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EDUCAÇÃO

Mestrandos investigam os desafios da educação dentro dos presídios

As dissertações de mestrado foram realizadas a partir de relatos de professores e outros profissionais

Publicado em 17/06/2020 às 14:00 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:52

Cerca de 15% dos presos brasileiros estão envolvidos com atividade educacional, de acordo com o censo penitenciário de 2019 (Foto: Marko Lovric/Pixabay)

Duas dissertações, de áreas distintas, foram defendidas no início do ano na UFU sobre o tema. A primeira  abordou a educação como ferramenta de ressocialização: ela foi escrita pelo psicólogo Charles Magalhães de Araújo, no programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. A segunda foi escrita pela Walkiria Felix Dias - professora substituta de Inglês no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais. Ela entrevistou professores de línguas no contexto de educação prisional. A pesquisa faz parte do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos.

Essas pesquisas são importantes porque buscam entender a aplicação do direito à educação, e podem servir de base para a elaboração de políticas públicas específicas para a população carcerária. Também seria possível usar as pesquisas para produzir material didático que compreenda as particularidades desse contexto.

Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Dezembro de 2019. Departamento Penitenciário Nacional. (Arte: Anna Cauhy)

 

 Contexto da educação prisional

A Lei de Execução Penal entrou em vigor no ano de 1984. Ela trouxe a assistência educacional na seção V como direito do preso. Em 2015, foram acrescentados alguns artigos à lei que dão garantia para acesso ao ensino médio, à educação de jovens e adultos (EJA) e à educação profissionalizante nos presídios. Além disso, o censo penitenciário passou a apresentar mais informações, como estrutura de bibliotecas, nível escolar dos indivíduos quando chegam às unidades prisionais e o número de participantes das ações educacionais.

Araújo, psicólogo em um presídio há 5 anos, conhece de perto a aplicação dessa lei: ele é coordenador do núcleo de ensino e profissionalização de onde trabalha. “Nem todo presídio tem escola ou estrutura. Eu já trabalhei em outra unidade prisional que não tinha. Na que trabalho atualmente, temos duas salas de aula para poder abrigar quatro turmas, duas de manhã e duas à tarde”, explica o pesquisador.

O psicólogo acredita que poucos indivíduos privados de liberdade  têm acesso à educação devido à falta de estrutura e apoio. Antes de assistir às aulas ou trabalhar, eles passam por uma avaliação psicológica, comportamental e do histórico escolar - para verificar se a série em que pararam  está disponível. Essa avaliação é feita por um comitê multidisciplinar, que envolve o psicólogo, assistentes sociais, enfermeiros e outros profissionais.  A avaliação da comissão técnica resulta em um documento nomeado ‘plano individualizado de ressocialização’.

“Às vezes as pessoas não sabem que existe uma escola em um presídio, não sabem que os presos trabalham. Então, eu procuro divulgar essas informações por meio da minha dissertação e dos trabalhos que eu faço. A falta de conhecimento sobre uma unidade prisional gera preconceito e estigma”, justifica Araújo.

 

Para os professores

Os professores entrevistados por Araújo relataram insegurança nos primeiros dias. Porém, esse sentimento foi sumindo conforme os docentes percebiam que estão lecionando em uma sala de aula como outra qualquer.

“Notei na pesquisa que os professores realmente gostam do que fazem. Eles gostam de trabalhar, comentam muito sobre o progresso dos alunos, então a gente vê no olhar deles a satisfação de poder fazer o bem. Eles acreditam nessa educação. Uma pessoa que não acredita que a educação pode valer a pena não vai conseguir dar aula no contexto prisional”, explica.

Walkiria Dias, professora de Inglês formada pela UFU, optou por pesquisar o discurso dos professores que já trabalharam no ensino de línguas em contexto prisional. Esse tema é pouco discutido na Linguística Aplicada. 

“Para os professores, a educação prisional é representada como uma instância libertadora e humanizadora. Os docentes também relataram que precisam resistir ao discurso de que bandido bom é bandido morto, à falta de recurso, à falta de apoio da população ao trabalho. Muitas vezes eles se sentem constrangidos de contar que dão aulas nesse contexto”, afirma a pesquisadora.

Um discurso unânime entre os entrevistados - que ficou muito marcado para a cientista - foi o de respeito dos alunos aos professores. “Por mais que financeiramente o professor não seja valorizado nesse contexto, os alunos valorizam. E eles tratam professor lá dentro como se fosse muito importante”, informa Dias.

A docente acredita que pesquisas como essa têm a importância de dar suporte - científico e acadêmico - aos professores que trabalham nesse contexto;  elas também podem gerar documentos que direcionam os produtores de materiais  didáticos. “A educação tem a ver com a vida do aluno. Então se o conhecimento não for bem articulado com a vida do indivíduo, é muito difícil a gente pensar que ele vai ressignificar as atitudes a partir desse ensino.”

 

Para os alunos

Uma novidade da pesquisa de Dias é a análise do ensino e aprendizagem de línguas do contexto da educação prisional. Nesse caso, o ensino de Inglês e Língua Portuguesa vem acompanhado do questionamento sobre a utilidade dessas disciplinas. Porém, a professora entende que a desvalorização do conteúdo acontece em quase todas as escolas regulares. Falar e escrever bem não são as únicas funções do ensino dessas disciplinas.

“No ensino de língua inglesa, muitos questionam o porquê de aprender inglês nesse contexto. De fato, não faz sentido reproduzir uma educação que acontece aqui de fora lá dentro, se o objetivo é reabilitar. O ensino de línguas deve ser pensado com o objetivo de refletir sobre a própria língua, a língua do outro, o mundo ao seu redor. Quando se aprende uma língua estrangeira, você entra em contato com o diferente, com a diversidade”, explica a professora.

Dias também ressalta a importância das aulas de linguagem e comunicação, uma vez que um sujeito que não sabe ler ou comunicar bem, por exemplo, pode não ter credibilidade para depor, falar com advogado ou às autoridades. E também não consegue ler a própria sentença, ler a carta de parentes, buscar informações. A linguagem serve para que o preso não fique dependente de outras pessoas, explica a pesquisadora.

Com anos de experiência, Araújo conclui que a educação, por si só, não insere automaticamente um egresso do sistema prisional no mercado de trabalho, mas concede uma nova percepção de vida. Para o psicólogo, “A educação faz que ele consiga interpretar melhor o mundo e aprender a ler de forma melhor. E isso já é um avanço. Há muitos que chegam quase analfabetos”.

“A pessoa vai ficar livre. Em algum momento ela vai sair. A gente tem que pensar em formas de oferecer condições para que esses sujeitos sejam reintegrados socialmente e entendam tanto seus próprios direitos, quanto a importância de respeitar os de outras pessoas”, finaliza Dias. 

Palavras-chave: Educação presídio pesquisa Divulgação Científica

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