Publicado em 07/02/2025 às 14:14 - Atualizado em 10/02/2025 às 08:36
Óleo de banana, papel couchê, tecidos reutilizáveis, uma prensa de gravura em metal e o tema da memória: esses elementos fizeram do Laboratório de Imagens Impressas, do Instituto de Artes da Universidade Federal de Uberlândia (Iarte/UFU), um espaço de experimentação e intercâmbio sobre processos gráficos. A atividade aconteceu na última terça-feira, 4 de fevereiro, entre um grupo de artistas, professoras e pesquisadoras do Amazonas, de Rondônia e da Bahia e uma dupla de estudantes do curso de Artes Visuais da UFU.
Em um workshop coordenado pela professora Priscila Rampin, os estudantes da UFU Gustavo Zenatti e Leandro Morais receberam artistas visitantes e compartilharam suas pesquisas sobre uma técnica artesanal de transferência e impressão de imagens, utilizando agentes sustentáveis, de baixo impacto ambiental e baixo custo. “O óleo de banana, que é um material comumente usado para solver o esmalte de unha, serve como artifício para transferir imagens impressas”, explica Zenatti.
Essa foi a segunda vez que Zenatti e Morais ministraram o workshop – resultante de seus estudos nas disciplinas de Processos Gráficos e Ateliê e, no caso de Zenatti, relacionado ao seu trabalho de conclusão de curso. A primeira vez foi em dezembro de 2024, em uma atividade aberta aos alunos de Artes Visuais e à comunidade.
Dessa vez, o evento teve um motivo especial: a presença das artistas Andréa Melo (AM), Camila Sá (RO), Maria Silper (RO), Gui Ocampo (RO) e Conchita Silva (BA), que estão em Uberlândia para a montagem e abertura da exposição “Mundo Meio Meu”, em cartaz no Museu de Arte Universitária (MUnA) entre 7 de fevereiro e 30 de março. “Como elas se deslocaram para fazer essa montagem, a gente montou uma programação que pudesse ser um intercâmbio de experiências, já que elas trabalham com técnicas similares”, conta Rampin, que coordena a ação de extensão e é curadora da exposição coletiva, que inclui também as artistas Andressa Boel (MG), Ítala Isis (RJ) e Mariza Barbosa (MG).
Mais do que uma técnica de impressão, o processo gráfico trabalhado no workshop conecta os artistas em uma dimensão afetiva e memorial. “A gente usou tecidos aproveitados de casa, que tem uma memória envolvida: lençol, roupa de cama, toalha de mesa, cortina, qualquer um que a gente pudesse reutilizar. Os tecidos reutilizados, que já existiam dentro da rotina das pessoas, traziam algum tipo de afeto, ressignificando, transformando em objeto artístico”, detalha Zenatti.
Ele compara a prática artística às tatuagens temporárias que vem junto com alguns chicletes: “A gente recortava a imagem, montava no tecido, banhava dentro de um recipiente com o óleo de banana, retirava o excesso e colocava a imagem virada para o tecido. Com a prensa de gravura em metal, que a gente tem no Laboratório de Imagens Impressas, a imagem sai quase sem ruído”. As imagens abaixo, da vista da exposição Fragmentos Gráficos (2024) no Laboratório Galeria do Iarte/UFU, apresentam alguns resultados:
Maria Silper desenvolveu uma técnica parecida, mas como professora no Instituto Federal de Rondônia (IFRO), Campus Colorado do Oeste, adequou o processo à sua realidade. “A minha técnica é baseada no manual. Como eu não tenho a estrutura que se tem aqui, eu tive que ir para algo mais prático, pensando em algo que os alunos pudessem reproduzir, de baixo custo”, relata.
Durante o workshop, Silper notou uma diferença: enquanto a técnica dos estudantes da UFU com a prensa de metal busca a nitidez possível, seus trabalhos se aproveitam da precariedade da imagem para abordar o tema da memória. “Eu já pensava algo relacionado à fotografia e à memória, trabalhando álbuns de família. Quando comecei essa pesquisa, fui atrás de materiais para trazer esse resultado. Peguei o óleo de banana e o thinner, os tecidos como suporte e passei a trabalhar a questão da falha da memória. Então, não é algo tão nítido. Um processo manual é como uma previsão de futuro da memória perdida”, reflete.
Gui Ocampo, que nasceu em Guajará-Mirim/RO e atua em Porto Velho/RO, ressaltou a importância da estrutura do Laboratório de Imagens Impressas da UFU, que possibilitou novas experimentações às artistas: “No universo do ensino de arte, que é muito precarizado, foi incrível. Em alguns anos de universidade, depois de todo o tempo na arte, foi a primeira vez que eu pude trabalhar com uma prensa de metal assim”.
Andréa Melo, que é artista visual, da dança e da performance, avalia que há muito em comum entre os artistas nos temas da memória, do afeto e do território. “Uma das coisas que me tocaram muito foi que eles trouxeram uma referência que é do norte, Alexandre Siqueira, porque a gente se sente às vezes um tanto apartado. E aqui a gente sai com possibilidade de outros trabalhos, ideias que vieram à tona”, destaca.
Conchita Silva conta que atua em uma área de intenso conflito agrário, hídrico e de trabalho escravo e também identificou referências em comum com seu trabalho. “Eles foram muito didáticos e trouxeram referências que, para mim, foram muito importantes, como a Rosana Paulino, uma artista que foi divisora de águas nos meus trabalhos desde a universidade. Eu comecei a pensar em falar de política nos meus trabalhos por causa dela. Em todo o meu processo artístico eu faço denúncia sobre esse território, denunciando o agronegócio”, pontua.
“Agora, já estou pensando em outro trabalho de fazer essas transferências sobre o meu território, porque eu falo desse conflito trazendo também beleza do meu território, que é rico em água, a biodiversidade do cerrado, a fauna, a flora e a população e a cultura em si. Então, fiquei pensando em agregar a técnica que eu aprendi nos meus trabalhos de denúncia também”, revela Silva.
Camila Sá, por sua vez, atua com fotografia alternativa e acumula experiências com métodos não convencionais na captura e impressão de imagens. Para ela, “a gambiarra é o que mais aproxima essas práticas". "Eu trabalho com fotografia analógica, fazendo os químicos em casa. Já fiz revelação com vitamina C, com produtos para piscina e café, por exemplo." Ela também faz experimentos com cianotipia (impressão manual com solução de ferro) e antotipia (processo artesanal com pigmentos vegetais): “Uso colorau, flores, folhas e outros elementos naturais, bato no liquidificador. É algo que tem baixo custo e ajuda no processo criativo”.
Para Zenatti, a experiência de recepcionar as artistas do norte e do nordeste do país na UFU foi uma oportunidade para discutir diferentes realidades da arte no Brasil. “O próprio desenvolvimento dessas técnicas, que são o tempo todo modificadas para as diferentes realidades, nos lembra que a arte é resistência em todos territórios, dentro de uma disciplina como a arte, que é tão desvalorizada”, conclui o estudante.
Para conferir a programação da exposição “Mundo Meio Meu”, com as artistas que participaram do workshop, acesse o Instagram do MUnA.
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