Publicado em 08/02/2023 às 11:02 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:38
Descoberta nos anos 1960, a doença de Kawasaki ainda é uma raridade quase desconhecida. (Foto: Freepik/Reprodução).
“Ele está com Síndrome de Kawasaki, uma doença autoimune”. Foi com essa mensagem que Aline Marcele comunicou à família de seu esposo, Felipe Mariá, sobre o diagnóstico do filho mais novo deles, Eduardo, no início da tarde de 26 de agosto do ano passado. Na época, o pequeno tinha um ano e quatro meses de idade e tinha acabado de dar entrada no Hospital Municipal Dr. José Carvalho Florence, na Zona Leste de São José dos Campos (SP).
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) nomeia a síndrome de Doença de Kawasaki. Ela se configura como uma inflamação aguda na parede dos vasos sanguíneos, causada por proteínas produzidas pelo próprio sistema imunológico, ou seja, uma doença autoimune.
A síndrome acomete principalmente meninos com menos de cinco anos de idade (85% dos casos estão neste grupo). Outro ponto é que a frequência é maior quando a origem é asiática, variando entre cinco e dez vezes mais chances de desenvolver a doença. Porém, com a pandemia de covid-19, mais casos surgiram pelo mundo.
Apesar de ter sido observada pela primeira vez em 1961 pelo pediatra japonês Tomisaku Kawasaki, ainda não se sabe a causa exata da doença. Segundo a SBP, há suspeitas de que infecções específicas causem a síndrome ou que haja uma tendência genética. O que se sabe é que a doença não é contagiosa.
Naquele ano, o médico recebeu um menino de quatro anos em seu consultório com sintomas inexplicáveis. A criança apresentava febre alta, conjuntivite, erupções na pele e a língua cor vermelho-framboesa. Nos anos seguintes, Tomisaku Kawasaki encontrou 50 casos semelhantes. Em 1967, ele publicou uma descrição científica sobre eles.
O cardiologista Tiago Yukio, do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU/Ebserh), aponta que é necessário um critério maior para diagnosticar a doença. No caso da Kawasaki, este critério é a febre constante por pelo menos cinco dias. Além disso, a criança deve apresentar quatro dos outros indícios.
Arte: Mateus Freitas
O menino Eduardo apresentou alguns desses sintomas. Marcele relata que a criança teve febre alta por três dias seguidos, o que fez com que ela e o marido o levassem ao médico. Ele tinha manchas vermelhas na mão esquerda e pequenas fissuras no lábio, que ficou bem avermelhado.
Porém, esse não foi o diagnóstico inicial. Os médicos da Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) informaram que era uma gripe ou uma erisipela, um processo infeccioso da pele causado por uma bactéria. O doutor Tiago Yukio explica que isso ocorreu provavelmente por causa do eritema morbiliforme, uma inflamação que causa pequenas bolinhas espalhadas pelo corpo, e da dactilite, uma inflamação nos dedos.
Mesmo com o tratamento com antibióticos, Eduardo ficava cada vez mais irritado - o que é incomum para a sua personalidade - e a febre não passava. Ao retornar à UPA, foi indicado que o casal o levasse para o Hospital Municipal para um tratamento direcionado. Ali, o médico explicou sobre a Doença de Kawasaki. “Eu não tinha nem noção do que era. Até que o médico me chamou e disse ‘mãe, ele pode infartar dormindo’”, conta Marcele.
Como o diagnóstico inicial é clínico e baseado nos critérios estabelecidos pela American Heart Association (AHA) e pela European League Against Rheumatism/Pediatric Rheumatology European Society (EULAR/PReS), alguns pacientes não apresentam problemas cardíacos no primeiro momento. Porém, as manifestações cardíacas podem acontecer. Entre elas, estão aneurisma de coronária, insuficiência cardíaca e artrite.
Para o diagnóstico, Eduardo fez um ecocardiograma. Também foram solicitados exames de sangue para analisar o nível de suas plaquetas; porém, o sangue da criança estava grosso, o que dificultava a retirada. Assim, ele começou a ser medicado com ácido acetilsalicílico (AAS). Ambos os exames, juntamente com a análise clínica, comprovaram o diagnóstico: Doença de Kawasaki.
Até o momento, não se sabe o que causou a doença de Eduardo, já que ele não tem ascendência asiática ou teve covid-19. “Ele foi super investigado no hospital, porque era ‘o diferente’ lá. Ele quase não conseguia dormir um soninho completo porque toda hora entrava alguém para ver o ‘menino com Kawasaki’”, conta Marcele.
Eduardo no colo da mãe, Aline Marcele, juntamente com o pai, Felipe Mariá, e o irmão Frederico. (Foto: Arquivo pessoal)
Tratamento
Eduardo foi internado e iniciou o tratamento com a administração da imunoglobulina, medicamento que visa ao controle de alterações do sistema imunológico e inflamações específicas, como Kawasaki. Além disso, a cada duas horas, a frequência cardíaca e a oxigenação eram monitoradas.
O médico informou que o tratamento seria de cinco a 10 dias e que a imunoglobulina poderia dar alguma reação. Por isso, ele deveria ficar internado e em observação. No segundo dia de tratamento, a criança teve um choque anafilático devido ao medicamento.
No terceiro dia de internação, Eduardo começou a apresentar melhoras. No dia seguinte, não havia mais manchas nem febre. O ecocardiograma apontou melhora nas coronárias e, no quinto dia, ele pode voltar para casa. “Junto com a alta, já tivemos encaminhamento para passar com um pediatra específico para tratar Kawasaki e o cardiologista. A cada três meses ele passa com o cardiologista, faz um eletrocardiograma e um exame para avaliar as plaquetas. Ele também toma, em casa, metade de um AAS todos os dias”, conta Marcele.
A mãe relata que é necessário um eletrocardiograma específico para Kawasaki para a análise das coronárias. No Sistema Único de Saúde, a família não conseguiu um exame adequado. No início de janeiro, o retorno ao médico contou com o eletrocardiograma feito em uma clínica particular que apresentou normalidade nesses vasos sanguíneos.
Porém, nem todos os casos são assim. Yukio destaca que alguns pacientes podem entrar em remissão espontânea depois dos 12 dias de evolução da doença e não precisarem de tratamento. “Muitas vezes, as crianças podem desenvolver Kawasaki sem o alerta inicial dos sintomas para um diagnóstico e essa criança, depois de 12 dias, pode até começar a melhorar espontaneamente”, afirma.
Entretanto, aqueles que não são tratados podem ter sequelas cardíacas como o aneurisma de coronária e insuficiência cardíaca. O médico descreve que as implicações podem evoluir para uma doença no futuro, sem relação temporal com a época que teve a doença de Kawasaki. Outras manifestações são falta de ar e inchaço nas pernas. Alguns casos podem acontecer em adultos, mas é bem raro. Os sintomas são os mesmos.
Assim, o tratamento tem o intuito de reduzir o processo de inflamação e os dados que a doença causa. “Quanto mais rápido fizer o diagnóstico e mais rápido iniciarmos o tratamento, menores são as consequências, principalmente em relação à doença cardiovascular. Se ela é tratada em tempo hábil, a chance de ela evoluir para aneurisma de coronária é bem menor”, completa Yukio.
A alta
Em março, Eduardo retornará ao médico cardiologista. Caso permaneça apresentando melhoras nas coronárias e nos exames que analisam o nível de plaquetas, terá alta. “Mas a alta é assim: ele terá acompanhamento com o cardiologista uma vez ao ano até completar cinco anos. Aí ele terá uma alta definitiva”, aponta Marcele.
Segundo Tiago Yukio, ainda não se sabe o que causa a doença. Para Marcele, esse é um dos principais motivos de abordar a doença para outros pais e responsáveis. “É importante outras pessoas saberem porque, às vezes, passam por isso em casa e, assim como a gente, não sabem o que é”, destaca a mãe.
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Palavras-chave: Saúde Infantil Doença de Kawasaki Síndrome autoimune
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