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SAÚDE

Do prato ao perigo: como a ciência nos ajuda a identificar a ‘falsa couve’ e outros vegetais tóxicos?

Pesquisadora da UFU detalha a ação de compostos que transformam vegetais colhidos por engano em risco fatal à saúde

Publicado em 15/10/2025 às 09:29 - Atualizado em 21/10/2025 às 08:59

Apesar de visualmente parecidas, 'falsa couve' (esquerda) tem componentes químicos tóxicos para o organismo humano. (Fotos: divulgação/Corpo de Bombeiros/Freepik)

 

O que parecia um simples almoço em família, em Patrocínio (MG), terminou em um grave caso de intoxicação. As folhas, colhidas no quintal e preparadas como couve, eram, na verdade, de Nicotiana glauca, popularmente conhecida como “falsa couve”, uma planta tóxica que contém a substância anabasina, capaz de causar paralisia muscular e até levar à morte.

“A anabasina tem uma estrutura química muito semelhante à nicotina, porém, é muito mais tóxica”, explica Amanda Danuello, professora do Instituto de Química da Universidade Federal de Uberlândia (IQ/UFU), com atuação na área de Química Orgânica. “Ela [anabasina] age no sistema nervoso, provocando taquicardia, tremores e, em casos graves, paralisia dos músculos respiratórios”, completa.

O erro de identificação é o ponto de partida do problema. A planta, que cresce espontaneamente em áreas urbanas e rurais, se assemelha à aparência da couve-manteiga (Brassica oleracea), sendo colhida indevidamente para o consumo. 

Casos como o de Patrocínio não são raros. A confusão entre plantas comestíveis e tóxicas é um fenômeno comum, relacionado ao mimetismo visual (adaptação de um organismo para imitar visualmente outro ser vivo) e à falta de conhecimento botânico. Plantas perigosas, muitas vezes, crescem em meio a espécies seguras, aumentando o risco de coleta acidental. O alerta é claro: a procedência do alimento é tão importante quanto seu preparo.

Danuello destaca que o Brasil tem diversos exemplos de pares de vegetais que geram confusão e que o perigo químico é o fator determinante. Um exemplo clássico é a mandioca brava, que se assemelha à mandioca mansa (aipim ou macaxeira), usada na alimentação. “A mandioca brava contém compostos capazes de liberar ácido cianídrico (HCN), uma substância altamente tóxica que impede as células de utilizarem o oxigênio, podendo causar falta de ar, convulsões e até a morte. No entanto, ela pode ser utilizada pela indústria para produzir farinha, polvilho e fécula, desde que passe por processos adequados que removem o veneno”, explica a docente.

Outro exemplo é a taioba brava, que contém cristais de oxalato de cálcio que causam irritação intensa na boca e na garganta, podendo levar ao inchaço e à dificuldade para respirar. “Do ponto de vista químico, o perigo está nessas substâncias produzidas naturalmente pelas plantas como forma de defesa, que, mesmo em pequenas quantidades, podem causar desde irritações leves até intoxicações graves”, pontua Danuello.

Vale destacar que muitos chás amplamente consumidos pela população também podem ser tóxicos se ingeridos em excesso ou em concentrações elevadas. A pesquisadora explica que o risco é ainda maior quando essas plantas são consumidas na forma de cápsulas ou produtos para emagrecimento, sem qualquer controle ou regulamentação: “Um exemplo é o chá verde (Camellia sinensis), que em doses muito altas pode causar toxicidade hepática (danos ao fígado). Por isso, o ideal é nunca consumir plantas sem identificação e quantidades seguras, mesmo que se pareçam com espécies conhecidas”.

 

Chá verde
Outros alimentos naturais podem ser confundidos ou se tornarem tóxicos se consumidos em grandes quantidades. (Foto: Freepik)

 

A professora detalha o impacto do modo de preparo da “falsa couve”: "o cozimento comum não destrói a anabasina, pois essa substância só se degrada em temperaturas muito altas, bem acima das alcançadas no preparo doméstico. Na verdade, o calor pode até aumentar o risco, porque rompe as células da planta e libera mais anabasina, facilitando sua absorção pelo corpo".

A gravidade da intoxicação é determinada por diversos fatores, mas a dose é crucial. Estudos indicam que cerca de 30 miligramas (0,03 g) de anabasina podem ser suficientes para matar um adulto. Poucas folhas já podem conter uma dose perigosa e, por isso, é importante reforçar que não existe quantidade segura de “falsa couve” para consumo. No caso ocorrido em Patrocínio, um homem de 60 anos está em estado grave, um de 64 anos foi extubado e uma mulher de 37 anos morreu.

Danuello explica como diferenciar os alimentos mais comuns de serem confundidos: as folhas da Nicotiana glauca costumam ser menores, mais estreitas e mais alongadas do que as da couve comestível. Sua cor é um verde mais acinzentado. Já a couve verdadeira tem folhas maiores, largas e de um verde mais vivo e intenso. Outro ponto importante é a textura: as folhas da couve que comemos são mais grossas e firmes, com nervuras bem marcadas e superfície mais áspera. Já as folhas da “falsa couve” são mais finas, lisas e ligeiramente cerosas, com nervuras menos evidentes.

No caso da taioba brava, suas folhas e talos apresentam coloração arroxeada, enquanto a taioba comestível tem talo totalmente verde. Essa diferença de cor é uma das formas mais seguras de distinguir as duas espécies. Já no caso da mandioca brava, não há diferenças visuais confiáveis em relação à mandioca mansa, pois tanto a planta quanto a raiz são muito semelhantes. Por isso, é fundamental não consumir mandiocas de origem desconhecida. 

A principal regra de segurança é simples e essencial: se não tiver certeza sobre a espécie da planta, o mais seguro é não consumir. A pesquisadora reforça que o consumo deve ser feito apenas de vegetais de procedência conhecida e garantida. 

A UFU desempenha papel fundamental tanto na pesquisa quanto na divulgação do conhecimento sobre plantas nativas e suas possíveis toxicidades. “Pesquisadores de diferentes áreas trabalham na identificação, isolamento e caracterização de compostos químicos presentes nas plantas, além de avaliar seus efeitos biológicos, o que permite distinguir substâncias seguras daquelas potencialmente perigosas”, explica a docente.

Por meio de projetos de extensão e ações de divulgação científica, a universidade pode levar esse conhecimento à sociedade, ajudando a prevenir intoxicações, promovendo o uso responsável das plantas brasileiras e contribuindo para a preservação da biodiversidade.

Em entrevista para a TV Globo, Danuello detalha o caso da “falsa couve”:

 

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Palavras-chave: falsa couve couve intoxicação

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