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Leia Cientistas

O que os causos têm a nos ensinar

Na seção Leia Cientistas, conheça os trabalhos de Thiago Coelho, doutorando em Estudos Literários na UFU

Publicado em 04/05/2021 às 10:11 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:51

 

Pesquisador mistura a contação de causos com a arte da palhaçaria (Foto: Reprodução do Youtube)

A cultura caipira se formou a partir da interação não pacífica entre os africanos, os europeus e os povos indígenas, na região Sudeste e parte do Centro-Oeste e Sul do Brasil, denominada pelo professor Antônio Cândido como a região da Grande Caiapônia. Essas regiões eram atravessadas pelos muladeiros, que posteriormente passaram a ser chamados de tropeiros, levando gado da região Sul para as outras regiões do Brasil, primeiramente em mulas e depois em cavalos. Esse fluxo ajudou a cultura caipira a se espalhar pelo interior do país. 

Com o passar dos séculos, a cultura caipira desenvolveu diversas manifestações culturais, como, por exemplo, a folia de reis, a dança catira, a música de viola caipira (que busca reproduzir o trotar do cavalo nos seus ponteados), entre tantas outras. Uma dessas manifestações são os causos, que são passados de geração em geração, geralmente contados pelos mais idosos. 

Os causos são histórias vividas pelas pessoas ou contadas por outras, que podem ser tanto acontecidas como inventadas, ou com partes reais e partes transformadas por quem conta, pois como diz o ditado popular: “quem conta um conto aumenta um ponto”. Essas histórias podem ser engraçadas, de terror ou mesmo com acontecimentos tristes. 

A professora Luciana Hartmann, da Universidade de Brasília (UnB), salienta que os causos são uma forma de aprendizado nas culturas orais, transmitindo os conhecimentos de um determinado povo. Então, quando ocorre uma contação de causos, é uma troca de saberes entre quem conta e quem ouve.

Algumas características são evidenciadas nessa contação de causos, como o fato do contador ter a autoridade para tal, ou seja, é respeitado enquanto contador de causos e reconhecido pelas outras pessoas, que pedem a ele para narrar uma história. Outro ponto é que o contador não simplesmente conta uma história, mas sim, ele interpreta a história na sua narração, fazendo os personagens da história, com voz diferente para cada personagem, realizando uma transição entre o narrador e o personagem. 

Nisso ocorre um controle de tempo da narrativa, pois o contador varia as modulações da voz para marcar cada momento da história. O corpo todo entra na performance que o contador desempenha em frente aos ouvintes. Há também o diálogo com quem ouve, pois o contador busca, de tempos em tempos, não perder a atenção do público e, então, lança perguntas para os ouvintes. E um causo pode levar a outro causo, pois ou o contador lembra de uma história parecida, ou o ouvinte pede para contar mais um causo.

O pensador Walter Benjamin diz que os narradores de histórias são como artesãos, pois vão construindo as suas histórias como o oleiro que molda o barro ou a tecelã que faz a trama de um tecido. E contar histórias é uma arte. Como exemplo podemos citar Sherazade, que sobreviveu, por muito tempo, narrando histórias. 

Dessa forma, percebemos o quanto os causos têm a nos ensinar, pois são histórias riquíssimas, que são passadas de geração em geração por longos tempos, e trazem grandes ensinamentos sobre a vida, as relações interpessoais, os valores e a ética. E como é bom ouvir um contador narrar um causo! Por isso, devemos valorizar nossos contadores de causos e a nossa cultura caipira.

 

Thiago Henrique Fernandes Coelho é aluno de doutorado do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários (Foto: arquivo do pesquisador)

 

*Thiago Henrique Fernandes Coelho é doutorando em Estudos Literários, mestre em Artes Cênicas e graduado em Teatro pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Participa do Grupo de Estudos da Comicidade do Ator (GECA), do projeto de extensão Pediatras do Riso/Palhaços Visitadores e do UFUMUN. Saiba mais acessando a dissertação de mestrado, A voz do paraíso: Um estudo interpretativo da comicidade sobre a representação de Eleutério, um personagem contador de “causos”, na telenovela Paraíso de 2009, os artigos A voz, as mãos e a câmera: Um estudo sobre a representação de um personagem contador de causos e Potencialidades da contação de causos na sala de aula: um estudo sobre a representação de um personagem contador de causos e todos os episódios da Websérie Contando Causos.

 

A seção "Leia Cientistas" reúne textos de divulgação científica escritos por pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). São produzidos por professores, técnicos e/ou estudantes de diferentes áreas do conhecimento. A publicação é feita pela Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social (Dirco/UFU), mas os textos são de responsabilidade do(s) autor(es) e não representam, necessariamente, a opinião da UFU e/ou da Dirco. Quer enviar seu texto? Acesse: www.comunica.ufu.br/divulgacao. Se você já enviou o seu texto, aguarde que ele deve ser publicado nos próximos dias.

 

Palavras-chave: Leia Cientistas causos estudos linguísticos teatro Divulgação Científica

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