Publicado em 07/03/2017 às 10:17 - Atualizado em 09/06/2025 às 22:15
Libélulas-tigre têm coloração preta e alaranjada como a dos felinos que inspiraram seu nome (Foto: Adolfo Cordero)
No território das libélulas-tigre, os machos lutam entre si pelos melhores lugares à beira d’água. É lá que, mais tarde, estarão as fêmeas, prevendo um bom local para pôr seus ovos futuros.
Como luta uma criatura tão delicada? Geralmente, de olho nas asas: quanto mais colorida a asa de uma libélula, mais brigas ela consegue vencer. Um macho pode avaliar a quantidade de energia do seu oponente com base no tamanho das manchas coloridas nas asas dele - e se for muito mais energia que a sua, ele é sabiamente capaz de evitar o confronto.
Isso costuma dar certo na ordem dos odonatos, mas não com a espécie conhecida como libélula-tigre (cientificamente, Tigriagrion aurantinigrum): embora o corpo dela seja vistoso como o dos felinos que inspiraram seu nome, as asas são completamente transparentes e sem coloração. Portanto, se duas libélulas-tigre machos precisarem lutar, farão como no UFC: vão ter que se encarar.
A descoberta é do biólogo Diogo Vilela, graduado pela UFU, que atualmente cursa doutorado na Universidade de São Paulo, onde é orientado pelos professores Kleber Del-Claro, do Instituto de Biologia da UFU, e Rhainer Guillermo-Ferreira, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O trabalho contou ainda com a colaboração da doutoranda Thaína Tosta, graduada pela Faculdade de Computação da UFU, que desenvolveu as análises computacionais, e da professora Raquel de Sousa, do Instituto de Química da UFU, que auxiliou nas análises químicas em laboratório. O projeto contou com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Laranja é o novo preto
Se as libélulas-tigre lutam se encarando, com constantes movimentos verticais, como é a cara da vencedora? Mais alaranjada que a cara da perdedora: 70% da cabeça da libélula que vence a luta é coberta por pigmento laranja contra 35% da que perde.
A análise dos padrões de coloração, principal arma de combate das libélulas-tigre, foi realizada por meio de fotografias macro feitas pelos pesquisadores em laboratório. O cálculo quantitativo da pigmentação laranja se deu a partir do script em linguagem MatLab desenvolvido por Thaína Tosta.
“A energia é a moeda dos bichos na natureza”, explica Vilela, sobre o poder laranja. “Toda e qualquer característica que observamos nos animais, como penas coloridas e vistosas, grandes chifres, foi fruto de um enorme esforço energético. Portanto, não seria diferente para as manchas laranjas de nossa espécie de estudo”, completa o biólogo.
Testes químicos revelaram que o pigmento das libélulas-tigre é derivado de pteridinas, uma substância presente também em abelhas e vespas que, além de conferir a coloração laranja, em algumas espécies está relacionada com agressividade e comportamento de castas.
“Os custos necessários para que as libélulas sintetizem esse pigmento laranja indicam uma maior qualidade nesses machos, que provavelmente se expõem mais a riscos, como a predação, para obter alimento e energia necessários para produzir o pigmento”, detalha Vilela. “A coloração presente na cabeça pode influenciar o resultado das lutas territoriais, podendo atuar como sinais visuais de avaliação entre os oponentes, além de serem sinais honestos da qualidade física desses animais”, afirma.
Libélula vencedora, à esquerda, tem cerca de 70% da área coberta por pigmento laranja contra 35% da perdedora, à direita (Foto: arquivo dos pesquisadores)Libélula vencedora, à esquerda, tem cerca de 70% da área coberta por pigmento laranja contra 35% da perdedora, à direita (Foto: arquivo dos pesquisadores)
A revista em que Darwin publicava
A guerra de cores das libélulas-tigre estudada por Diogo Vilela e sua equipe, relatada em artigo científico, foi aceita para publicação na edição do primeiro semestre de 2017 do Biological Journal of the Linnean Society, a revista da Sociedade Lineana de Londres - ou, como descreve o professor Del-Claro, “a fina flor das revistas evolucionistas no berço do Darwinismo”. Fundada em 1791, com o nome de Transactions of the Linnean Society, foi nesta revista que os evolucionistas Charles Darwin, no século XIX, e Ernest Mayr, no século XX, publicaram muitas de suas descobertas.
Intitulado Colors of war: visual signals may influence the outcome of territorial contests in the tiger damselfly (Cores de guerra: sinais visuais podem influenciar o resultado de lutas territoriais das libélulas-tigre), o artigo tem como coautores Thaína Tosta, Rodrigo Rodrigues (também da UFU), Kleber Del-Claro e Rhainer Guillermo-Ferreira. A previsão é de que a edição seja publicada daqui a dois meses.
“Publicar em uma revista onde os principais evolucionistas já tiveram seus trabalhos tem um significado enorme, é uma grande realização, além de ser uma honra dar esse presente aos meus mestres e às universidades que me proporcionaram uma educação pública e de qualidade (UFU e USP)”, declara Vilela.
Palavras-chave: Ciência libélulas UFU Biologia
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