"Não tinha asfalto, não tinha grama nem árvores, era uma poeira só. Eu pegava um regador e molhava tudo em volta do prédio, pra poder varrer". O prédio a que se refere Maria de Souza André, uma das primeiras funcionárias da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), é o atual bloco 2A, o primeiro a existir no campus Umuarama. "Também não descuidava da seringueira que o doutor Rondon plantou, eu a aguava quase todos os dias", completa Maria, e seus olhos se voltam para a janela, como querendo acompanhar o pensamento e voltar no tempo.   Tempo do qual guarda apenas bons momentos: "não me lembro de desavenças", diz, mesmo se tratando de um período de mais de 30 anos, entre sua contratação, como funcionária de serviços gerais, pela fundação mantenedora da Faculdade de Medicina, em 1968, e sua aposentadoria definitiva, em 1999.   Definitiva porque, quatro anos antes, ao soprar suas 70 velinhas, Maria sofreu o que diz ter sido a "maior tristeza" da sua vida. Há algum tempo as colegas de serviço vinham alertando-a de que já tinha completado tempo para se aposentar, "mas eu não queria nem ouvir falar nisso, eu gostava de trabalhar, não queria parar". Aí chegou uma carta do Ministério da Educação, comunicando-lhe a aposentadoria. "Quando eu peguei o envelope e li MEC, mesmo sem abrir eu sabia o que era, e meu coração ficou tão pequenininho que quase sumiu... chorei muito, queria trabalhar até morrer", conta, emocionada.   A servidora que por tantos anos varreu, limpou e serviu cafezinhos, teve que acatar o comunicado oficial, mas não desistiu e voltou a trabalhar, contratada pela Fundação de Assistência, Estudo e Pesquisa de Uberlândia (Faepu), por mais quatro anos.   Deixou, finalmente, de trabalhar na Universidade, mas não de continuar respirando o ar que envolve a vida universitária. O convívio com os colegas mantém-se até hoje por meio dos encontros promovidos pelo Sindicato dos Servidores Técnico-administrativos (Sintet), dos quais Maria tem orgulho de dizer que sempre participa. Já foi a Poços de Caldas, São Paulo e Curitiba, e só não acompanhou os colegas aposentados do Sintet a Brasília, no final de semana de 9 a 11 de maio, por causa do Dia das Mães: "meus filhos queriam estar comigo e também era a comemoração dos 40 anos de casado do meu menino mais velho, então resolvi ficar"   O caçula dos seus 13 filhos nasceu quando já trabalhava na maternidade, que depois virou o Hospital de Clínicas da UFU. Ainda se lembra do nome do primeiro chefe, Dr. Domingos Pimentel, e dos colegas de trabalho Calvira, Beanor, o motorista, Bernadete, da biblioteca, e Jorge, que trabalhava no bloco da Anatomia: "ele tinha que recolher os cadáveres, que vinham de Goiânia, para os meninos estudarem".   Muitos dos servidores que estão na UFU lembram-se do cafezinho da "dona" Maria, mas, sobretudo, guardam na memória a pessoa "sorridente, feliz, sempre disposta a servir", como definiu a diretora de Comunicação Social, Dalira Lúcia Cunha Maradei Carneiro.   "Tudo que vem pra mim, acredito, vem de Deus, e é isso que me dá forças para aceitar os momentos difíceis", diz Maria, colocando o momento da aposentadoria em pé de igualdade com a recente descoberta de um tumor maligno. "Tive depressão, quando saí da UFU, e agora também, mas Jesus me ajudou a sair do buraco", resume.   Além de engrossar o coro das caravanas do Sintet-UFU pelo Brasil afora, sempre que pode, Maria, hoje com 84 anos, faz caminhada, logo cedo, e depois cuida do almoço. Para limpar a casa, cheia de vasinhos, crochê e enfeites, conta com a ajuda de uma neta. Não descuida da aparência e acha que o marido, também aposentado, tem que aceitar suas viagens. "Ele não gosta, mas tem que se conformar, porque eu também tenho minhas vontades, minha consciência", afirma, com a voz firme de quem tem a certeza do dever cumprido.