Pular para o conteúdo principal
Ciência

A thread no Twitter, a senhora de 92 anos e o protetor solar

Professora e dermatologista da UFU esclarece dúvidas sobre o uso do produto após foto viralizar na internet

Publicado em 22/09/2022 às 11:16 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:39

O protetor solar é uma das principais formas de prevenir o câncer de pele, que corresponde a cerca de 30% dos tumores malignos registrados no Brasil. (Foto: Marco Cavalcanti)

 

Era 2 de setembro, o mês mal havia começado e uma simples imagem vinculada a um artigo do The Journal of the European Academy of Dermatology and Venereology (JEADV) saía do ambiente acadêmico e ganhava espaço em meio ao Twitter.

Bastou a dermatologista Melina Ferraz, que vive em Recife (PE), publicar em seu perfil – que conta com pouco mais de mil seguidores – onde estava anexada a foto da senhora de 92 anos, que passou mais de 40 anos usando protetor solar apenas na face, para os usuários da rede darem destaque ao tema.

 

Postagem feita por Melina Ferraz (Imagem: Reprodução/Twitter)

 

O tweet [nome das postagens na rede social], que tem mais de 19 mil compartilhamentos e 141 mil curtidas, colocou em poucas horas a palavra “protetor solar” entre os assuntos mais comentados do Brasil, dando destaque ao produto.

“De maneira geral a repercussão da postagem foi positiva. Alertou as pessoas através da maneira mais eficaz: com uma medida objetiva, de imagem e envolvendo uma comparação. O impacto da fotoproteção foi levado a muitas pessoas”, conta Ferraz.

O choque diante da imagem foi tanto, que pessoas das mais variadas idades começaram a trocar dicas para não ficarem como a mulher da foto. Dentre as sugestões mais divulgadas estavam indicações de protetores solares vendidos em lojas de equipamentos de proteção individual (EPIs) e mãos com dedos completamente besuntados da quantidade do produto que supostamente seria a indicada para cobrir face, pescoço e orelhas.

Como forma de esclarecer os boatos que têm circulado na internet desde então, o portal Comunica UFU entrevistou a dermatologista, professora do curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e membro oficial da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Renata Janones.

 

Renata Janones explica que uma colher de café corresponde à quantidade de protetor solar recomendada para cobrir a face. (Foto: Marco Cavalcanti)

 

A mulher da foto

Ao contrário do que se pode pensar, o estudo ao qual está vinculada a imagem da senhora alemã de 92 anos – não identificada – não é recente. A pesquisa, que tem como autor Christian Posch, da Universidade Técnica de Munique na Alemanha, foi publicada em outubro de 2021 no JEADV.

Com o destaque que a foto ganhou neste mês, o pesquisador foi ao Twitter demonstrar tamanha alegria sobre a viralização do conteúdo e convidou todos a lerem o artigo completo que trata dos danos causados na pele por raios UV.

 

Tradução: “Feliz em ver essa foto circulando (>186k ♥️)! Incrível!! O dano UV não fica mais gráfico. Não deixe de ler o artigo inteiro! Luz UV é uma coisa, envelhecimento é outra!” (Imagem: Reprodução/Twitter)

 

Janones conta que a imagem que chocou os usuários do Twitter é algo que há décadas já é acompanhado pelos dermatologistas de todo o mundo: os efeitos dos raios ultravioleta na pele. Uma vez que esses raios, UVA e UVB, entram em contato com a superfície da pele, eles causam alterações no DNA das células e, consequentemente, na elasticidade e formação dos tecidos. Enquanto os raios UVA são mais nocivos à derme, responsáveis pelo fotoenvelhecimento e pelo câncer de pele, os UVB provocam vermelhidão, ardências e queimaduras solares.

Mas todos nós estaríamos condenados a ficar como a senhora da foto? A dermatologista esclarece que estamos sujeitos a dois tipos de envelhecimento ao longo da vida: o cronológico e o fotoenvelhecimento. O primeiro, como o próprio nome já sugere, é aquele envelhecimento que acontece naturalmente nos seres humanos — independentemente da exposição ao sol — e faz com que os tecidos da pele fiquem mais finos e frágeis aos raios ultravioleta.

O segundo, por sua vez, é provocado pelo sol e agrava os efeitos do envelhecimento natural da cútis (pele) e que se relaciona à diferença dos tecidos da pele do rosto e pescoço da senhora que protagoniza a imagem viral.

Como a mulher passou mais de 40 anos utilizando protetor solar apenas na face, o tecido dessa região ficou mais protegido em relação às demais áreas do corpo, de forma que sofreu as ações majoritariamente do envelhecimento cronológico sem maiores agravamentos provocados pelos raios solares.

 

O protetor solar

Luiz Carlos Gomes, responsável por regar as áreas verdes da praça Tubal Vilela, em Uberlândia (MG). O servidor conta que recebe protetores solares pela Prefeitura Municipal e utiliza chapéus para se proteger do sol. (Foto: Marco Cavalcanti)

 

Uma mudança de olhar sobre o protetor solar: essa foi a virada de chave que aconteceu na vida da jornalista e influenciadora digital de skincare Eduarda Yamaguchi, ainda na infância.

Ela, que usava o produto apenas em dias de muito sol ou para ir à praia, começou a notar que desde cedo surgiram áreas avermelhadas em sua pele. O que talvez pudesse ser confundido com uma alergia ou uma sensibilidade natural em peles mais claras foi diagnosticado como dermatite atópica, uma inflamação cutânea que acaba tornando a derme ainda mais frágil aos raios UV.

Desde então, os produtos de cuidado com a pele e, principalmente, o protetor solar tornaram-se essenciais em sua rotina. “Com o tempo, eu percebi que não adiantava eu utilizar um produto hidratante ou de tratamento para a dermatite sem fazer o uso do protetor solar. Ele é a base de tudo”, explica Yamaguchi.

Ao contrário da skinfluencer (termo usado para se referir aos influenciadores digitais de cuidado com a pele), essa mudança de pensamento veio para muitos apenas com a temida imagem da senhora de 92 anos. Contudo, acompanhando a foto, muitas suposições sem embasamento científico começaram a circular pela internet e a serem divulgadas como uma verdade absoluta.

Dentre elas, está a de que produtos comprados em lojas de EPIs são melhores e mais baratos, uma vez que são direcionados para trabalhadores que provavelmente sofrem muita exposição solar.

Sobre isso, Janones ressalta a importância de se atentar ao fato de que nem sempre os produtos com menores custos apresentam o benefício devido, uma vez que podem ser produzidos com as piores matérias-primas da indústria e fazem mal não somente à pele, como também ao meio-ambiente.

“No Brasil, um ponto positivo é o de que, ao contrário de outros produtos, a regulamentação e o registro de um novo protetor solar na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), são bastante rigorosos, evitando que qualquer um entre no mercado”, conta a dermatologista.

Quando se trata de protetores solares, o fator de proteção é um tema bastante recorrente. Ao contrário do que se pode pensar, o fator 30 não protege apenas contra 30% dos raios UV, mas bloqueia cerca de 80% deles. Os fatores 60 e 90, por sua vez, se aproximam dos 97%.

A recomendação da SBD para a população geral é o uso de no mínimo do fator 30, enquanto as proteções maiores são direcionadas às pessoas que ficam mais expostas ao sol ou possuem alguma dermatose [doenças de pele], como é o caso do vitiligo e da dermatite atópica.

“A quantidade ideal de produto que deve ser aplicado na face, orelhas e pescoço é de uma colher de chá (5ml), sendo que é ideal manter a atenção ao tempo de duração do frasco do protetor solar”, explica Janones.

 

Segue o fio

O que começou com uma thread (sequência de publicações) no Twitter atingiu certo ponto de preocupação em pessoas de todas as idades e serviu para esclarecer possíveis dúvidas sobre um produto que está distante da superfluidade.

Desde os protetores solares mais básicos até aqueles com cor – considerados a terceira geração de filtros solares por proteger também contra a luz –, encontrar aquele que ocupará lugar no seu cotidiano é uma tarefa que deve ser acompanhada por um profissional dermatologista.

“Caso note o surgimento de acnes ou um aumento da oleosidade pelo uso do protetor, o ideal é trocá-lo até encontrar um que se adeque a sua pele. É importante também analisar fatores relacionados a hábitos cotidianos que possam influenciar esses sintomas”, finaliza Janones.

A médica gravou um vídeo para as redes sociais da UFU ensinando como passar o protetor solar da forma correta. Você pode assisti-lo aqui.

 

Política de uso: A reprodução de textos, fotografias e outros conteúdos publicados pela Diretoria de Comunicação Social da Universidade Federal de Uberlândia (Dirco/UFU) é livre; porém, solicitamos que seja(m) citado(s) o(s) autor(es) e o Portal Comunica UFU.

Palavras-chave: protetor solar dermatologista Twitter senhora de 92 anos

A11y