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Leia Cientistas

Estudantes de Medicina apresentam sintomas da Síndrome de Burnout nos últimos períodos do curso

Estudo realizado por pesquisadoras da UFU constatou que o excesso de atividades, a confusão de papéis e a desumanização do processo de trabalho provocam um alto nível de estresse entre internos de Medicina

Publicado em 03/02/2021 às 14:11 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:51

 

Foto: Pixabay, enviada pelas pesquisadoras

 

O objetivo do nosso trabalho foi conhecer os mecanismos relacionados ao crescente adoecimento entre estudantes de Medicina durante o estágio supervisionado. Além disso, buscamos suas percepções sobre a Síndrome de Burnout e as possíveis causas do aumento do estresse, o que tem ocasionado sintomas como exaustão emocional, irritabilidade, ansiedade, sintomas físicos e comprometimento das relações interpessoais e sociais.

Para isso, optamos por uma pesquisa qualitativa, realizada com 22 internos, do nono, décimo primeiro e décimo segundo períodos do curso, divididos em três grupos focais. Seus depoimentos foram interpretados segundo análise de conteúdo e foram organizados em três eixos: a identificação do Burnout, o posicionamento dos estudantes diante dessa identificação e a discussão das possíveis causas e consequências da síndrome.

Curiosamente, os estudantes matriculados no décimo período do curso não aceitaram o convite para participar da pesquisa, justificando que não seria possível compatibilizar a carga horária de suas atividades com o tempo para participarem do grupo focal. Segundo os estudantes, seria indispensável a liberação de carga horária para participarem da pesquisa – o que já apontava para um dos resultados posteriores da investigação: a subtração do tempo desses estudantes como uma das causas do Burnout.

A primeira constatação da nossa investigação foi a confusão de papéis sentida pelos internos quando ingressam no ciclo profissionalizante. Passam a exercer um trabalho profissional e sofrem as exigências de carga horária e responsabilidades dos médicos formados, mas não deixam de ser estudantes.  Esse sentimento confuso sobre que papel exercem e em que lugar estão é gerado e fomentado por usuários do serviço, docentes, preceptores, residentes e outros estudantes do curso. Os internos falam sobre uma rotina de serviço centrada e dependente da presença deles, o que parece reafirmar que são tratados como trabalhadores da instituição.

Outro ponto que aparece como resultado das conversas com os estudantes é a banalização do sofrimento, através da indiferença às suas queixas quanto a sua carga de trabalho e outros problemas; uma espécie de impedimento de olhar para o próprio sofrimento e consequentemente para o dos pacientes atendidos. Prova disso é que nenhum dos estudantes reconhecia a síndrome de Burnout nele próprio ou em seus colegas.

Os estudantes apontam para um aprendizado baseado no sofrimento e em sua naturalização, alimentada pelas agruras sofridas e tomadas como necessárias ao ensino médico. Nessa engrenagem, que perpetua a naturalização do sofrimento, ocorre uma alternância de lugares que se caracteriza por sofrer e poder-fazer-sofrer.

Estudos mostram que a prevalência de Burnout entre estudantes de Medicina fica em torno de 25%. Como a síndrome está intimamente relacionada a condições psicológicas, estresse exacerbado e insatisfação, não foi surpresa encontrar sintomas da síndrome entre os participantes deste trabalho. Pesquisas revelam que o sentimento de frustração é comum entre os estudantes de Medicina, principalmente por causa da falta de apoio oferecido pelos professores e da sobrecarga de atividades acadêmicas. As mesmas condições foram encontradas no grupo estudado.

Algumas das consequências deste quadro são a automedicação entre os estudantes, o silenciamento quanto aos seus problemas, aqui revelados, e o alto índice de suicídios – a segunda maior causa de morte no meio médico.

Acreditamos que a maior contribuição desta pesquisa foi demonstrar como a distribuição do (não)tempo torna-se um dispositivo de controle sobre os estudantes. Subtrair o tempo é retirar do sujeito a possibilidade de pensar e, consequentemente, a liberdade de escolher. Torna-se um processo sutil de desumanização.

O processo de ensino-aprendizagem adotado no estágio supervisionado necessita ser reavaliado pelos envolvidos. Não é possível uma relação ensino-serviço na qual os lugares são confusos e parecem anular todo o investimento pedagógico que orienta o currículo nos outros ciclos da graduação. Para isso, o conhecimento sobre Burnout, resposta emocional ao estresse crônico, parece ser peça-chave para rever questões institucionais que contribuam para a qualificação do ensino médico.

É preciso construir pontes para devolver aos estudantes no internato a condição de aprendiz e o direito a ter uma formação de fato, conforme preconizam as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN).

O estudo mais detalhado foi publicado na Revista Brasileira de Educação Médica, sob o título Fluxo do esgotamento: interrogando o processo de produção do tempo/cansaço no internato médico, na edição de janeiro de 2021. 

*Mariana Hasse e Flávia do Bonsucesso Teixeira são docentes da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e professoras permanentes do Programa de Mestrado Profissional em Saúde da Família (ProfSaúde) da FAMED-UFU.

**Suellen Magalhães Dias de Oliveira é médica de família e comunidade e mestre em saúde da família pela FAMED-UFU.

 

 

Em resposta à seção Leia Cientistas do portal Comunica UFU, a Gerência de Ensino e Pesquisa do Hospital de Clínicas (HC/UFU) enviou a seguinte nota:

"Em relação ao artigo científico: “Fluxo do esgotamento: interrogando o processo de produção do tempo/ cansaço no internato médico” que realizou uma pesquisa com os estudantes matriculados no estágio curricular obrigatório em Regime de Internato do Curso de Graduação em Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), o Hospital de Clínicas da UFU (HC-UFU) comenta sobre o trecho a seguir.

“Os internos falam sobre uma rotina de serviço centrada e dependente da presença deles, o que parece reafirmar que são tratados como trabalhadores da instituição.”

O HC-UFU reitera que os estudantes do curso de Medicina realizam atendimentos aos usuários do Sistema Único de Saúde e são supervisionados por médicos de diversas especialidades em variados cenários como nas áreas de urgência e emergência, enfermarias, centros cirúrgicos e ambulatórios do complexo hospitalar. As atividades são desenvolvidas em consonância com o Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em Medicina e dos Planos de Ensino das disciplinas do ciclo profissional. 

Os estudantes são valorizados pelas equipes médicas, sendo que no âmbito do hospital de ensino os profissionais são responsáveis pela formação de recursos humanos para a área da saúde e colaboram neste processo de ensino-aprendizagem. 

Neste aspecto, os estudantes vivenciam a realidade do trabalho na área de saúde, em toda a sua intensidade e desafios, porém os serviços funcionam independentemente da presença dos estudantes, pois não são responsáveis pelo atendimento da demanda assistencial e não respondem pelas ações administrativas de cada setor. 

 

Gerência de Ensino e Pesquisa do HC-UFU

Superintendência do HC-UFU"

 
 

 

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Palavras-chave: Leia Cientistas Medicina Divulgação Científica

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