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Outubro Rosa

Protozoário da doença de Chagas pode conter fator-chave contra câncer de mama

Primeiro tratamento contra tipo triplo negativo é vislumbrado em tese da UFU

Publicado em 14/10/2020 às 14:09 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:52

 

 

Descobrir meios de solução em lugares que, para a maioria de nós, não faria o menor sentido procurar. Essa, talvez, seja uma das curiosidades mais interessantes que o estudo científico proporciona. Foi no Laboratório de Tripanosomatídeos do Instituto de Ciências Biomédicas (LATRI/ICBIM) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), onde eram feitos experimentos apenas sobre a doença de Chagas, que Bruna Cristina Borges, doutora em Imunologia e Parasitologia Aplicadas, viveu, junto aos seus orientadores, um momento Eureka!. Ali, diferentes ensaios sobre processos inflamatórios revelaram que uma molécula do Trypanosoma cruzi – protozoário responsável pela doença de Chagas – poderia ser explorada na luta contra o atual tipo mais agressivo de câncer de mama.

Ao perceber que a forma recombinante da proteína 21 (rP21), encontrada no protozoário, tem o potencial de recrutar células inflamatórias, a então mestranda no Programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Estrutural Aplicadas (PPGBC) do ICBIM/UFU decidiu estudar a ação da molécula em células tumorais de mama. Para explicar a raridade do achado, Borges argumenta: “diversos estudos mostram que doenças causadas por protozoários e vírus têm um papel na indução de cânceres. No nosso caso, temos visto o oposto”. Os seis anos de pesquisa, até o fim do doutorado, em 2019, geraram resultados que acendem uma luz para mulheres no Brasil. No país, todos os anos, cerca de 60 mil constatam que têm a doença.

 

O contexto

Pela ótica molecular, existem três tipos de câncer de mama: positivo ao receptor HER2, positivo aos receptores de progesterona ou estrógeno (luminal A ou B) e o triplo-negativo, foco das pesquisas de Borges. Para os dois primeiros, já existe um alvo específico no corpo humano, apontado pela comunidade científica, para ser tratado diretamente. A consequência disso é a produção de medicamentos feitos sob medida para cada caso, melhorando a precisão e diminuindo os efeitos colaterais do tratamento.

Justamente por ainda se desconhecer um alvo-terapêutico estável, o triplo-negativo representa, hoje, o pior cenário. Ou seja, enquanto o tratamento para o tipo positivo ao receptor HER2, por exemplo, conta com um fármaco que deve agir especificamente contra o receptor HER2, a terapia contra o triplo-negativo é generalista, pois ainda não se sabe ao certo o que e como combater. Para a paciente, isto é sinônimo de quimioterapia pouco eficaz e efeitos colaterais graves.

O receptor CXCR4 é saudavelmente encontrado no corpo humano. Em células tumorais de mama do tipo triplo-negativo, no entanto, é comum encontrá-lo em altas quantidades, superexpresso. Sem novidade até aqui, pois tal relação já era apontada na literatura científica. O que Borges descobriu no mestrado é que a rP21 é capaz de se ligar ao CXCR4.

 

A pesquisa

O comportamento da rP21 foi observado em duas linhagens de células de mama: saudáveis e tumorais metastáticas triplo-negativas, que se multiplicam descontroladamente e invadem outras partes do corpo, sendo as responsáveis por aumentar o tumor e provocar metástase.

Antes de saber o desfecho, entenda que a quimiocina CXCL12, assim como o receptor CXCR4, existe naturalmente no corpo humano. Quando secretada por uma célula, fica vagando até se ligar a um receptor compatível. Tendo como par ideal o CXCR4, ela estimula a reprodução celular. Talvez haja um quê de romance ao imaginar que o CXCR4 de uma célula na mama pode, ao se sentir atraído, viajar para se ligar à CXCL12 que estiver no fígado, por exemplo. Em um contexto cancerígeno, contudo, tal comportamento é o berço da migração de células tumorais para diferentes órgãos de uma pessoa.

Ao longo dos testes, Borges e seus orientadores notaram que, após 24 horas, a forma recombinante da proteína 21 não provoca nenhuma alteração na linhagem sadia, permanecendo externa às células. Em contrapartida, quando a rP21 se liga ao CXCR4 de células da linhagem tumoral, a proteína é internalizada e provoca a dessensibilização do receptor e das células, impedindo respostas aos estímulos feitos pelo tumor. Como efeito cascata, a CXCL12 deixa de ser produzida. Células tumorais, portanto, não mais se multiplicam e perdem a habilidade de migrar. Nesta perspectiva, um câncer de mama triplo-negativo identificado a tempo poderia ser tratado de modo a impedir a metástase e controlar o crescimento do tumor.

 

Resumo imagético da tese “A forma recombinante da proteína 21 de Trypanosoma cruzi interage com o receptor CXCR4 e diminui a invasão e proliferação de células tumorais de mama humanas”, em que MCF-10A apresenta a linhagem saudável de células e MDA-MB-231, a tumoral triplo-negativa metastática. Ambas após interagirem com a rP21.

 

Quando o tratamento estará disponível à população?

Até o começo de 2015, a rP21 foi testada nas células tumorais de mama e macrófagos, células saudáveis, apenas de camundongos. Favoráveis, os experimentos passaram a ser feitos, já no doutorado de Borges, em cultura de células humanas – todos in vitro, aqueles feitos em laboratório com tubos de ensaio.

Sob orientação dos docentes Claudio Vieira da Silva e Marcelo José Barbosa Silva, Borges deu um passo inédito em direção à primeira terapia eficaz contra o único tipo de câncer de mama para o qual ainda não há tratamento específico. Porém, apesar dos encaminhamentos promissores, a pesquisa está parada. Desde a conclusão da tese, em agosto de 2019, a cientista não obteve verba para continuar a busca por resultados que beneficiem diretamente as milhares de mulheres que sofrem com o problema.

Para concluir o doutorado, em alguns momentos, Borges contou com a parceria de Barbosa Silva com o grupo Luta Pela Vida, do Hospital do Câncer, para utilizar instrumentos essenciais. Em outros, comprou equipamentos com o próprio dinheiro. Agora, mesmo sabendo que trajetória percorrer, “fica difícil continuar o trabalho se você não tem recurso, não tem investimento. Não sei o que vai acontecer”, examina a pesquisadora.

As próximas etapas do estudo seriam in vivo, começando com camundongos, depois, outra espécie animal, até que pudessem ser feitos em seres humanos, considerando ainda a comparação de tumores em diferentes estágios para cada etapa.

 

Acesse

Para os mais curiosos, a tese completa de Borges pode ser acessada no REPOSITÓRIO DA UFU e, até o fim de outubro, haverá artigo publicado na revista Frontiers in Cell and Developmental Biology.

 

Você conhece outras pesquisas da UFU sobre câncer de mama e do colo do útero? Gostaria de divulgá-la nos canais de comunicação da universidade? Envie sua sugestão de pauta por aqui: www.comunica.ufu.br/divulgacao.

 

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Palavras-chave: Outubro Rosa Câncer de mama Ciência Divulgação Científica Ciências Biomédicas

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