Publicado em 13/06/2025 às 10:37 - Atualizado em 23/06/2025 às 08:43
Você sabe quem foi Orlando Sabino? Durante os anos 70, um andarilho perambulou entre a região de Minas Gerais e foi acusado de assassinar, de forma cruel, pessoas e animais de pequenas cidades da região do Triângulo Mineiro, como Capinópolis e Canápolis.
Tal andarilho era Orlando Sabino, que ficou conhecido como “o monstro de Capinópolis”, e foi sobre ele que a professora Fernanda Gomes da Silva Nakamura escreveu a tese “Orlando Sabino: sujeito constituído pelas práticas discursivas na ditadura militar no Brasil” para o doutorado em Estudos Linguísticos da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
A tese analisou a relação entre discurso, poder e verdade na constituição da imagem de Orlando Sabino e defende que ele foi vítima das ações da ditadura militar, que buscou acobertar os crimes cometidos por militares na perseguição a indivíduos contrários ao regime. Nakamura usou a abordagem arqueológico-genealógica de Michel Foucault, que se refere a estudar a história e o saber através da análise de discursos e relações de poder.
A ideia para esse tipo de abordagem na pesquisa partiu da leitura do livro “O diabo está lá fora”, de Júlio Quinan e Miguel Patrício. O estudo do caso contou também com matérias da revista Veja (1972), edições do Jornal do Brasil (1972-1973) e livros, como "Operações Antiguerrilha” e "O Monstro de Capinópolis".
“Estudar esse caso foi importante para trazer à contemporaneidade questões sobre políticas fascistas que promovem discursos de ódio contra grupos vulneráveis em nossa sociedade”, adiciona Nakamura sobre a importância de trabalhar esse tema.
A idealização da pesquisa surgiu ainda no mestrado, quando Nakamura constatou uma escassez de material sobre o tema, o que a levou a procurar outras formas de entender o caso. Por meio de seu orientador de mestrado, conheceu o livro “Operação Antiguerrilha: O Quarto Poder”, de Joaquim Borges, e a leitura fez com que ela pensasse sobre o projeto do doutorado. Para ela, o processo de pesquisa é desafiador, mas é uma jornada que oferece a oportunidade de transformação como sujeitos e de expandir nossos conhecimentos.
O objetivo da tese é comprovar como os discursos midiáticos, jurídicos e sociais objetivaram Sabino como “monstro” e “louco”, para legitimar sua exclusão e encarceramento. Tal objetificação engloba um repertório de poder no qual se usa o medo para consolidar hierarquias e mascarar crises estruturais. A pesquisa alega que, ao instrumentalizar o medo e a insegurança da população, o regime autoritário justificava a repressão violenta, o controle social e a manutenção de sua autoridade. A pesquisadora comenta também que a mídia, como uma instituição do saber, não apenas reporta fatos, mas constrói a percepção pública. Ao selecionar e apresentar determinados discursos e ao enfatizá-los sobre grupos marginalizados, a mídia pode reforçar a exclusão e justificar a violência institucional.
Durante a pesquisa do doutorado, Nakamura enfrentou dificuldades ao ter acesso aos documentos oficiais, já que mesmo partindo com petições aos fóruns, não obteve respostas agradáveis.Além disso, em meio à pesquisa, ela precisou lidar com o sentimento de luto. “Nunca me imaginei como doutora; esse era um sonho do meu pai, que desejava ter uma doutora na família. Venho de uma família humilde, e meu pai era analfabeto. Para ele, eu ser doutora representava a realização de seu sonho, mas, infelizmente, ele não pôde esperar para ver essa conquista”, lamenta a pesquisadora.
A recém-doutora comenta que a pesquisa no doutorado foi uma “válvula de escape”, um objetivo para a vida. “Ao concluí-la, percebi que não era mais a menina que trabalhava como empregada doméstica aos 17 anos”, acrescenta Nakamura sobre o processo de pesquisa.
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Palavras-chave: doutorado Foucault Análise do discurso ditadura militar
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