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CIÊNCIA

Cientistas da UFU criam biosensor para diagnóstico de infarto

Dispositivo a base de nanomateriais pode ser utilizado para diagnosticar infarto de maneira precisa e mais rápida do que os exames tradicionais

Publicado em 27/03/2020 às 08:58 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:52

 

Dispositivo ótico para detecção de lesão no coração, causada por infarto (Foto: arquivo do pesquisador)

 

“Não senti dor ou sensação de aperto no peito, nem falta de ar”, descreve Jaime Ferra, professor do ensino básico, sobre o infarto que sofreu em novembro do ano passado. Ferra, aos 29 anos de idade, acredita que, sem saber, ficou infartado durante dois dias. Após procurar a Unidade de Atendimento Integrada (UAI), vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, descobriu que tinha uma obstrução arterial, foi submetido a todos os exames e tratamento. Ele conta que permaneceu internado por 20 dias e nesse período teve mais dois infartos.

De acordo com Rodrigo Penha, médico cardiologista da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), os sintomas típicos do infarto são aperto no peito com irradiação da dor para os membros superiores. Penha explica que há casos assintomáticos, mas é preciso ficar atento aos fatores de risco. “O grupo de risco para infarto agudo do miocárdio são pessoas diabéticas, hipertensas, com colesterol alta, com estresse elevado e sedentárias”.

A cada um minuto e meio, tempo médio para você leitor chegar até essa parte da reportagem, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) registra uma morte por doenças cardiovasculares. De acordo com o monitor Cardiômetro da SBC, as doenças do coração são as principais causas de morte no Brasil, representando mais de 30% dos casos. Um levantamento de 2008 a 2012, feito pelo Sistema de Internações Hospitalares do Ministério da Saúde, apontou que o risco de morte por infarto após a internação é de 15,5%; nos registros internacionais a taxa é de 7%. 

Conforme Penha, para reduzir essa taxa, que é elevada no Brasil, seria preciso, primeiro, que as pessoas cuidassem para reduzir os fatores de risco de infarto. O cardiologista ainda ressalta: “Seria importante o diagnóstico mais rápido. E, além disso, é imprescindível que os pacientes sigam com o tratamento”. 

Cientistas da UFU, no final do mês passado, receberam a patente, concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), por um dispositivo óptico capaz de fazer o diagnóstico de lesões no coração causadas pelo infarto, como o que Jaime sofreu, num menor tempo e de maneira precisa. 

O aparelho foi inventado em 2012, durante o mestrado no Instituto de Química da UFU, defendido por Luciano Pereira Rodrigues, atualmente professor no Instituto de Engenharia, Ciência e Tecnologia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). A pesquisa foi orientada pelo professor João Marcos Madurro, do Instituto de Química da UFU, e co-orientada pela professora Ana Gracci Brito Madurro, do Instituto de Genética e Bioquímica (INGEB) da UFU. Recebeu investimento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

Luciano Rodrigues, principal inventor do dispositivo de detecção de lesão cardíaca, egresso da UFU (Foto: arquivo do pesquisador)

 

De acordo com Rodrigues, a agilidade do resultado pelo exame com o biossensor vai permitir que seja decidido precocemente qual o melhor tratamento no caso de infarto. “Esse dispositivo poderá ser útil no prognóstico preciso dos pacientes em prontos-socorros e hospitais, reduzindo o risco de mortes por infarto e, consequentemente, contribuir para a redução das taxas de mortalidade que, no Brasil, são altas”. 

Jaime Ferra diz que ter infartado transformou a sua vida. “Estou me recuperando muito bem. Mudei minha alimentação, evito frituras e como mais frutas e verduras. Já estou fazendo caminhada, inclusive, foi uma recomendação médica”, conta o professor, três mês depois de receber alta do hospital.  

 

Diagnóstico tradicional para infarto

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o diagnóstico tem três vertentes: clínico, eletrocardiográfico e bioquímico, porém, eles podem ser inconclusivos. A responsável técnica pelo laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário Clemente de Faria (HUCF), da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Jassiara Macedo, explica que o exame bioquímico mais usado atualmente em hospitais é o teste cromatográfico para proteínas. “Para o teste, a gente goteja soro sanguíneo, coletado do paciente, em um gel e o resultado fica pronto em cinco minutos, porém, não é um teste muito específico, podendo levar a um resultado de falso negativo, ou seja, o paciente pode estar tendo um infarto, mas o exame não detecta”, revela. 

Segundo Macedo, outro teste possível é o enzimático, para identificação da enzima creatina quinase chamada CKMB. Ela é uma opção mais específica, pois é ativada no organismo quando há uma lesão no coração. “Esse teste também usa o sangue do paciente e busca identificar as enzimas chamadas CK e CKMB. Porém, o resultado pode demorar até 40 minutos e é necessário ter altas taxas dessas enzimas para indicar o infarto”, evidencia a analista clínica. 

O “padrão ouro”, como Macedo se refere ao exame mais específico para a identificação de lesão cardíaca, seria revelar a presença de proteína Troponina T, parte exclusiva do músculo do coração, que é liberada na corrente sanguínea assim que começa a lesão. Até o momento, o teste imunoenzimático, chamado de ELISA, é capaz de identificar essa proteína específica. A analista clínica ressalta que, nesse teste, mesmo a baixa concentração dessa proteína indicaria infarto. “Apesar da eficiência do ELISA, os laboratórios de pronto-socorro não costumam optar por ele, porque o resultado pode levar de quatro a seis horas para ficar pronto”. 

 

Nova tecnologia

Os pesquisadores da UFU receberam a patente pela criação de um teste que detecta as proteínas Troponinas T - segundo especialistas, o “padrão ouro” indicativo de infarto - por meio de um sensor. “Sobre uma plataforma de vidro, depositamos um filme polimérico, que imobiliza o anticorpo-troponina. As proteínas Troponina T vão se ligar ao anticorpo; por consequência a Troponina T fica aderida”, explica Luciano Rodrigues, um dos inventores. Veja animação:

 

Interação da Troponina T com o anticorpo ligado a um polímero. (Edição: Thiago “Zina” Crepaldi)

 

Ainda segundo Rodrigues, para que essa ligação fique visível, eles marcaram um outro anticorpo-troponina com um nanomaterial com propriedades fluorescentes excepcionais, formando uma espécie de sanduíche. Veja na animação abaixo. “O dispositivo incide um laser azul sobre a amostra, se ela emitir uma luz verde indica tem anticorpo ligado a Troponina T, ou seja, o paciente está com uma lesão causada por infarto, mas se o paciente estiver com outro problema ou saudável nenhuma emissão de luz será observada” descreve.

Detecção de troponina T por fotoluminescência de pontos quânticos. (Edição: Thiago “Zina” Crepaldi)

 

A especificidade elevada não é o único ponto positivo desse invento dos pesquisadores da UFU. Trata-se de um teste sensível como o ELISA e ágil na obtenção do resultado como o teste cromatográfico em gel. “O resultado por meio dessa tecnologia pode ser obtido em até 15 minutos; para isso, ainda é preciso fazer ajustes para otimizar a detecção, assim como trabalhar na portabilidade do dispositivo para disponibilizar à hospitais”, revela Luciano Rodrigues.

Jassiara Macedo, técnica do laboratório de Análises Clínicas, quando soube dessa nova tecnologia que identifica a Troponina T em menos tempo ficou entusiasmada. “Esse dispositivo pode ser utilizado no SUS. Isso seria um avanço relevante, principalmente se considerarmos que 60% dos óbitos acontecem na primeira hora após os sintomas do infarto, a agilidade desse teste pode ajudar na redução desse índice de mortalidade”, ressalta. Além disso, esse diagnóstico que marca especificamente lesão cardíaca tem potencial para reduzir as chances de reinfarto, de pacientes como Jaime Ferra que teve dois infartos enquanto estava internado no hospital. 

Em termos econômicos, um estudo da Deloitte Access Economics, em parceria com o SBC, publicado em 2018, apontou que as doenças cardíacas demandam custo elevado com tratamento de saúde. Além disso, as pessoas doentes perdem a produtividade no trabalho, sem contar as despesas da assistência social. A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) aponta que, em termos econômicos, o diagnóstico e tratamento precoce podem reduzir os custos que são significativos à sociedade. 

O invento, esquematizado na ilustração abaixo, contou com a colaboração das pesquisadoras Yara Cristina de Paiva Maia, da Faculdade de Medicina da UFU, e Paula de Souza Santos, pesquisadora do Instituto Nacional de Nanobiotecnologia, e dos pesquisadores Adamo Ferreira Gomes do Monte, do Instituto de Física da UFU, Jair Pereira da Cunha Junior, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFU, Luiz Ricardo Goulart Filho (INGEB/UFU), Lucas Ferreira De Paula, atualmente professor na Universidade Federal do Triângulo Mineiro, e Rafael Ariza Gonçalves, da Faculdade de Engenharia Mecânica da UFU. “O desenvolvimento desse dispositivo foi possível devido à interação e colaboração científica entre os vários Institutos de Pesquisa da UFU”, completa Luciano Rodrigues.

 

Dispositivo óptico utilizando fotoluminescência para a detecção de Troponina T, indicador específico de infarto, por meio de marcador nanomaterial (pontos quânticos). Para mais informações, clique na imagem. Ilustração adaptada do artigo intitulado “Bioelectrode Applied to Diagnosis of Cardiac Disease”, publicado em 2014, por Luciano Rodrigues e outros autores, na Revista “Journal of Nanoscience and Nanotechnology”. (Tradução: Thiago “Zina” Crepaldi)

 

Segundo a Agência Intelecto, órgão de apoio à patentes e à inovação da UFU, a universidade tem 22 concessões de patente nacionais e três internacionais. Atualmente são 228 pedidos de patente nacionais e três internacionais a espera da concessão.

 

Você sabe como está a saúde do seu coração?

Segundo Rodrigo Penha, médico cardiologista da UFU, para a boa saúde do coração, as pessoas devem prevenir e controlar os fatores de risco de infarto (diabetes, hipertensão, colesterol alto, estresse elevado e sedentarismo). Além disso, Penha orienta que sejam feitos regularmente exames para checar como está o coração. 

 

A SBC disponibilizou um teste que avalia o risco de infarto. Leva um minuto!

 

*Thiago "Zina" Crepaldi é estudante do curso de Graduação em Jornalismo da UFU

 

Palavras-chave: Química Genética e Bioquímica Medicina Cardiologia infarto patente Ciência Divulgação Científica

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