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Trabalho contribui para formação da identidade

Data de Publicação: 10/05/2010 - 08:01

Por portal.dirco

Ao modificar a natureza para sobreviver o homem é recriado pelo trabalho
Mesmo ao comemorar o Dia do Trabalho muita gente não se dá conta que praticamente tudo criado pelo bicho-homem é fruto do trabalho. Pedra lascada, roda, roupa, papel, caneta, prédios, motor, automóvel, computador, satélite e tudo mais, são feitos a partir da ação de trabalhadores. Ao humanizar a natureza em busca de sua sobrevivência, o homem, também, se transforma. “O trabalho permite à pessoa desenvolver aspectos da identidade dela”, explica a psicóloga Áurea de Fátima Oliveira, diretora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Segundo ela, as pessoas trabalham não apenas para ganhar dinheiro. “Existe um aspecto que é específico daquela pessoa. Mas existe, também, uma identidade profissional, uma identidade organizacional. Isso compõe o que a pessoa é. Você é o que é em função da sua história de vida, da sua formação, mas também em função do trabalho que você realiza”, diz. Para José Cristóvão (foto), que transforma pedras em paralelepípedos, todas as suas conquistas se devem ao trabalho. Com 42 anos de idade e 23 anos de prática cortando pedras com marreta e talhadeira, ele chega a produzir de oitocentas a mil peças por dia. “Esse trabalho representa minha vida, a criação dos meus filhos. O que eu consegui até hoje foi tudo desse trabalho. Casa, carro, tudo. É a minha vida”. Quando perguntado se não é uma atividade ruim, ele surpreende ao responder que não. “Adoro trabalhar nela. Já acostumei. Nunca trabalhei em outra profissão, só nessa profissão de pedra”, afirma sem querer dar nenhuma conotação à sua profissão que, como ensina, é ‘canteirista’.   Desgaste “No trabalho, às vezes, o desgastante não é necessariamente físico. Não é pegar a marreta, não é você ficar ali”, observa Áurea Oliveira. O trabalho ser mais leve ou ser mais pesado, como explica a psicóloga, depende da individualidade de cada pessoa e de diversos fatores, como o estilo que a chefia adota ao coordenar as atividades e a relação com os colegas. “Às vezes o trabalho não é tanto, mas o suporte é ausente; não há suporte dos colegas, da chefia, da organização”, esclarece. Áurea não deixa de citar fatores econômicos e condições políticas ou sociais para tornar o trabalho desgastante. Porém, afirma que a situação é muito mais complexa do que aparenta. “As pessoas não são movidas estritamente por recompensas financeiras. Tem empresa que ainda não descobriu isso. Outras, já evoluíram um pouquinho. Mas tem empresa que acha que as pessoas são movidas só pelo dinheiro. Não é. Na década de 1930 já se falava: ‘Olha, comunicação é importante. Olha, tem que se estudar a liderança. Oi, o tipo de liderança faz diferença. Então, observe as pessoas, veja o que elas querem, o que elas estão pedindo’. Isso foi alertado em 1930. Já passaram 80 anos!”, lembra. Ainda de acordo com a diretora, um ambiente adequado seria aquele em que o trabalhador pudesse ter sua saúde física e psicológica preservadas. “Assim, ao sair do trabalho, teria espaço para ser pai, ser mãe, namorado, esportista, amigo, ser sujeito do ócio, de modo que a pessoa não saia exaurida”, afirma. Trabalhadores satisfeitos, envolvidos, e comprometidos seria o resultado quando a organização está realmente preocupada com a qualidade de vida e não apenas quando pede para se “vestir a camisa”. “O empregado é um ser dotado de inteligência. Ele vai perceber que existe manipulação. Toda vez que uma empresa manipula em benefício próprio, ela vai pagar o preço disso. Não sei se a curto prazo. Mas a médio e a longo prazo ela paga”, adverte a psicóloga.   Operários remodelam o trabalho A imagem de operários totalmente alienados reproduzindo ordens e normas sem nenhum senso crítico, sem refletirem sobre o que vivem não é a realidade. Pelo menos é o que mostram as pesquisas com trabalhadores de fábricas do ABC paulista, realizadas pela doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo e professora do curso de Ciências Sociais da UFU, Cristiane A. Fernandes da Silva. Ela constata “uma certa rebeldia, uma certa forma de enfrentar as normas estabelecidas”. A socióloga percebeu existir na linha de produção fabril um operário que tenta interferir no seu ambiente de trabalho, ainda que de forma não muito aparente. “A gente não está mais falando daquela noção de sujeito histórico, revolucionário, que tem o poder de transformar a sociedade; mas que, na medida do possível, consegue intervir no seu dia-a-dia, na sua própria vida, no seu cotidiano”, explica. Silva conta que, em uma das fábricas, se deparou com um operário que fazia leituras quando a linha de produção era interrompida por uma pane. “É claro que são figuras que são exceções, mas existem. E acho que isso é que é importante: a forma de revelar que o ser humano está ali. São imagens que acabam nos mostrando que o trabalho não é feito simplesmente de uma maneira padronizada, alienada, robótica, mas tem gente, tem seres vivos, seres humanos, que acabam tentando sempre remodelar o seu trabalho de modo a mostrar que é preciso que a gente sempre faça essa distinção entre a máquina e o ser humano”, observa.  

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