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Ciência

Pesquisadores da UFU estudam o uso de kefir no tratamento de Alzheimer

Testes são feitos em moscas-das-frutas com pedaços de DNA humano

Publicado em 27/08/2021 às 16:26 - Atualizado em 05/09/2023 às 19:26

A doença de Alzheimer é uma das causas mais comuns de demência entre idosos, o que pode acarretar uma perda motora-cognitiva e, consequentemente, o desgaste emocional e a co-dependência. Buscando novas formas de tratamento da doença, a biotecnóloga Letícia Leandro Batista, juntamente com o professor Carlos Ueira Vieira, do curso de Biotecnologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), resolveram testar a utilização do kefir em moscas-das-frutas com pedaços de DNA humano. Os estudos foram relatados em artigo publicado em maio deste ano na revista Scientific Reports, do grupo Nature.

O kefir é um probiótico (produto alimentar que contém microorganismos vivos cuja ingestão traz benefícios à saúde) único, pois sua composição tem diversas bactérias e leveduras diferentes. Ao fermentar o leite e criar uma espécie de iogurte, esses diferentes microorganismos produzem centenas de moléculas diferentes, e os pesquisadores da UFU foram pioneiros em identificar essas moléculas. “Acreditamos que o kefir atue na doença de Alzheimer através de vias antioxidantes e anti-inflamatórias, porém, mais estudos são necessários para confirmar essas hipóteses”, explica Vieira.

Para fazer a testagem do probiótico no tratamento da doença, foram usadas as popularmente chamadas moscas-das-frutas. Esse inseto é da espécie Drosophila melanogaster e foi escolhido para ser objeto de estudo há mais de 100 anos, pelo geneticista estadunidense Thomas Hunt Morgan, que buscava provar que a base da hereditariedade estava nos cromossomos. Com isso, essa mosca tornou-se uns dos animais mais estudados no mundo. A escolha dela como cobaia na pesquisa do kefir, ao invés de outros animais de porte maior, como mamíferos, se dá pelo fato dela ser um invertebrado de ciclo de vida curto, ter baixo custo de manutenção e produzir grande número de indivíduos. O genoma (conjunto de DNA presente nas células) da mosca-das-frutas tem 60% de semelhança com genoma humano e aproximadamente 75% dos genes responsáveis por doenças humanas têm um correspondente nela.

Com o sequenciamento do genoma humano e da mosca-das-frutas, junto com novas técnicas de engenharia genética, hoje é possível construir moscas com pedaços de DNA humano para produzir um modelo de estudo, como foi o caso deste trabalho.

Drosophila melanogaster, a mosca-das-frutas, utilizada nos estudos (Foto: Banco de Imagens Vecteezy.com

Como o custo de manutenção da mosca é significativamente menor do que o de mamíferos, esse modelo torna-se vantajoso para testagem no desenvolvimento de novos medicamentos. “Além disso, existe o apelo mundial para diminuição do uso de animais vertebrados em testes de laboratório. Acredito que cobaias como camundongos e ratos ainda são necessários para experimentação científica, no entanto, experimentos utilizando Drosophila poderão minimizar o uso de mamíferos”, completa Vieira.

Uma das principais hipóteses do desenvolvimento da doença de Alzheimer é em relação ao acúmulo de peptídeos no cérebro, em que há a participação principalmente de duas proteínas. O acúmulo desses peptídeos é tóxico para o cérebro, o que gera a demência que é característica da doença. As moscas usadas carregam os genes humanos para essas proteínas. Assim, quando esses dois genes são transcritos, geram-se os peptídeos no cérebro da mosca e é possível mimetizar  o que acontece no cérebro de uma pessoa com Alzheimer.

Para entender se o kefir teria um efeito positivo nas moscas, ele foi utilizado em duas formas: em natura (como iogurte) e como fonte de moléculas (metabólitos). Na primeira forma, tem-se a presença dos microrganismos naturais do kefir, enquanto na segunda apenas as moléculas. Além disso, as moléculas também foram divididas em quatro grupos diferentes e testadas separadamente. Desse modo, foi possível ter uma noção de qual grupo de moléculas teria uma ação melhor contra a doença na mosca-das-frutas e continuar os estudos futuramente em animais mais complexos.

Como resultado, os pesquisadores viram que o kefir em iogurte é benéfico para o modelo, melhorando a capacidade motora das moscas e diminuindo a presença de neurodegeneração, o que aumenta a sobrevida delas. Em contrapartida, as moléculas isoladas do kefir conseguiram gerar resultados ainda mais eficazes.

Teste de escalada. Do lado direito, moscas saudáveis (escalam mais rápido) e do lado esquerdo, moscas modelos de Alzheimer (escalam mais devagar) (Imagem: Arquivo Pessoal/Carlos Ueira Vieira)

A ideia do trabalho começou como um projeto do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) de Batista, desenvolvido no Laboratório de Genética da UFU. A, até então, aluna da graduação teve uma disciplina com o professor Vieira e logo se interessou no ramo da pesquisa. A estudante já havia tido experiência com os grãos de kefir e, juntos, resolveram fazer estudos preliminares com o iogurte e tiveram resultados animadores, o que os levou a aprofundar na pesquisa. “Durante o desenvolvimento deste trabalho, cresci muito profissional e pessoalmente, e não consigo pensar em um professor melhor para ter me guiado nessa trajetória do que o Carlos. Ele esteve sempre disposto a encontrar soluções criativas para os problemas que encontramos durante a pesquisa, o que ocorre mais que o esperado pela falta de financiamento adequado”, conta Batista.

No fim da Iniciação Científica, os pesquisadores fizeram parceria com outros cientistas da UFU e de fora da universidade, como do Instituto do Coração de São Paulo (InCor) e da Harvard Medical School. Isso foi crucial para utilizarem várias técnicas diferentes no trabalho e encontrarem a melhor forma de testar o tratamento. Além de Batista e Vieira, estão presentes na pesquisa os membros do Laboratório de Genética da UFU, Serena Mares Malta, Luiza Diniz Ferreira Borges, Jessica Regina da Silva, Lays Oliveira Rocha e Tamiris Sabrina Rodrigues; os do Instituto de Biotecnologia (Ibtec), Heitor Cappato Guerra e Foued Spindola; além de  Kallyandra Padilha, do Incor; e Gabriela Venturini e Alexandre da Costa Pereira, da Harvard Medical School.
Atualmente, Batista está fazendo doutorado em neurobiologia, na Johannes Gutenberg Universität Mainz, na Alemanha, e continua usando as moscas-das-frutas em seus estudos, mas agora, no processamento olfativo. A cientista reconhece a importância da Iniciação Científica na sua trajetória profissional: “Sinto que a preparação que tive fazendo pesquisa no Laboratório de Genética da UFU foi crucial para ter conseguido essa oportunidade [de doutorado na Alemanha]. Aprendi o processo científico muito antes do que o esperado para o padrão europeu, e isso me abriu portas”, finaliza.

Os pesquisadores pretendem continuar os estudos acerca do kefir, mas agora com o acompanhamento mais distante de Batista por causa de seu doutorado no exterior. Além de identificar os metabólitos, eles também sequenciaram todo o DNA presente no kefir e montaram o genoma de algumas bactérias. Esse novo trabalho está sendo realizado com o professor Anderson Rodrigues dos Santos, da Faculdade de Computação (Facom) da UFU. Ele é especialista em bioinformática e montagem de genomas, o que permite investigar como algumas dessas moléculas promissoras são produzidas e reproduzir esse processo.

Caso queira conhecer o trabalho de forma mais detalhada, acesse o artigo publicado sobre a pesquisa.

 

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Palavras-chave: Ciência Kefir Moscas PIBIC

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