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Um novo começo

Data de Publicação: 19/08/2013 - 13:00

Por Marco Cavalcanti

Equipe da Engenharia Biomédica quer dar mobilidade a quem tem paralisias graves
Foto (divulgação): Cadeira de rodas inteligente desenvolvida na Universidade de Lorraine, França   Renata Neiva Num pequeno conjunto de salas do Campus Santa Mônica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), professores, pesquisadores e estudantes sonham e projetam novas realidades para o futuro. É a equipe do Laboratório de Engenharia Biomédica, que assumiu o desafio de transformar o cotidiano de pacientes com alto grau de deficiência motora, como pessoas com paralisia cerebral ou portadores de esclerose lateral amiotrófica (ELA) em estágios avançados. Após desenvolver um sistema de comunicação por meio de software, o grupo partiu para uma missão audaciosa: oferecer locomoção a quem está preso a uma cama, sem falar, com dificuldades até para piscar. “Queremos dar mobilidade a quem demos voz”, explica o coordenador da pesquisa, o professor Alcimar Barbosa Soares. O projeto, desenvolvido há quatro anos, é o resultado de uma parceria com pesquisadores da Universidade de Lorraine, na França, e conta com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil (Cofecub). A pesquisa prevê o desenvolvimento de um sistema que possibilite o controle e o comando de uma cadeira de rodas por meio de sinais gerados pelos músculos e pela atividade cerebral. O primeiro passo, a criação do sistema de comunicação alternativa, foi “dar voz” ao paciente. Com sensores conectados à pele para a captação de comandos neuromusculares, a pessoa consegue se comunicar por meio de um sistema de software. Um telão em frente ao leito fornece vários tipos de informações e possibilidades¸ como ligar um aparelho de TV, mudar canais e até enviar um email. Agora, brasileiros e franceses partem para a segunda etapa do projeto. É hora de possibilitar locomoção a pacientes com ELA em estágio avançado. A pesquisa prevê que os pacientes consigam acionar dispositivos e mover a cadeira de rodas por meio desses sinais detectados na pele. A ideia é utilizar o que há de melhor em cada instituição. De um lado, a equipe da Universidade de Lorraine desenvolve sistemas para locomoção humana, com a criação de cadeiras de rodas inteligentes, como os modelos controlados por joysticks. De outro, a UFU tem uma avançada tecnologia de detecção e processamento de informações não convencionais para controle, como captura e processamento da atividade muscular e/ou cerebral para a geração de sinais de controle de navegação dessas cadeiras. A importância do sistema de comunicação criado na UFU é a possibilidade de mudar a vida de pacientes que não conseguem utilizar as atuais cadeiras automatizadas, por não terem nenhum tipo de movimento. Mas, antes que o paciente utilize a nova cadeira de rodas, é preciso oferecer treinamento que possibilite uma navegação segura e eficiente. A solução, portanto, foi criar um simulador de ambiente por onde a cadeira circula por meio de um controle virtual. O software foi criado por uma equipe do próprio Laboratório de Engenharia Biomédica, que trabalha com realidade virtual e aumentada. O usuário poderá, através desse sistema – por meio de vídeo e óculos em 3D –, visualizar o equipamento enquanto se move pelo ambiente controlado. Assim, um paciente de Uberlândia será capaz de controlar uma cadeira de rodas real que está num laboratório na França. O sistema funciona da seguinte forma: eletrodos conectados ao corpo do paciente captam os sinais que são processados e transformados em comando. Enviados via internet ao laboratório francês, esses comandos são transformados em sinais de controle da cadeira de rodas, que se movimentará. A cadeira tem câmeras que captam as imagens e as transmitem de volta ao Brasil. Aqui, essas imagens são projetadas na tela de um computador à frente do usuário ou em óculos especiais para a projeção em 3D. A ideia resulta em economia e praticidade. O paciente poderá testar diversos tipos de cadeiras e optar pelo modelo de melhor adaptação.   “Controle mental” Hoje, a equipe do Laboratório de Engenharia Biomédica da UFU domina o desenvolvimento de sistemas de controle por meio de sinais neuromusculares. A proposta, agora, é dar um passo ainda mais largo. Segundo Soares, a nova etapa da pesquisa consiste em desenvolver interfaces cérebro-máquina. “Estamos na fase de coletar sinais cerebrais que permitam que o paciente acesse o sistema por meio de controle mental”, adianta. O pesquisador explica que esse “planejamento” pode hoje ser detectado por meio de sensores e técnicas adequadas de processamento digital de sinais. “Se pudermos fazer isso sem erros, a pessoa poderá controlar sua cadeira de rodas apenas pensando no que fará. Contudo, ainda temos um caminho razoavelmente longo até conseguirmos isso com eficiência e segurança”, esclarece. Para complementar o estudo, Soares acompanhará um grupo de pesquisa da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, considerada uma das mais conceituadas instituições do mundo. “Ninguém faz isso no Brasil, portanto, precisamos reunir estratégias”, afirma o professor da UFU.   Aplicação Um dos desafios da equipe do Laboratório de Engenharia Biomédica é disponibilizar o produto para os pacientes. Mas como transferir tecnologia? Segundo o pesquisador Eduardo Lázaro Martins Naves, do Núcleo de Tecnologias Assistivas, o projeto foi reconhecido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Com a aprovação, a expectativa é que seja feito o atendimento a pessoas com paralisias graves. “Essa iniciativa gera demandas para que o núcleo produza soluções e, dentro dessas soluções, disponibilizaremos sistemas de cadeiras de rodas inteligentes acionadas por comandos de comunicação alternativos”, afirma.   Vida nova “Viver numa solitária sem poder se mover” – é assim que o professor Alcimar Barbosa Soares define a vida de pacientes em estágio avançado de esclerose lateral amiotrófica (ELA). São pessoas que perderam quase todas as funções motoras. Esse é o caso, por exemplo, de um paciente internado no Hospital de Clínicas da UFU (HCU). Há sete anos sem poder mexer um dedo, ele foi um dos primeiros a contar com o sistema de comunicação alternativa. Antes da nova tecnologia, eram utilizadas placas com letras e as respostas eram dadas por meio de piscadas. Com o software, agora aperfeiçoado, há dois anos o paciente ganhou autonomia para se comunicar. Ele consegue chamar a enfermeira, que ouve, por exemplo, a frase “Por favor, preciso da sua ajuda”. O telão também exibe uma imagem do corpo em 3D para que o paciente possa apontar se há algum tipo de desconforto ou dor. A nova tecnologia está sendo utilizada também por outros dois brasileiros e 12 franceses. A doença atinge 2,5% da população mundial.

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