Publicado em 24/03/2023 às 13:38 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:38
As formigas são atraídas pelas plantas por uma substância chamada néctar extrafloral. (Foto: Unsplash)
Era um menino assim: curioso, que gostava de brincar na rua como qualquer outro, explorava a natureza ao lado do avô e, nas horas vagas, promovia rinhas de formiga com seu amigo Thiago.
Eduardo Calixto, que na época pouco conhecia sobre o que iria saber anos mais tarde, era um duelista de formigas nato. Talvez, a ciência mais perfeita para ele estava em descobrir os motivos pelos quais os pequenos insetos de seis patas iniciavam combates ferozes quando tinham suas antenas arrancadas.
O que ele descobriu, quando já havia abandonado o posto de organizador de rinhas de insetos, é que por se reconhecerem entre si pelas antenas, as formigas não se atacam. Já quando esse canal de identificação é cortado, seja pela natureza ou a ação nada gentil de crianças travessas, elas começam a se tratar como inimigas.
Eduardo Calixto em trabalho de campo. (Foto: Arquivo pessoal)
A ascensão e a queda do duelista de formigas
Os anos se passavam para Calixto, as formigas guerreiras já não faziam parte do seu cotidiano, que fora tomado pelas longas fileiras milimetricamente organizadas das salas de aula. As explorações da natureza ficavam cada vez mais restritas aos livros de biologia e, assim, entre a ascensão e a queda, o seu eu “duelista de formigas” ficou para trás.
Como um rei que tem o seu reino saqueado, o menino – agora já adolescente – poderia ter organizado uma revolta com seus pequenos insetos, mas não o fez. Ao contrário disso, ele se adaptou aos hábitos mais amenos da rotina de aluno do ensino médio que se revezava entre o colégio, as tarefas de casa e o trabalho com o pai.
A feira
Só quem já foi à feira entende a magia que ela pode dar a um sábado ou domingo de manhã. São barracas repletas de produtos orgânicos frescos. Pessoas andando para lá e para cá com suas cestas, ecobags e qualquer outro lugar que dê para acomodar aquilo que se tornará parte da salada do almoço.
Os vendedores, que se organizam religiosamente lado a lado a cada final de semana, não poupam adjetivos para os seus produtos e para conquistar o cliente com a lábia que só um feirante sabe ter. Eles, protagonistas da verdadeira festa que uma feira pode se tornar, acordam muito antes do sol inaugurar o dia. Carregam caixas para lá e para cá sem abandonarem os sorrisos e no fim, voltam para casa quando a lua está em seu ápice no céu.
Durante anos, do ensino médio ao início do mestrado, essa foi a rotina de Calixto. Mesmo na graduação em Ciências Biológicas na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em que a semana era totalmente preenchida com as aulas, pesquisas ao lado do seu professor e orientador Kleber Del Claro e os trabalhos de campo, era na feira em que o capital para mantê-lo na universidade surgia.
“Essa foi uma época bem corrida da minha vida [ri]. Entrei em um curso integral, então em meio às dificuldades de casa, o que sobrava para mim era trabalhar à noite ou nos finais de semana. E foi assim que eu comecei na feira, saia de casa às quatro da manhã e voltava depois das dez da noite”, conta o biólogo de forma divertida e com risadas a cada nova lembrança.
O cientista
“Escrevo para dizer que os ensinamentos que deram ao Eduardo surtiram frutos, e ele é um exemplo de sucesso que deve servir de inspiração para nossos colegas estudantes do curso de Ciências Biológicas da UFU.”
É assim que o professor Kleber Del Claro inicia o e-mail de solicitação de divulgação que enviou ao portal Comunica UFU. Ao longo dos 905 caracteres que compõem a sua mensagem, Del Claro não mede adjetivos para se referir a “Dudu” e relembra a trajetória do rapaz que chegou a conquistar o Prêmio de Melhor Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (IC/CNPq/UFU).
Como nada começa do nada, por volta do terceiro período da graduação de Calixto, ele buscou o professor para orientá-lo em um projeto de iniciação científica. Ele entra na sala, para na frente de Del Claro e, antes mesmo que as suas outras várias tarefas cotidianas possam rejeitar dividir espaço com mais uma, ele lança sua proposta como quem guarda uma carta coringa na manga.
“Qual é o seu tempo livre, Dudu?” pergunta o professor. O rapaz ri. De repente ele se recorda das suas obrigações e responde: “Eu não tenho tempo livre. Só se for à noite antes de dormir”.
Ironicamente, juntos conseguiram encontrar um projeto que pudessem realizar as coletas de campo à noite e assim dar início a trajetória científica de Calixto.
O trabalho, que o acompanhou até o doutorado e ganha novos aprofundamentos em seu pós-doutorado, consiste na análise das relações mutualísticas entre formigas e plantas no cerrado. Para entendê-lo é preciso saber que as plantas oferecem um tipo de recurso para cada animal ou inseto. No caso das formigas, alguns vegetais possuem um tipo de néctar que fica localizado fora da flor – ao contrário do que acontece com a polinização das abelhas.
Esse néctar extrafloral pode estar localizado em diversas partes das plantas, desde as folhas até os ramos. Por possuir grande quantidade de açúcar, as formigas são atraídas por esse recurso e, consequentemente, passam a proteger a planta.
“Nós coletamos essas plantas em diferentes estágios para identificar em quais momentos da vida elas produziam esse néctar extrafloral e entender porque algumas só o possuíam em determinado estágio de desenvolvimento”, explica Calixto.
Anatomia das formigas
Existem coisas que os seres humanos jamais perceberão a olho nu, uma delas é a anatomia das formigas. Sobre seis patas, elas, de músculos fortes e antenas atentas, podem erguer até cinquentas vezes o seu próprio peso, podem cruzar o mundo se souberem que no fim encontrarão um torrão de açúcar e, em hipótese alguma, desistem no meio do caminho.
Talvez a fixação de Calixto pelas formigas não tenha sido por acaso. Talvez ele, da feira aos trabalhos como cientista, se identificasse com elas e, ainda hoje, tente entender a complexidade das suas ações.
O pesquisador, que a passos de formiga está realizando o seu pós-doutorado na Flórida, investiga os efeitos das chuvas na atuação protetora das formigas em relação às plantas e como esses insetos podem influenciar no processo de polinização.
Para o futuro, academicamente falando, ele deseja que a sociedade e as organizações governamentais de fomento compreendam a importância do trabalho que ele e tantos outros cientistas vêm realizando. Para tantos outros “Dudus” que chegam a UFU todos os dias, o seu recado é um só:
“Nada na vida é fácil, contudo, para algumas pessoas é mais difícil do que para outras. É importante focar no futuro e não se deixar desanimar, se cercando de pessoas que possam te motivar e, principalmente, pedindo ajuda caso for necessário. Sozinho a gente não consegue ir para frente, assim como acontece com a relação das formigas e das plantas”, finaliza Calixto.
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Palavras-chave: Biologia formigas néctar
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