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Leia Cientistas

O que nos resta da Bildung neo-humanista?

Em tese de doutorado premiada pela Sociedade Brasileira de Teoria da História e História da Historiografia (SBTHH), professora do curso de História do Campus Pontal da UFU nos chama a atenção para a atualidade do conceito neo-humanista de Bildung

Publicado em 06/04/2021 às 15:35 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:51

A docente Walkiria Oliveira Silva analisou a obra de Friedrich Gundolf (1810-1931) (Foto: coleção do Museu da Cidade de Munique)

 

O conceito neo-humanista de Bildung, formatado pelo filósofo e fundador da Universidade de Berlim, Wilhelm von Humboldt (1767-1835), diz respeito à formação integral e autônoma do homem, não restrita à formação escolar.

No âmbito germânico, no decorrer do século XIX, o ideal de formação neo-humanista foi um elemento imprescindível para a fundamentação e a manutenção da identidade nacional formatada pela burguesia culta alemã. Nesse sentido, formar-se compreendia a absorção de uma cultura especificamente nacional que demarcava a identidade nacional alemã.

Na minha tese de doutoramento, (O historiador é o protetor da Bildung: Friedrich Gundolf e a função formativa da História), defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília, procurei entender as relações entre o conceito neo-humanista de Bildung e a função pragmática do conhecimento histórico mediante a análise da obra de Friedrich Gundolf (1810-1931).

Em sua vasta obra, Gundolf se dedicou, principalmente, às análises de autores do barroco e romantismo alemães, e à recepção da obra de Shakespeare entre os germânicos. Em seus trabalhos, com destaque para Goethe (1916), Gundolf atribuiu valor epistemológico ao conceito de formação neo-humanista, associando-o à manutenção da identidade alemã em um momento de profundas transformações do jogo social, que incluía o advento da sociedade de massas, do operariado e da tecnologia.

Nesse mundo fraturado e desorientado, a burguesia culta – grupo social ao qual pertencia Gundolf – entrou em declínio e seus valores, incluindo a Bildung, pareciam não mais necessários para a fundamentação identitária dos alemães. Não por acaso, Gundolf retomou em sua história da literatura o ideal de formação de Humboldt a fim de conectá-lo ao papel pragmático do conhecimento histórico: fundamentar, explicar e manter as identidades no âmbito individual e coletivo a partir da orientação temporal.

Nossas pesquisas reafirmam sempre que o conhecimento histórico não é algo somente sobre o passado, apartado das nossas interpretações acerca do mundo circundante. Pelo contrário: o conhecimento histórico que produzimos em nossas pesquisas está alicerçado, antes de tudo, no nosso tempo presente. Assim, cabe-nos refletir: o que nos resta da Bildung?

Acredito que uma das funções do conhecimento histórico, bem como seu ensino – independente do nível escolar – é auxiliar-nos em nossa orientação temporal: como lidamos com nosso passado e nossos projetos de futuro, com os pés no presente. Essa orientação nos é fundamental para que possamos não somente agir no mundo, mas construir, fundamentar e manter a nossa identidade individual e coletiva (e também criticá-la!).

É nesse sentido que a Bildung resiste enquanto uma formação para a liberdade, a fim de capacitar os indivíduos a agirem adequadamente no mundo, compreendendo os outros e a si mesmos em uma relação constante de alteridade e humanismo.

 

*Walkiria Oliveira Silva é docente no Instituto de Ciências Humana do Campus Pontal/UFU. Sua tese "O historiador é o protetor da Bildung: Friedrich Gundolf e a função formativa da História" foi premiada no 3º Concurso de Teses, Dissertações e Monografias, promovido pela Sociedade Brasileira de Teoria da História e História da Historiografia (SBTHH).

 

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Palavras-chave: Guldolf Bildung tese história Premiada Historiografia

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