Por: Eliane Moreira
Publicado em 18/03/2025 às 11:57 - Atualizado em
25/03/2025 às
10:22
Você provavelmente, em algum momento, já se deparou com o conhecido “Amigo da Onça”, personagem do cartunista Péricles Maranhão. Uma "figurinha" que atravessa época e retrata com irreverência e humor algumas abordagens atemporais do cotidiano social.
Durante um mês, você poderá visitar uma mostra cultural com cerca de 400 charges do Amigo da Onça no hall interno da Biblioteca Central da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no Campus Santa Mônica. A visitação poderá ser feita dos dias 25 de março a 25 de abril, de segunda a sexta-feira, das 8h às 21h. A atividade é resultado do trabalho do Grupo Pedagógico das Bibliotecas da UFU, coordenado por Cláudia Cury.
No dia de abertura (25/3), às 9h, a mostra será iniciada com uma interação do cartunista e jornalista Maurício Ricardo e da professora Thaís de Mendonça, da Universidade de Brasília (UnB) com os estudantes da UFU. A docente vai gravar um vídeo que será exibido para o público, falando sobre a mostra. Ela trabalhou no jornal O Globo e vivenciou toda a importância e o impacto cultural dessas charges.
De acordo com Valéria Teixeira, assistente em administração da biblioteca, “a mostra será uma oportunidade única para explorar a sátira atemporal do mestre do humor gráfico Péricles Maranhão”.
Segundo Cláudia Cury, coordenadora da mostra, o acervo é proveniente de uma doação e faz parte do Sistema de Bibliotecas (Sisbi/UFU). “Eu pesquisei a importância do chargista e resolvi realizar esta mostra cultural”.
As charges foram retiradas da revista O Cruzeiro e veiculadas nas décadas de 1940 e 1950. “É um material muito rico. Este chargista, de certa forma, incorpora o personagem e acaba suicidando, porque vivia uma pressão muito grande, porque a charge era uma denúncia social. O acervo fala de política, discriminação e preconceito", comenta ela, acrescentando que alunos do curso de Jornalismo estão auxiliando na montagem da mostra cultural.
O jornalista e cartunista Maurício Ricardo adiantou um pouco dos temas que pretende abordar durante a conversa com os estudantes da UFU. Confira, no bate-papo abaixo:
Uma mostra como esta resgata um pouco da história da charge?
Sim, mas mais do que isso: resgata muito da história do Brasil como um todo. São cartuns para serem vistos mantendo a perspectiva do tempo em que foram feitos. Muitas das piadas são atemporais, mas só vai apreciar mesmo todo o humor do Péricles quem entender que aquilo foi produzido na virada do século passado. Ele foi muito ousado e expandiu os limites do humor.
Com o crescente avanço e a popularização da inteligência artificial e das redes sociais, quais os desafios dos chargistas?
São inúmeros, e eu diria que eles começaram muito antes da I.A. generativa, que é capaz de fazer ilustrações e até criar o roteiro de piadas. As redes sociais, sim, colocaram os chargistas e os cartunistas numa situação delicada. As redes ajudaram a matar os jornais e revistas, que eram os veículos onde esses profissionais ganhavam a vida. De repente, somem os empregos e, em contrapartida, todo mundo pode publicar seus trabalhos livremente nas redes. Isso faz surgir uma parcela de artistas que consegue se fazer reconhecida nacionalmente e encontra formas de monetizar seu trabalho. Mas há também um contingente enorme de chargistas e cartunistas que não conseguem se profissionalizar. Mesmo porque, antes da I.A. ser uma ameaça para os artistas, veio o meme. Qualquer um com uma boa ideia consegue colocar texto numa foto e gerar uma peça de humor. Se a peça viralizar, milhões de pessoas podem ter acesso à obra sem sequer saber quem a criou.
Quais características do Amigo da Onça mais marcam aquele personagem?
O sarcasmo e a crueldade, sem dúvida. Às vezes, essas características estavam a serviço da crítica a tipos de pessoas, profissionais ou serviços públicos, mas muitas vezes o Amigo da Onça era simplesmente mau mesmo. Era, como eu disse, um anti-herói, mas muito divertido. E, no fim, divertir é o mais importante.
Um personagem que atravessa época, por quê?
Por várias razões. Se eu fosse destacar uma, acho que a longevidade do Amigo da Onça vem do fato de que ele explora características da personalidade humana que são imutáveis. Sempre existiu e vão continuar existindo pessoas como ele.
O que Maurício Ricardo vai conversar com os estudantes de Jornalismo?
Fui convidado para falar sobre os desafios do cartunismo no cenário tecnológico atual. Tem tudo para ser um papo bastante rico. Eu mesmo ganhei bastante destaque no início dos anos 2000, por causa da internet, e venho acompanhando todas as mudanças no cartunismo desde então. Hoje, como dono de uma escola de tecnologia para crianças e adolescentes, estudar os impactos das redes sociais sobre as profissões, no sentido mais amplo, é parte do meu trabalho. E vale lembrar que, antes da internet, passei quase duas décadas trabalhando em jornais impressos. Eu fui testemunha da transição entre esses dois mundos, o analógico e o digital.
Péricles de Andrade Maranhão nasceu em 14 de agosto de 1924, na zona norte do Recife e, desde cedo, demonstrou talento para desenhar. Foi na revista do Colégio Marista que publicou seu primeiro desenho. Na época, o jornalista Aníbal Fernandes, do Diário de Pernambuco, descobriu o talento daquele garoto. Fernandes então encaminhou o jovem, por carta, a Leão Gondim de Oliveira, da O Cruzeiro (a maior revista daquele tempo).
Com apenas 17 anos, Péricles de Andrade Maranhão chega ao Rio de Janeiro. Na então capital federal, morou por dois anos no mesmo prédio em que residia Millôr Fernandes, na Rua das Marrecas, situada no Centro, a uma quadra da Cinelândia e da Lapa. Nessa rua, também moravam Jorge Amado, Augusto Rodrigues e Alceu Penna (autor das "Garotas do Alceu", publicadas n’O Cruzeiro). Não demorou muito para que Péricles fosse fisgado pela vida boêmia carioca.
Frequentador de um bar na Rua Uruguaiana, foi lá que teve a inspiração para compor o Amigo da Onça. Um dos garçons que o servia costumava perguntar inconvenientemente o que o cliente estava desenhando na mesa. Certa vez, ouviu um comentário passivo-agressivo: “Você ganha dinheiro com esses rabiscos? Puxa, eu queria ter esse vidão!” Péricles olhou para o homem e teve o estalo que precisava para criar o personagem.
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Palavras-chave: Mostra Amigo da Onça