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Ciência

Química cria sistema portátil que detecta contaminantes em combustíveis e drogas

Novo dispositivo, em fase de comercialização, faz análises em até um minuto em situações de campo

Publicado em 18/01/2018 às 17:03 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:56

Pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Química da UFU (Foto: Milton Santos)

 

As técnicas são complexas e os nomes complicados. Os resultados, ao contrário, simplificam e facilitam nossas vidas. Quando pesquisadores do Núcleo de Pesquisas em Eletroanalítica (NuPE), do Instituto de Química (IQ) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), desenvolvem, por exemplo, “métodos de análise com características portáteis envolvendo técnicas eletroanalíticas e eletroforese capilar”, de fato, criam soluções, em forma de produtos e serviços.

Os resultados destas pesquisas são aplicáveis a diversas áreas, tais como ambiental, forense, alimentícia, farmacêutica, agronegócio e biocombustíveis, e têm contribuído para imprimir mais rapidez e confiabilidade aos métodos de análises e diagnósticos, atualmente disponíveis no mercado, tanto para situações de laboratório quanto de campo.

Esse é o caso do sistema de monitoramento portátil, denominado BIASPE system (Batch Injection Analysis cell for screen printed electrodes), desenvolvido por pesquisadores do IQ/UFU em parceria com a empresa espanhola DropSens - Metrohm. Já em fase de comercialização, o sistema vai otimizar o trabalho de identificação de contaminantes e adulterantes nas inspeções feitas pelos órgãos de fiscalização e já é uma fonte de retorno econômico-financeiro para a universidade por meio dos royalties.

Esta transferência de tecnologia para o mercado amplia o reconhecimento do nível de excelência da pesquisa do programa de pós-graduação do Instituto de Química da UFU, evidenciando sua orientação para soluções de demandas da sociedade por novas tecnologias.

BIASPE cell desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Química, em parceria com a espanhola DropSens- Metrohm, permite realização de análises em situação de campo (Foto: divulgação)

“O sistema BIASPE pode ser utilizado no controle de qualidade de combustíveis, identificar presença e grau de pureza de cocaína e detectar contaminantes em formulações farmacêuticas e bebidas, entre outras aplicações”, explica o coordenador do estudo, Eduardo Richter, que é também um dos coordenadores do NuPE.

O pesquisador explica que nos projetos de iniciação científica, de mestrado e nos inéditos trabalhos de doutorado, vinculados ao NuPE, são pesquisadas diferentes aplicações para o sistema BIASPE e, com isso, a transferência de recursos para a universidade, automaticamente, será ampliada, a partir do momento em que o dispositivo passar a ser utilizado em diferentes situações de campo.

“Esse dispositivo tem várias características e um amplo campo de ação. Está presente em vários projetos que estudam novas aplicações para este sistema, que já é comercial. Então, quanto maior o número de aplicações que dermos a ele, maior será o número de unidades vendidas pela empresa parceira e a UFU, que receberá em torno de 5% por unidade vendida, ampliando o retorno sobre o investimento em pesquisa”, explica Richter. “O objetivo do grupo é reinvestir os royalties recebidos em novos projetos de pesquisa”, completa.

 

A técnica e a tecnologia

Eduardo Richter relata que a ideia de se desenvolver um sistema semelhante surgiu pela primeira vez na literatura no ano de 1991. “À época, um pesquisador norte-americano pediu a patente da ideia, mas não conseguiu desenvolver o produto e, com isso, a patente prescreveu em 2011. Em 2010 iniciamos estudos nessa linha de pesquisa aqui no IQ/UFU e tivemos nossa primeira publicação internacional do projeto em agosto daquele ano”, relembra o pesquisador.

“A partir daí testamos a tecnologia desenvolvida no IQ/UFU aplicada a um eletrodo descartável, de origem espanhola, que estava sendo testado para este tipo de análise na Europa e conseguimos um conjunto robusto, com resultados estáveis, que aumentou a eficiência e deu maior portabilidade e produtividade ao sistema de análise”, relata.

 

Eduardo Richter, um dos coordenadores do Núcleo de Pesquisas em Eletroanalítica (NuPE): UFU ganha os com royalties royalties da inovação (Foto: Milton Santos)

Além do sistema portátil mencionado acima, o grupo do IQ/UFU também desenvolve atividades de pesquisa com a técnica de eletroforese capilar – que faz a separação de moléculas, segundo sua mobilidade, sob a influência de um campo elétrico –, em parceria com o pesquisador Claudimir do Lago, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ/USP). “Apesar de se tratar de um equipamento simples e montado em laboratório, tecnologia 100% brasileira, o grupo vem obtendo resultados muito interessantes com a publicação de mais 15 artigos científicos de circulação internacional nos últimos anos”, relata Richter.

Ambas as técnicas (BIASPE e eletroforese capilar) vêm sendo empregadas no desenvolvimento de métodos de análise rápidos – com duração de menos de um minuto – para identificar a presença de substâncias adulterantes e contaminantes em diversas amostras. As duas técnicas têm características similares, tais como: baixo custo; necessidade de pouca amostra; funcionam em laboratórios simples; podem ser facilmente usadas fora do laboratório (“em campo”); e são equipamentos idealizados e/ou construídos por brasileiros.

Segundo Richter, a partir da identificação das substâncias encontradas em drogas apreendidas, é possível determinar até mesmo a origem dos materiais analisados. “Isso pode indicar, por exemplo, o país ou região de onde vieram as drogas encontradas nas amostras analisadas e essa é uma informação importante para fins forenses”.

Outra abordagem do grupo de pesquisa trata do desenvolvimento de métodos para identificação rápida de drogas adicionadas a bebidas que põem em risco a conduta e mesmo a vida de quem ingerir essa mistura. “Atualmente, o grupo vem dando maior atenção às drogas adicionadas em bebidas e conhecidas como ‘boa noite cinderela’, com o uso de escopolamina, GHB, ketamina e midazolam. Estes métodos portáteis e simples permitem identificar, no local, a natureza da substância encontrada e ajudar, por exemplo, o trabalho de peritos criminais ou mesmo de consumidores, no local de ocorrência do fato”, explica o coordenador do estudo.

 

Ensino e pesquisa

A equipe de pesquisadores do NuPE, da linha Eletroquímica Aplicada, do Programa de Pós-Graduação em Química (PPQUI/UFU), é composta atualmente por 12 alunos de doutorado, quatro de mestrado e cinco de iniciação científica.

De forma integrada – e em espaço reduzido – são desenvolvidos estudos nas áreas forense, controle de qualidade em formulações farmacêuticas, detecção de contaminantes em combustíveis, detecção de drogas e adulterantes em bebidas alcoólicas e também na aplicação de novos materiais como, a produção de materiais condutores empregando impressoras 3D no próprio laboratório.

“A impressão de materiais condutores, a partir da tecnologia de impressão 3D, adquirida com apoio da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], nos permitiu produzir materiais com eficiência em condutividade elétrica similar à obtida com produtos comerciais, feitos de ouro e platina, que são caros, com a mesma consistência e solidez de resultados e a um custo bem menor”, comemora Richter.

Por outro lado, há desafios. Criado em 2010 como programa multi-institucional, em parceria com os institutos de Química das universidades federais de Goiás (UFG) e Mato Grosso do Sul (UFMS), o doutorado do PPQUI recebeu nota quatro em sua primeira avaliação da Capes.

Segundo o coordenador do curso de doutorado do Instituto de Química, Rodrigo Alejandro Abarza Muñoz, com o crescimento e fortalecimento do programa multi-institucional, houve a separação em três programas distintos (UFU, UFG e UFMS) e, em sua segunda avaliação, sendo a primeira como programa independente, o doutorado em Química da UFU obteve nota cinco, o que caracteriza o nível de excelência em âmbito nacional, alcançado na recente avaliação relativa ao período 2013 e 2016.

 

Rodrigo Alejandro Abarza Muñoz é coordenador do curso de doutorado PPGQ/IQ/UFU e um dos coordenadores do Núcleo de Pesquisas em Eletroanalítica (NuPE) (Foto: Milton Santos)

 

Criado em março de 1998, inicialmente com o mestrado apenas, o Programa de Pós-graduação em Química da UFU recebeu, da Capes, o conceito cinco em 2013 e manteve esse patamar na última avaliação quadrienal em 2017 (quadriênio 2013-2016), juntamente com o Doutorado.

“O programa passa por um momento de acentuado crescimento em função do número de alunos que têm procurado a pós-graduação, formados pelos cursos de Licenciatura em Química e Bacharelado em Química Industrial dos campi Uberlândia e Ituiutaba da UFU, como de outras IES [Instituições de Ensino Superior] dos estados de MG, GO, SP e BA, além de candidatos do exterior, sobretudo da África, e também pela chegada de novos professores/orientadores, recém-contratados pela instituição. Estamos trabalhando também na regulamentação das normas internas e, ao mesmo tempo, procurando otimizar recursos, devido à redução do repasse financeiro à ciência brasileira e na busca de formas concretas para fomentar e incentivar os grupos de pesquisa do instituto nesses tempos de crise”, relata Muñoz.

 

Parcerias

Em atendimento ao edital de apoio à pesquisa na área de ciências forenses da Capes do ano de 2014, foi aprovado, em 2015, na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Propp/UFU), o projeto de pesquisa que deu origem a uma parceria entre pesquisadores do IQ/UFU e a Polícia Federal, que se soma às parcerias anteriores.

“Nas pesquisas na área forense temos parceria com a Universidade Federal de Goiás [UFG], com a equipe do professor Wendel Coltro, com a Universidade do Estado de São Paulo [USP], de São Paulo, com o professor Thiago Paixão e, mais recentemente, com a Polícia Federal que, por meio de aplicações reais, nos permite uma interação real com a sociedade” relata o professor Richter.

Pesquisadores do IQ/UFU também passaram a integrar, recentemente, a Rede Mineira de Ciências Forenses, formada por pesquisadores de várias universidades do Estado e de profissionais das polícias Civil e Federal de Minas Gerais. Sob coordenação da pesquisadora Clésia Nascentes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a rede de pesquisadores conseguiu a aprovação de projeto em rede junto à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), no final de 2017, o que possibilitará a implementação de novos projetos e novas parcerias.

 

Mário Santana, da Polícia Federal: “A perícia precisa sempre acompanhar a ciência porque ela se nutre da ciência” (Foto: Fabiano Goulart)

 

Pós-doutor em química, pelo IQ/UFU, o perito criminal chefe da unidade de criminalística da Polícia Federal (PF) em Uberlândia, Mário Santana, afirma que a parceria com instituições de pesquisa é vital para o trabalho da Polícia Federal. “A perícia é, basicamente, a utilização do conhecimento científico para a elucidação de crimes, envolvendo a materialidade e a autoria desses crimes. A perícia precisa sempre acompanhar a ciência porque ela se nutre da ciência. Então, o contato com a universidade e com a pesquisa é fundamental para manter o nível do exame forense compatível com a realidade científica do momento”, explica.

 

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