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Ciência

Por um mundo mais digno

Celebrando o Dia da Ciência e o Dia do Pesquisador (8 de julho), o Comunica UFU homenageia os cientistas com a história de uma líder do amanhã

Publicado em 07/07/2020 às 11:18 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:52

Egressa da UFU pesquisa o Direito Internacional dos Direito Humanos. Na foto, em 2017, na ONU (foto: arquivo da pesquisadora)

Aos sete anos de idade, ela escreveu uma Constituição para sua casa. O documento previa direitos fundamentais e batata frita toda semana. Apaixonada por justiça, Natalia Brigagão também já tinha uma certeza: queria ser juíza. Ainda criança, já frequentava um campus universitário.

“Eu cresci ouvindo meus pais, que fizeram Administração na UFU, contando histórias sobre a faculdade. Passei boa parte da minha infância no Campus Santa Mônica acompanhando a minha mãe, quando ela decidiu cursar uma segunda graduação, em Arquitetura – ainda me lembro de algumas das aulas de Sociologia.”

A UFU foi parte importante também na adolescência. “Descobri que amava pesquisa desde muito cedo, no final do ensino fundamental, observando a dedicação da minha mãe na escrita do trabalho final de graduação.”

Cursar Direito era um sonho. Aos 15 anos e ainda no segundo ano do ensino médio, arriscou concorrer para a Faculdade de Direito (Fadir) da UFU. Passou, mas teve que concluir o ensino médio. 

No ano seguinte passou para a UFU novamente. E para outras três federais: de Minas Gerais (UFMG), Fluminense (UFF) e de Lavras (Ufla). Na escolha, foi levada em conta a necessidade do contato com sua família. Também pesou o fato de que, na UFU, estaria em casa.

“Hoje, olhando pra trás pra todas as oportunidades que tive e pra tudo o que pude construir, tenho certeza de que fiz a melhor escolha.”

'Eu cresci ouvindo meus pais, que fizeram Administração na UFU, contando histórias sobre a faculdade' (foto: arquivo da pesquisadora)

Graduação

Na semana de recepção do curso, no entanto, tudo mudou para a garota de 16 anos. “Quando tive que tomar uma decisão como membro do júri em um julgamento simulado, me vi indecisa, encarando uma folha em branco sem encontrar nada na minha paixão por justiça que tornasse mais fácil dar um veredito.” 

Foi um dos momentos mais significativos de sua vida. 

“Percebi que não queria passar minha vida decidindo, com base em um conjunto de evidências limitado e por vezes falho, quem é digno e quem não é, o que as pessoas merecem ou não. Minha noção de justiça nunca foi associada à retribuição ou punição, ainda que a capacidade de assumir responsabilidade pelas próprias ações seja uma das virtudes que eu mais valorizo. 

Lutar por justiça, para mim, sempre foi sobre ver o melhor em todas as pessoas, ser capaz de empatia e cuidado, defender aqueles que precisam, reconhecer que todos, sem exceção, têm valor e merecem dignidade e respeito. 

Eu encontrei o meu lugar não no sonho da magistratura, mas na defesa da dignidade humana e dos direitos humanos. A partir de então, desde meu primeiro semestre, dediquei toda a minha energia e todos os meus esforços pra essa causa, dentro e fora da academia e do mundo jurídico.” 

A dedicação foi tanta que seu Coeficiente de Rendimento Acadêmico na graduação esteve sempre acima de 95 pontos. Na Universidade de Harvard (EUA), onde fez intercâmbio durante a graduação, esse índice era 3.84 em 4.00, equivalente a 96,7.

Na UFU, a aluna coordenou o Laboratório de Direitos Humanos, da Fadir, e foi uma das coordenadoras do Curso de Formação de Defensores Populares, programa que formou centenas de líderes comunitários da região em direitos humanos em parceria com a OAB, a Defensoria Pública Estadual e o Ministério Público Federal.

Artigo

Para Harvard, ela foi como estudante visitante por um semestre letivo em 2017. Nesse tempo, fez matérias em Política e Teoria Constitucional, Políticas Públicas e Filosofia Política no Departamento de Governo e na escola de pós-graduação lato-sensu Harvard Kennedy School of Government.

“Desenvolvi pesquisa sobre um tema que investigo desde o início da faculdade: a dignidade. A dignidade humana (ou dignidade da pessoa humana) é um dos conceitos jurídicos mais importantes do nosso tempo, presente em quase 150 constituições e na maioria dos instrumentos internacionais de direitos humanos. 

No caso do Brasil, é o princípio mais relevante de todo o sistema jurídico, sendo entendida como o valor constitucional supremo e a base dos direitos fundamentais. Por isso, influencia decisões jurídicas do direito penal ao direito do trabalho ao direito civil, e se tornou uma ferramenta jurídica poderosa para promover mudanças sociais em casos que chamam os tribunais a proteger os direitos humanos.” 

Para a disciplina sobre teoria constitucional em Harvard, ela investigou como a dignidade humana se tornou um princípio constitucional no Brasil, o que lhe rendeu um artigo no periódico de história jurídica mais tradicional da língua inglesa, o American Journal of Legal History, da Oxford University Press.

“O Brasil é, por isso, um estudo de caso incrível para entender a interdependência dos direitos humanos, principalmente num contexto em que negligência dos direitos sociais vem sido apontada como uma das principais causas da crise mundial da democracia e dos direitos humanos.” 

Em 2019, Brigagão foi convidada como professora para o Curso Brasileiro Interdisciplinar em Direitos Humanos, o mais renomado da área na América do Sul (foto: arquivo da pesquisadora)

Também atuou em reuniões e negociações em direitos humanos como adviser (assessora) da Missão do Brasil junto à ONU em Nova York e pesquisou para relatórios oficiais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH-OEA).

Hoje, aos 23 anos recém-completados, Natalia Brigagão dedica-se à pesquisa do Direito Internacional dos Direitos Humanos. “Minha rotina de estudos sempre foi bem intensa. A carga horária varia, mas costumo estudar e trabalhar, em média, por volta de nove ou dez horas por dia, inclusive em muitos fins de semana.” 

Atualmente ela desenvolve, com o Relator Especial da ONU para a Extrema Pobreza e os Direitos Humanos, um relatório sobre a proteção dos direitos dos trabalhadores informais no mundo, além de analisar as políticas de proteção social em resposta à pandemia no Brasil.

Paralelamente, ela reúne e codifica dados sobre políticas públicas subnacionais brasileiras relacionadas ao coronavirus para a Oxford COVID-19 Government Response Tracker (OxCGRT), projeto da Blavatnik School of Government, escola de pós-graduação em ciência política da Universidade de Oxford.

A estudante investigou como a dignidade humana se tornou um princípio constitucional no Brasil. Na foto, em Harvard (foto: arquivo da pesquisadora)

Mestrado

Em setembro deste ano, ela inicia mestrado em Direito na Universidade de Oxford. Nessa instituição inglesa, uma das melhores do mundo, anualmente mais de 26 mil pessoas de todos os continentes concorrem a uma vaga na pós-graduação, sendo que seis mil são admitidas. 

Brigagão foi selecionada no Programa de Bolsas de Estudo e Liderança Weidenfeld-Hoffmann, que oferece 30 vagas a graduados e profissionais de destaque de países emergentes que desejam entrar nos cursos de mestrado ou doutorado.

Dos 30 Weidenfeld-Hoffmann Scholars aprovados em 2020, apenas sete foram selecionados para um novo programa de bolsas, a Kofi Annan Scholarship, do Mansfield College – um dos 38 colleges da Universidade de Oxford. A ex-aluna da UFU foi um deles.

Ela conquistou, ainda, uma das Bolsas Chevening – programa mundial de bolsas de estudo do governo britânico, concedidas a estudantes de destaque e com potencial de liderança. Elas são financiadas pelo Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido e organizações parceiras.

A estudante também foi aprovada neste ano em mestrados em Direito (LLM) na Universidade de Cambridge (Reino Unido), na London School of Economics (Inglaterra) e, com uma bolsa de estudos parcial, na New York University (EUA).

“Em um nível pessoal, na minha experiência, duas coisas ajudam muito a superar desafios. A primeira é se dedicar a algo que você realmente ama. Meu conselho é entender o que te move, o que faz você acordar de manhã, no que você poderia trabalhar por horas enquanto perde a noção do tempo. Saiba sempre o que você está buscando, por que está buscando e por quem está buscando. Encontre um objetivo que seja profundamente importante pra você e mantenha isso em mente.

Em segundo lugar, se permitir receber o apoio da sua comunidade é fundamental. É importante lembrar que não estamos sozinhos, e ter ao nosso lado membros da nossa família, amigos, colegas e professores que nos incentivam e acreditam no nosso potencial faz uma diferença imensa em tempos mais difíceis. Encontrar a própria rede de apoio, procurar e aceitar ajuda faz parte do caminho.”

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