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Leia Cientistas

Os impactos da maternidade na produtividade científica em tempos de pandemia

Pesquisadora da UFU conta em capítulo de e-book os desafios em conciliar maternidade e ciência em tempos de isolamento social e atividades remotas

Publicado em 21/10/2020 às 09:28 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:52

 

Djenaine de Souza com seus filhos, Vitória (11 anos) e Talisson (8 anos) (Foto: Arquivo da pesquisadora)

 

As desigualdades na carreira profissional entre homens e mulheres é histórica e está enraizada em toda a sociedade. Apesar de todos os direitos adquiridos pelas mulheres nas últimas décadas, a parentalidade ainda é desigual, tornando a conciliação da carreira profissional com a maternidade um grande desafio para mulheres em todas as áreas profissionais. Considerando-se as Instituições de Ensino Superior (IES) de todo país, essas desigualdades e suas consequências têm sido pesquisadas e discutidas em algumas instituições através da formação de Grupos de Trabalho (GTs) que avaliam os impactos da maternidade na carreira científica e como a universidade pode promover a cultura de que a escolha pela maternidade jamais pode ser argumento impeditivo ao pleno desenvolvimento profissional de suas servidoras, sejam elas professoras, pesquisadoras ou técnicas administrativas, ou mesmo para a formação acadêmica de suas discentes em cursos de graduação ou pós-graduação.  

Desde a criação, em 2017, do grupo Parent in Science (www.parentinscience.com), formado por cientistas mães (e um pai), alguns GTs têm sido formados em IES de todo Brasil, promovendo discussões detalhadas e profundas, pesquisas e avaliação das consequências da maternidade e paternidade na carreira científica de mulheres e homens, em diferentes etapas da vida acadêmica. O Parent in Science e os demais GTs estão engajados em promover e discutir políticas públicas que possam diminuir os impactos da maternidade na carreira científica de pesquisadoras brasileiras.

Além disso, pesquisas desenvolvidas pelo Parent in Science durante o período inicial do isolamento social provocado pela Covid-19 permitiu a apresentação de um panorama do impacto da pandemia na ciência brasileira, considerando-se dados de gênero e parentalidade. Vários GTs em IES e outros grupos formados nas redes sociais (Facebook e Instagram) têm mostrado a todas as mulheres/mães/professoras/pesquisadoras/cientistas e principalmente a toda a sociedade (acadêmica ou não) a existência de um oceano de dificuldades enfrentadas por mulheres no desenvolvimento de todas as suas atividades profissionais em tempos de isolamento social.

Foi observando essas informações que um grupo de cientistas apoiadas por alguns GTs [GT - Gênero (ANPUH/Goiás) e GT Mulheres Cientistas e Maternidades Plurais (UFG)] se uniram num projeto de elaboração de um e-book em que cerca de 150 mães cientistas, brasileiras e estrangeiras, de várias universidades, descrevem suas experiências e impressões acerca dos desafios de conciliar as atividades científicas e a maternidade durante a pandemia.

O e-book “Maternidades plurais: Os diferentes relatos, aventuras e oceanos das mães cientistas na pandemia” (ISBN 978-65-86772-11-1), disponibilizado gratuitamente pela Editora Bindi com o selo Bindi Acadêmico (www.editorabindi.com.br), foi organizado pelas cientistas Ana Carolina Eiras Coelho Soares (FH/UFG e GEPEG/UFG/CNPQ), Camilla de Almeida Santos Cidade (NIEM e UFF) e Vanessa Clemente Cardoso (Mamães na Pós-graduação e UFG). 

Dentre os 150 relatos publicados, um foi escrito por mim, Djenaine de Souza, que sou professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e atuo no Campus Patos de Minas. Eu intitulo meu texto como “Mulher, mãe e cientista: a busca por aceitação, respeito e reconhecimento continua mesmo em tempos de pandemia”. Nesse relato, apresento minhas impressões pessoais como mulher/mãe/professora/pesquisadora/cientista e como tenho enfrentado todas as dificuldades e incertezas no desenvolvimento de minhas atividades em tempos de pandemia, conciliando cada uma das suas atribuições, incluindo a educação de duas crianças, sem contar com nenhuma rede de apoio. 

Em meu texto, descrevo minha trajetória profissional, incluindo desde a escolha da carreira acadêmica, com os desafios de uma área dominada por homens, as dificuldades em trabalhar em um campus fora de sede e como tenho conciliado as atividades acadêmicas e científicas com a maternidade, principalmente em tempos de isolamento social e atividades remotas. Meu relato pode ser adequado a qualquer mulher, pois os desafios em conciliar a maternidade e carreira profissional estão presentes em todas as profissões. 

Como mulher/mãe/profissional, afirmo: Em tempos de isolamento social acredito que a maioria de nós está tendo tempo de nos observarmos mais atentamente, revisitar situações que vivemos e olhar para nós mesmas e para nossas experiências sem máscaras. Escrever este relato me ajudou a relembrar minha luta solitária para alcançar meu sonho de ter um curso superior e ser uma cientista em uma área dominada por homens. Me ajudou a revisitar memórias e frustrações como mulher e professora/cientista, mas acima de tudo me escancarou que existe um oceano de dificuldades para uma mãe solo atravessar. Com a maternidade recebo amor, carinho e atenção dos filhos apaziguando qualquer dor ou sofrimento advindo das dificuldades, mas não minimiza o desejo de ser respeitada como profissional, independente do gênero.

Todas as impressões pessoais relatadas neste e-book confirmam que as desigualdades entre homens e mulheres na carreira científica sempre existiram e que o isolamento social só exibiu descaradamente esta situação. Observa-se a necessidade da criação de um GT na UFU que fornecerá subsídios para as necessárias e urgentes mudanças com relação à parentalidade na instituição, levando-se em consideração adequações em horários de reuniões e atividades, melhor redistribuição de carga horária e atividades administrativas, editais de incentivo e apoio a mulheres/mães/professoras/pesquisadoras/cientistas e principalmente alteração nos critérios de avaliação de currículos e competências. 

A maternidade não pode ser uma escolha excludente que nos afasta ou nos desvaloriza perante as atividades acadêmicas/administrativas/científicas. É necessário que alcancemos aceitação, respeito e reconhecimento em todas as atividades desenvolvidas, sem romantizar a maternidade ou exigir privilégios, mas mostrando a toda sociedade e aos nossos gestores nossa importância na construção de uma sociedade com mais empatia e respeito, superando todos os desafios e participando efetivamente para a excelência na formação pessoal, profissional e acadêmica de nossos alunos. 

 

*Djenaine de Souza é professora do Instituto de Química da Universidade Federal de Uberlândia e atua no Campus de Patos de Minas.

 

A seção "Leia Cientistas" reúne textos de divulgação científica escritos por pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). São produzidos por professores, técnicos e/ou estudantes de diferentes áreas do conhecimento. A publicação é feita pela Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social (Dirco/UFU), mas os textos são de responsabilidade do(s) autor(es) e não representam, necessariamente, a opinião da UFU e/ou da Dirco. Quer enviar seu texto? Acesse: www.comunica.ufu.br/divulgacao. Se você já enviou o seu texto, aguarde que ele deve ser publicado nos próximos dias.

Palavras-chave: Leia Cientistas maternidade Divulgação Científica

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