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DIA DO JORNALISTA

Jornalismo científico e a missão de levar a produção de conhecimento para a sociedade

Reinaldo José Lopes, jornalista de Ciência da 'Folha de S. Paulo', é o quarto entrevistado da série especial em homenagem ao Dia do Jornalista

Publicado em 13/04/2020 às 18:03 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:52

Reinaldo Lopes em participação de evento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. (Foto: Reprodução Instagram)

Tudo começou com o gostar de animais, especialmente os mamíferos. Do almejar ser zoólogo, quando criança, para o jornalista que, hoje, deseja levar o conhecimento científico às pessoas. Na época do vestibular, em 1996, tentou ao mesmo tempo três cursos diferentes: Biologia, Medicina e Jornalismo. Acabou passando em dois deles, mas optou por jornalismo pensando na satisfação pessoal e na recompensa financeira. Escolha, esta, que além do reconhecimento na área, o levou, em 2017, a ser vencedor do Prêmio José Reis, o mais importante do Brasil em divulgação científica. 

A formação não foi tão simples; sua graduação em jornalismo não foi bem como esperava. “Passei o curso bastante perdido e decepcionado com as minhas perspectivas profissionais, achando que não dava. Dei muita sorte quando estava tentando fazer o trainee na 'Folha [de S. Paulo]' e apareceu uma vaga temporária de cobertura de férias na editoria de Ciência da 'Folha'. Entrei e me apaixonei logo na primeira semana, pela área e por tudo. Acho que renovou a paixão que eu tinha por ciência e por biologia, e continuei na carreira”, afirma.

 

Trajetória

Reinaldo José Lopes é graduado em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de São Paulo (2001), mestre e doutor em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (2006). Ele conta que sua carreira de jornalista, que começou em 2001, não é muito complexa. Foram alguns anos na "Folha de S. Paulo" como freelancer, até 2004. Passou um ano na revista Scientific American Brasil, como editor assistente e voltou para a atividade no jornal por mais um ano. Quando o portal de notícias G1 surgiu, ficou por lá como repórter e responsável pela coluna "Revolução da Vida", até 2009. Retornou para a "Folha de S. Paulo" novamente, em 2010, como editor de Ciência por três anos e desde então permanece por lá, como repórter, colunista e blogueiro do jornal.

Nos quase 20 anos de carreira, foram perceptíveis algumas mudanças na área, principalmente devido à questão do acesso não só aos conteúdos, mas aos próprios cientistas. “A gente tem uma ideia mais clara também do que está sendo produzido no Brasil; antes era mais difícil. Era muito mais fácil você conseguir uma pauta com institutos americanos e europeus. Eram mais solícitos do que os brasileiros. Então, as coisas mudaram bastante nesse sentido e tem mais gente bem informada de maneira geral”, analisa.

A rotina, segundo ele, é tranquila e óbvia. “Normalmente, eu acompanho muito de perto as publicações científicas e as revistas científicas que têm novos estudos, que são um material básico que a gente trabalha na área. Leio muitos livros novos que estão saindo como pauta, entrevisto os autores dos livros que são pesquisadores ou mesmo jornalistas da área também”, informa.

Além de jornalista, Reinaldo também é autor. Já são nove livros de divulgação científica. Entre os mais conhecidos, estão: "Além de Darwin" (2009), "Os 11 Maiores Mistérios do Universo" (2014), "Deus: Como Ele Nasceu" (2015), "Luz, Ciência e Muita Ação" (2016), "1499: O Brasil Antes de Cabral" (2017) e Darwin sem frescura: Como a ciência evolutiva ajuda a explicar algumas polêmicas da atualidade” (2019). Os dois últimos, feitos em parceria com o divulgador científico e YouTuber Pirula, que possui 879 mil inscritos em seu canal, a quem Reinaldo atribui uma grande ajuda de fazer o livro crescer.

Reinaldo Lopes e Pirula em divulgação do livro “Darwin sem frescura: Como a ciência evolutiva ajuda a explicar algumas polêmicas da atualidade”. (Foto: Reprodução Instagram)

De maneira empolgada, Reinaldo, que também possui um canal no YouTube, afirma já estar fazendo o décimo livro e projetando para fazer o décimo primeiro e décimo segundo. Além disso, comenta que a importância dessas produções em sua vida é enorme, pois elas lhe permitiram alcançar públicos que, às vezes, o jornal não consegue. “Acho que livro te permite explorar as coisas em profundidade, de um jeito mais solto, gostoso e dialógico com o leitor. Sem aquela pressão do dia a dia, com espaço para você poder explicar um conceito, uma genealogia científica e ideias. Isso faz muita diferença”, comenta.

Todo esse contexto da vida de Reinaldo o levou à premiação “José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica”, concedida anualmente, desde 1978, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) a quem mais tenha contribuído para a divulgação da ciência e da tecnologia no Brasil. “Era um grande sonho, porque é o único prêmio de peso dedicado a essa área no Brasil. É meio que ganhar um Oscar”, conta.

 

Jornalismo Científico

Quando questionado da importância do jornalismo científico, ele afirma que não é tão importante quanto a própria ciência e prontamente completa: “A gente vive num mundo dominado por ciência e tecnologia; é desesperadamente importante que as pessoas entendam como ciência e tecnologia funcionam para tomar decisões informadas e racionais, com informação e com cérebro num mundo complexo como o nosso”, esclarece. Segundo Reinaldo, a pandemia de coronavírus, que estamos vivendo, ilustra bem o cenário de dependência do conhecimento científico.

A mesma pandemia, para Reinaldo, foi responsável por virar do avesso a percepção do público que estava negativa em relação à ciência por causa dos movimentos de fake news, pós-verdade e políticos. “A gente não vai sair desse buraco sem conhecimento objetivo e racional por testes, hipóteses e fatos da ciência. Nesse sentido as coisas têm melhorado; vamos ver se vai durar”, comenta. 

Existe uma grande preocupação em despertar o interesse das pessoas em ler esses conteúdos. Para Reinaldo, não há muito segredo. Ele afirma que a leveza narrativa e as imagens são grandes aliadas. “Um material imagético que seja atraente e bonito ajuda muito. Uma leveza narrativa, uma coisa gostosa de ler que mantenha a atenção das pessoas, um tom um pouco aventuresco também ajuda. Bom humor às vezes, tem gente que se irrite, mas muita gente acaba gostando. E a capacidade de usar metáforas que sejam adequadas para aquilo fazer sentido, e sair do jargão e ao mesmo tempo explicar com clareza para as pessoas, acho que são as principais ferramentas”, opina. 

Reinaldo Lopes em participação no programa 'Conversa com Bial'. (Foto: Reprodução Instagram)

As temáticas que geram maior interesse público também são outro grande fator ponderado na área de jornalismo científico. “Os temas que dão audiência, pelo que a gente sabe, são: Astronomia, que é muito atraente para as pessoas; em segundo lugar, meio distante assim, são descobertas biomédicas e tudo mais. Paleontologia, dinossauros; essas coisas atraem bastante também”, conta.

Apesar de não ser citado por ele entre os temas mais relevantes para o público na área, Reinaldo possui um blog na "Folha de S. Paulo" envolvendo ciência e religião. O católico praticante e entusiasta da ciência, como se autodenomina, tem como objetivo desmistificar a existência de guerra entre as duas áreas. “A religião, no mundo como um todo, é uma força muito importante da sociedade e o diálogo com ciência é fundamental. Os temas são muito fascinantes. Estudar a origem do cristianismo, os mecanismos neurológicos que produzem a fé no cérebro humano ou a arqueologia das religiões; enfim, existem inúmeros temas que são fascinantes e áreas que são de fronteira de pesquisa e que devem ser explorados”, explica.

Reinaldo ressalta que participar de encontros ou eventos de divulgação científica é algo muito relevante para quem atua na área. No Comunica Ciência da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), de 2019, ele marcou presença. “Acho que a gente tinha que ter muito mais eventos presenciais. Se eu pudesse, iria em cada escola pública do Brasil para falar de jornalismo científico”, afirma.

Outra participação de Reinaldo, envolvendo a UFU, ocorreu mais recentemente. no segundo episódio do podcast “Ciência ao Pé do Ouvido“. A produção da Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social (Dirco) foi ao ar na semana passada.

Este caminho, segundo ele, ajuda a lidar com o negacionismo da ciência envolto de nossa sociedade, em que nunca podemos abandonar o debate. “É como uma eleição: você não vai conseguir fazer o eleitor ferrenho do seu adversário votar em você, mas você pode convencer os indecisos; talvez seja este o caminho”, conclui.

 

 

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    Palavras-chave: Dia do Jornalista Jornalismo Científico Ciência Reinaldo José Lopes

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