autores do estudo publicado pela Dalton Transactions, Fernando Bergamini, que é professor do Instituto de Química da UFU, na época medieval, uma mistura contendo o sal metálico nitrato de prata era usada como ferramenta de cirurgiões para impedir o crescimento de microorganismos. "Era uma pontinha, chamada lapis infernalis, porque queimava, mas era o que tinha para 'cauterizar' feridas na época", conta o pesquisador.
"Aí vem a pergunta: por que não há, até o momento, compostos de coordenação metálicos aprovados para aplicação como fármacos antivirais, sendo que a gente sabe que os metais têm a capacidade de inibição de certos processos biológicos?", problematiza Bergamini. Os cientistas demonstraram, no artigo, que a faixa de atividade antiviral dos metalofármacos in vitro é muito similar à atividade de fármacos orgânicos, inclusive frente ao Sars-Cov-2. Assim como os antivirais "puramente orgânicos", os metalofármacos têm que seguir o paradigma da seletividade, ou seja, devem atuar contra a maquinaria viral e não contra as células humanas.
Segundo Bergamini, os íons metálicos tendem a ser mais versáteis que os orgânicos, o que permite aos cientistas fazerem ajustes finos durante o desenvolvimento de fármacos, e também são menos eletronegativos, o que possibilita que eles recebam carga com facilidade e favorece as trocas de ligantes com o meio. "É uma das razões porque a natureza inclui íons metálicos nos nossos sistemas biológicos. Cerca de 30% a 40% das nossas proteínas contêm íons metálicos para desempenhar efetivamente suas funções", explica o pesquisador.
Quanto ao tratamento da Covid-19, de acordo com Bergamini, está em fase de testes in vitro a auranofina, como proposta de reposicionamento de fármacos já aprovados para outras aplicações. No artigo publicado neste mês, os autores defendem que os cientistas precisam ampliar os estudos sobre os metalofármacos e ir além no entendimento dos alvos terapêuticos. "Os metalofármacos podem chegar a ser a única solução para casos muito específicos. Além de antivirais, no desenvolvimento de fármacos antibacterianos. No futuro podemos ter vírus e bactérias mais resistentes. Os metalofármacos, muitas vezes, desempenham, mais do que um mecanismo de ação. Eles impedem que haja surgimento muito rápido de resistência", diz Bergamini.
Imagem: Reprodução da Dalton Transactions
Palavras-chave: Química coronavírus COVID-19 UFUContraOCorona
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