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Ciência

A voz das mulheres da UFU na ciência

Em comemoração ao Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, o portal Comunica UFU entrevista algumas pesquisadoras da universidade

Publicado em 10/02/2021 às 17:49 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:51

 

No dia 11 de fevereiro é comemorado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, proposta da parceria entre a ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PELA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA (UNESCO) e a ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) MULHERES, aprovada em 2015. A data é marcada pela promoção da igualdade de direitos entre homens e mulheres na educação, especialmente nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (Science, Technology, Engineering and Mathematics – STEM).

Em pesquisa divulgada em 2018 pela UNESCO, "DECIFRAR O CÓDIGO: EDUCAÇÃO DE MENINAS E MULHERES EM CIÊNCIAS, TECNOLOGIA, ENGENHARIA E MATEMÁTICA (STEM)", dados mostraram que menos de 30% dos pesquisadores do mundo são mulheres. Ainda de acordo com a pesquisa, as mulheres representam apenas 35% dos estudantes matriculados em áreas de estudo relacionadas a STEM.

 

 

No Brasil, a revista Gênero e Número publicou em 2018 uma PESQUISA com dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), mostrando que em áreas como engenharia e ciências exatas, os homens são maioria na quantidade de bolsas.

 

 

Conversamos com algumas professoras e alunas da UFU para saber um pouco mais sobre suas experiências. São elas:

 

Amanda Danuello: Professora do Instituto de Química (IQ-UFU), é pós-doutora pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e desenvolve pesquisas na área de Química Orgânica.

Brunna Silva: Mestranda em Educação da UFU na linha de pesquisa Ciências e Matemática, é formada em Ciências Biológicas também pela UFU.

Elaine de Faria: Professora da Faculdade de Ciência da Computação (Facom/UFU), fez sua graduação e mestrado na UFU, doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e sua área de pesquisa é Inteligência Artificial.

Elenita Silva: Professora da Faculdade de Educação (Faced/UFU), tem graduação em Ciências com habilitação em Biologia pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e mestrado e doutorado em educação. Desenvolve pesquisas na área dos estudos de corpo, gênero e sexualidade.

Fernanda Silva: Doutoranda e Mestre em Engenharia Biomédica pela UFU, é formada em Sistemas Para Internet pelo Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM) e em Pedagogia pela Faculdade de Ciências de Wenceslau Braz (FACIBRA).

Katia Facure: Professora do Instituto de Ciências Exatas e Naturais do Pontal (ICENP-UFU), possui graduação em Ciências Biológicas, mestrado e doutorado em Ecologia, todos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Sua área de atuação envolve Ecologia e Mastozoologia.

 

Como foi o processo de escolha da sua área de estudo? O que te motivou?

 

Amanda Danuello: Quando criança adorava misturar produtos de limpeza e/ou alimentos (escondida dos meus pais) para ver se mudava de cor ou cheiro. Além disso, sempre fui muito curiosa, característica inerente a qualquer cientista, e adorava brincar de escolinha, sendo que eu sempre era a professora. Quando tinha 13 anos tive o primeiro contato com uma aula de química, me apaixonei e sabia que queria alguma coisa relacionada a essa área. Aos 17 anos, prestei vestibular para Química e Engenharia Química, fui aprovada para os dois, mas escolhi Química por saber que nesse curso aprofundaria mais meus conhecimentos no que realmente gostava. Na graduação me encantei pela Química Orgânica, especificamente pela Química Medicinal, pois achei fascinante estudar e compreender a química envolvida nos processos biológicos e usar esse conhecimento para planejar fármacos capazes de atuarem de forma seletiva e eficaz para determinada patologia. Com a pandemia de Covid-19 pude constatar, mais uma vez, a importância e grandeza dessa área de atuação.

 

Amanda Danuello (Foto: arquivo pessoal)

 

Brunna Silva: Cresci em uma comunidade periférica, portanto, usufrui do ensino público durante toda minha trajetória escolar. Cresceram comigo algumas inquietações. Ao final da graduação, em meus estágios, optei por ministrar aulas em escolas periféricas no turno noturno. Novamente me deparei com as mesmas inquietações e outras novas e não menos inquietantes. Assim que me tornei professora, trabalhei novamente com o ensino na periferia e percebi que havia vários de mim ali, vários adolescentes desacreditados, sem perspectiva, esforçados, mas sem muita esperança, cansados do trabalho, se sentindo despreparados e muito distantes de um ensino superior, uma faculdade. Uma educação completamente eurocêntrica e uma sociedade moldada às bases do racismo estrutural fazem o jovem negro internalizar em si que sua ascensão é inalcançável. Como bióloga sei o quanto a ciência, seja nos laboratórios ou livros, nos faz acreditar que essa esfera não nos compete, logo trabalhar com as relações étnico-raciais é uma forma de subsidiar potencialmente transformações na educação e consequentemente no âmbito científico.

Elaine de Faria: A escolha do meu curso de graduação foi motivada pela minha paixão pelas exatas. Eu sempre gostei muito de matemática, mas naquela época acreditava que eu não queria ser professora. Então decidi não fazer Matemática, mas encontrar um curso que usasse bastante matemática. Nessa busca encontrei o curso de Ciência da Computação. Realmente fiz a escolha certa. Ao terminar o curso de graduação, logo percebi que minha motivação era fazer pesquisa. Trabalhei no mercado de trabalho, mas paralelamente comecei o mestrado. Logo vi que minha carreira seria acadêmica.

Elenita Silva: O processo e as motivações para a área de estudo na qual estou inserida estão associadas aos contextos de minha vida. De um lado, sou filha de um trabalhador rural e uma dona de casa e professora leiga, ambos frequentaram a escola até o segundo ano primário. Nasci em uma cidade do Centro-Oeste baiano (Barreiras-BA), vivi e estudei até os 11 anos em escolas públicas da zona rural de um município do centro-norte baiano (Antônio Cardoso-BA). Fui alfabetizada por Professora Leiga. Na adolescência e até o ingresso no Curso de Licenciatura Plena em Ciências – Habilitação em Biologia, em 1983, na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) – BA, não tinha desejo de ser professora ou de ser pesquisadora na área da educação. Desejava trabalhar na área de saúde, e, igualmente, desejava estudar e trabalhar em alguma área técnica. O fundamental, para mim, era ter uma profissão e trabalho. Como menina pobre, da zona rural, o que me motivava era o forte desejo de sobreviver e contribuir com a minha mãe e meu pai a termos uma vida digna e decente. A sobrevivência e o desejo de sair da roça, de ter trabalho e profissão fez parte de meu processo formativo e foram as motivações primeiras. O ingresso no Curso Superior foi motivado por esse desejo de mudança de vida e de condições econômicas. Os parcos recursos sociais, culturais e econômicos do meu pai e da minha mãe, muito melhores do que o da maioria das famílias vizinhas a nós, me possibilitaram trilhar o caminho da escola até a universidade pública. Eles, por exemplo, puderam pagar as mensalidades da universidade que, embora pública, não era gratuita no primeiro ano do curso que realizei. O vestibular para a Licenciatura Plena em Ciências foi motivado pela indicação de um grande amigo, Mário Antônio Leal, que já era estudante do curso. Ele me disse, na porta do banco quando ia pagar a inscrição do vestibular: “Não se inscreva para Enfermagem (o curso que pretendia fazer). Se inscreva para um curso menos concorrido, que você pode passar”. Segui o conselho do meu amigo e fui aprovada no vestibular da UEFS. No segundo semestre do curso, esse mesmo amigo me convidou para dar aulas numa escola que trabalhava. Uma escola privada, sem registro do Ministério da Educação, que contratava estudantes de graduação sem Carteira de Trabalho assinada. Foi nesse lugar que fui tomada pela área da Educação. A experiência de “dar aula”, de “ser professora” me atravessou. E não há palavras capazes de expressão dessa experiência, daquilo que me tocou e toca, que me acontece, que sinto, como bem nos ensina o educador espanhol Jorge Larrosa Bondiá. Obviamente, que tenho razões objetivas para dizer do porquê sou Pesquisadora em Educação, em Educação em Ciências, corpo, gênero e sexualidade. Dentre elas, o meu profundo interesse pelas explicações produzidas, histórica, social, cultural e economicamente, nos campos das Ciências Humanas, das Ciências da Natureza, dos grupamentos não acadêmicos, sobre a espécie Homo sapiens e sobre os conceitos e funções produtores/as da ideia homem, da ideia mulher, das ideias corpo, gênero e sexualidade. Um interesse que se constituiu pela intricada relação entre o que vivia e vivo na condição de menina/mulher/professora/pesquisadora e as bases explicativas utilizadas pelas diversas instituições sociais: Família, Igreja, Estado, Escola, Judiciário. Pois, a partir delas foi e tem sido possível pensar sobre o quanto podemos lançar bombas ou soltar pombas na produção das Sociedades; o quanto podemos produzir modos vida, de sociedade de fazer ciência e educação decentes, dignos, justos e democráticos. De, efetivamente, oferecer possibilidades de escolhas a todas as meninas e meninos de todas as classes sociais, raças/etnias, gêneros, sexualidades, corpos, locais de moradias de nosso país. Não tive muita escolha, mas sei que há muitas que não tiveram e não têm escolha alguma.

Fernanda Silva: Sempre me interessei bastante por inovações tecnológicas. Conclui a graduação em Sistemas para Internet pelo Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM) em 2015, e durante meu Trabalho de Conclusão de Curso desenvolvi um sistema para rastrear poses e movimentos utilizando dispositivo Kinect, o que me motivou a continuar desenvolvendo ferramentas tecnológicas voltadas para a área da saúde, por isto escolhi o Programa de Pós Graduação em Engenharia Biomédica (UFU) para seguir na vida acadêmica.

Katia Facure: Eu acredito que as experiências que vivemos na infância contribuem para a nossa escolha profissional. Então, eu atribuo a minha escolha ao fato de ter crescido em uma família que desde cedo me estimulou a gostar e cuidar de animais. Meus pais sempre me ensinaram a admirar a Natureza e a nossa casa sempre teve muitos bichos. Não apenas gatos e cachorros domésticos, mas também um papagaio, um casal de jabutis e seus filhotes, um coelho, um marreco, cinco gansos, várias galinhas e outras espécies de aves. Eu ajudava a cuidar de todos esses animais, preparando a alimentação e tratando quando ficavam doentes. Nessa época, eu pensava que me tornaria Médica Veterinária, mas, ao terminar o Ensino Médio, conheci o curso de Ciências Biológicas e percebi que era o que eu realmente gostaria de fazer, porque assim poderia trabalhar com animais silvestres livres nos seus ambientes naturais.

 

Qual sua experiência como estudante e pesquisadora da área?

 

Amanda Danuello: Como mestranda e doutoranda fui orientada por uma das maiores pesquisadoras na área da Química, a professora Vanderlan da Silva Bolzani. Isso fez toda a diferença na minha formação, não só pela capacidade científica que ela possui, mas por ser uma mulher tão forte e desbravadora. Dessa forma, mesmo observando uma maioria esmagadora de profissionais homens bem-sucedidos na minha área, a presença tão próxima dela sempre foi um combustível para mim. Entre meus colegas estudantes, o número de homens e mulheres era muito próximo, porém como professora pesquisadora a representatividade feminina diminui drasticamente e quando avaliamos cargos de gestão/coordenação, esse número é ainda menor. Por exemplo, atualmente sou a coordenadora geral do Programa de Pós-Graduação Multicêntrico em Química de Minas Gerais (PPGMQ-MG), que é formado por 11 instituições federais mineiras e sou a única mulher no colegiado geral do programa. É muito comum minha participação em reuniões onde sou a única ou uma das poucas mulheres no ambiente.

Brunna Silva: Acredito que é uma experiência positiva, porém, muitas vezes, dolorosa! Trabalhar com as questões étnico-raciais sendo uma pessoa preta envolve um desdobramento emocional muito grande. Fora isso, levar a temática para espaços completamente embranquecidos, como a universidade, é um grande desafio e que requer coragem! Nem todos estão prontos para de fato encararem a situação ou mesmo debaterem saudavelmente a respeito. Há tentativas de descredibilizar nossa fala, “contornarem os fatos” ou mesmo, minimizar nossas necessidades e direitos. Sigo firme, é um trabalho de formiguinha que unido a outros consegue favorecer a transformação social. Entendo não só minha pesquisa como a de todos pesquisadores pretos, como uma questão de honra e orgulho aos nossos ancestrais.

 

Brunna Silva (Foto: arquivo pessoal)

 

Elaine de Faria: A Computação é uma área muito atraente. O mercado está bastante aquecido e os alunos são contratados pelas empresas ainda sem terem terminado o curso. No mercado de trabalho, eu tive experiência na área de desenvolvimento e modelagem de software, o que foi muito importante para aprimorar meus conhecimentos e conhecer a realidade do mercado de trabalho. Pude aprender novas tecnologias, conhecer e entender o funcionamento de uma empresa que desenvolve software. Como pesquisadora, a minha área de atuação na Computação é a Inteligência Artificial. Fiz meu doutorado na USP de São Carlos e um estágio na Universidade do Porto, em Portugal. Tive a oportunidade de conviver com grandes pesquisadores da área de Inteligência Artificial e aprender bastante com eles. A Inteligência Artificial é uma área de bastante destaque no cenário mundial. Estou tendo a oportunidade de fazer projetos que são aplicados a problemas reais e estabelecer parcerias com empresas e instituições para tentar extrair conhecimento a partir de grandes bases de dados. Várias profissionais do mercado têm procurado nosso programa de pós-graduação em busca de uma maior qualificação. Aplicar os algoritmos e técnicas que desenvolvemos na minha área em problemas reais tem me motivado bastante.

Elenita Silva: Retomando o que já iniciei com a pergunta anterior, penso na experiência como aquilo que nos passa, que nos acontece (BONDIA, 2002). Nesse sentido, foram e são muitas as sensações, os sentimentos vividos e experienciados. O desejo pela profissão docente na educação básica, e depois no ensino superior pela pesquisa na área de Educação, e nessa no campo dos estudos de corpo, gênero, sexualidade e educação (em Ciências), foi/é movido por experiências singulares que não estiveram nem estão circunscritas apenas a escola e/ou à universidade. As pessoas e seus modos de vida sempre me importaram. As injustiças, as violências, as desigualdades de vidas sempre me importaram. De modo igual, o desejo de ter uma vida decente, digna, nunca foi apenas individual. Tudo isso, aliado ao que o tempo de sociedade e familiar em que vivi (a minha mãe, em especial, e o meu pai), me possibilitou estar sempre em estado de inquietação. A mobilização deles em torno da defesa da vida, depois dos grupos de jovens, das pastorais e igreja populares, do acompanhamento do movimento estudantil, dos sindicatos docentes e outros, somado a um conjunto de leituras de autores/as de vários campos de conhecimento que me apresentavam muitas respostas e um número sem fim de outras perguntas sobre o mundo e o modo de viver e de dizer sobre os outros. A minha experiência como estudante sempre foi permeada pelo profundo desejo de conhecimento; pelo desejo de mudança de vida.  A escola me permitia acessar coisas novas, pessoas novas. Me permitia a amizade com o conhecimento e com as pessoas. Sempre estudei em escolas públicas. Nelas, apesar de todo o abandono do Estado, eu sempre encontrei quem me colocasse a disposição conhecimentos novos: o lirismo, o Barroco, o Renascimento, a Escola de Arte Moderna, a Geografia Econômica, a Trigonometria, os Números Complexos, A Geometria, A Citologia, a Botânica, A Anatomia, a Língua Inglesa, os Modelos Químicos, a escrita de cartas, de telegramas. Encontrei também amizades, paixões, amores. Encontrei os saberes e os modos como eles são produzidos, e como por eles são produzidas a pessoas. Mas, sobretudo, encontrei pessoas que me permitiram ver e acreditar que não era/é fácil nem simples, mas que eu poderia também produzir textos, explicações e “dar a pensar” o não pensado a outras e outros iguais a mim. Aí sim, pude escolher ser professora de escolas e instituições públicas. Para que nelas, pudesse assumir a tarefa de, com a minha experiência, forjar outras experiências. Na condição de pesquisadora, de um campo que se ocupa das constituições e configurações de existências, as experiências que vivo e sinto são preponderantemente aquelas que me permitem pensar com outras pessoas sobre o que fazem de nós e o que fazemos de nós. O que fazem de nós os legisladores, os executivos, os estadistas, os familiares, os/as professores/as, os/as cientistas, os/as médicos/as, os pastores? O que fazemos de nós, nós mesmos? O que fazem com nossos corpos, nossos desejos? Por que fazem (e fazemos) o que fazem?  Essas perguntas, por exemplo, me permitem pensar e apresentar as Histórias (da Ciência, das Religiões, da Educação etc.) e os pensamentos e conhecimentos delas advindos; pensar e discutir por quê, como e para quê se produzem saberes únicos e não plurais sobre o sexo, a sexualidade, ser homem, mulher, humano. Assim, são múltiplas e variadas as experiências que vivo e sinto, nesses encontros com as pessoas e os seus/nossos saberes. Elas são fundamentais para o modo como eu e meu grupo de pesquisa penso/pensamos e defendo/defendemos a educação (escolarizada ou não). Com isso, paradoxalmente, quero dizer que, embora impossível de registro, é possível registrar que a minha experiência como estudante e pesquisadora é ser, ao mesmo tempo, única e múltipla; é da defesa absoluta da possibilidade de sonhar com outros possíveis: mulheres livres, donas de nossos corpos; vivências não binárias de gênero (ou se é homem ou se é mulher); vivências plurais das sexualidades – desejo não se aprisiona; justiça socioambiental; Educação e Saúde para todas as pessoas; garantia e seguridade a todas as pessoas de todos os bens e serviços que o desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico favorece nos tempos contemporâneos e em outros que virão. Por fim, a minha experiência também é marcada pela amizade com o conhecimento, com um grupo grande de pessoas do Brasil e de outros países, homens gays, mulheres lésbicas, trans, homens e mulheres heterossexuais, comprometido com a defesa da diferença. Uma experiência singular de encontro com pessoas, de múltiplos campos acadêmicos, que cria e produz, de modo sério, ético e responsável, conhecimentos científicos e educativos que respondem a complexidade humana. São professoras, professores, pesquisadoras/es e estudantes que se comprometem com a vida em sua abrangência, que defendem que “todas as vidas importam” e a elas devem ser assegurados todos os direitos e conquistas tecno-científicas.

 

Elenita Silva (Foto: arquivo pessoal)

 

Fernanda Silva: Minha experiência como estudante é muito boa, tenho professores capacitados e que me dão total liberdade para me desenvolver e qualificar como pesquisadora, isso faz toda a diferença nas minhas escolhas acadêmicas e profissionais. É importante ressaltar que na Pós-Graduação em Engenharia Biomédica, a presença feminina no corpo discente é grande, muitas vindas de outras graduações na área da saúde, no entanto, mulheres vindas da tecnologia, como eu, são pouquíssimas.

Katia Facure: Eu fiz graduação em Ciências Biológicas e pós-graduação em Ecologia (mestrado e doutorado) na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Durante a graduação eu tive contato com diversas áreas interessantes, mas a Zoologia sempre foi a minha preferida, já que eu tinha me decidido pelo curso para trabalhar com animais, em especial os mamíferos carnívoros. Eu acompanhei algumas pesquisas de colegas com anuros e primatas até que, quase no final do curso, surgiu a oportunidade de trabalhar com dieta do cachorro-do-mato, uma espécie de canídeo silvestre comum em grande parte do Brasil. Isso foi em 1989 e desde então eu tenho trabalhado com dieta de canídeos e de outros vertebrados predadores, como felídeos, morcegos carnívoros, anuros, serpentes, corujas e, mais recentemente, o carcará. Meu mestrado e doutorado foram sobre ecologia alimentar dos mamíferos carnívoros em uma floresta semidecídua de altitude em Atibaia, distante cerca de 70km de Campinas. No final do doutorado nos mudamos para Uberlândia e surgiu a oportunidade de trabalhar como professora em uma faculdade particular, o que foi muito importante para que eu conseguisse uma boa colocação no concurso da UFU.

 

O que é ser uma mulher trabalhando na sua área?

 

Amanda Danunello: A Química não é considerada uma área majoritariamente masculina, pelo contrário, quando avaliamos os números de estudantes de iniciação científica, as mulheres representam mais de 50%. No entanto, quando consideramos posições mais altas da carreira, como bolsistas de produtividade ou participação em renomadas comunidades científicas, esse número está abaixo de 20%. Não é fácil avançar na carreira científica, descrevo aqui algumas das muitas frases que já escutei em espaços profissionais: “Química? Por que não escolhe algo mais fácil para você dar conta”, “Quer trabalhar na indústria? Ninguém vai te respeitar com esse rostinho”, “Não acha que deveria largar o doutorado e cuidar do seu filho?”, “Seu marido deixa você viajar sozinha?”, “Por que escolher algo tão difícil? As coisas poderiam ser muito mais fáceis para você”, “Precisa falar com o diretor? Coloca uma minissaia e vai lá falar com ele, você consegue o que quiser!”. Tenho plena consciência que me mantive na profissão pela formação e rede de apoio que tenho (minha mãe, meu marido e minha orientadora de pós-graduação), o que não acontece com muitas mulheres, infelizmente.

Brunna Silva: Eu diria resistência! O espaço científico majoritariamente composto por homens brancos acredita não haver espaço para uma mulher, se essa mulher preta então for, “não temos vagas”! Logo, enfrenta-se opressão dos dois lados: de um o machismo e de outro o racismo, não é fácil, muito menos confortável. Porém, me sinto orgulhosa de estar mexendo, mesmo que uma pecinha, em toda essa estrutura preconceituosa e excludente. No fim das contas é sobre todos os “pequenos” movimentos que levarão essa mesma estrutura a cair!

Elaine de Faria: Eu trabalho num departamento em que a maioria dos meus colegas são homens. Sinto-me respeitada e valorizada pela maioria deles. Poucas foram as situações em que eu fui denegrida por ser uma mulher. Com relação aos alunos, sinto-me também respeitada e valorizada. No papel de pesquisadora, nunca tive nenhum episódio de desrespeito ou desmerecimento por ser uma mulher. Felizmente na pesquisa, acredito que temos um papel de valorização das mulheres. Eu nunca me coloco numa posição de inferioridade frente ao trabalho. Sinto-me tão preparada para o meu trabalho quanto os meus colegas homens e chego a ver habilidades em nós mulheres, que nos colocam numa posição de destaque na área. A maior dificuldade para (nós) mulheres ainda é desempenhar o papel de professora-pesquisadora e mãe. Acredito que outros incentivos e apoios poderiam ser fornecidos, além da licença-maternidade. No mercado de trabalho, os profissionais da área trabalham muito. Muitas vezes precisam fazer hora-extra à noite ou nos finais de semana. Percebo que essa rotina fica inviável para as mulheres com filhos. Faltam programas de apoio para essas mulheres conseguirem conciliar trabalho e a maternidade.

 

Elaine de Faria (Foto: arquivo pessoal)

 

Elenita Silva: É viver contínua e permanentemente lutando para existir. É estar no front, o tempo inteiro, das múltiplas jornadas diárias. É viver defendendo que o conhecimento biológico e educativo tem responsabilidades com o que se coloca como norma e padrão a ser seguido na definição social e cultural do que pode e deve ser a mulher (também o homem), e viver defendendo que a nossa área de atuação/pesquisa é legítima e produtora de conhecimentos tão importantes quanto de qualquer outra área. É estar em estado de atenção contínuo. É enfrentar e viver o desafio não “ser mulher”, e arriscar devir mulher, devir professora, devir pesquisadora. Escapar dos rótulos, dos desejos do/a outro/a que nos deseja a mesma (servil, heterossexual, binária, submissa...).

Fernanda Silva: A área de exatas é predominantemente masculina, e na tecnologia a ausência feminina é ainda mais notável. Ser uma mulher nessa área é estar constantemente se provando capaz de superar obstáculos frutos do machismo estrutural. Apesar de pesquisas mostrarem o aumento no interesse feminino por TI, ainda há muito o que ser feito para que cursos na área de exatas tenham uma maior presença feminina.

 

Fernanda Silva (Foto: arquivo pessoal)

 

Katia Facure: Minhas pesquisas envolvem idas frequentes ao campo para a observação dos animais e coleta de amostras, posteriormente analisadas em laboratório, para caracterizar a dieta dos predadores. Durante as atividades de campo, que eram semanais na fase de coleta dos dados do meu mestrado e doutorado, aconteceram algumas situações perigosas, como encontros com animais peçonhentos, chuvas intensas que dificultaram o trânsito nas estradas de terra da área de estudo e até acidentes de carro no retorno para casa. Teria sido muito mais difícil enfrentar esses problemas sozinha. Por questão de segurança, independente de ser mulher, não é recomendado ir para o campo sem companhia e eu sempre pude contar com a companhia do meu marido, Ariovaldo Giaretta, que foi meu colega de graduação e, desde 1998, é docente e pesquisador na UFU. Além disso, durante o período que nos ausentávamos de casa, foi muito importante o apoio dos meus pais, que ficavam responsáveis por buscar nossos filhos na escola, além de ajudar em tudo que fosse preciso. Nesse aspecto, eu ainda destaco que os nossos filhos sempre participaram da nossa vida acadêmica, frequentando a universidade desde cedo e nos acompanhando em algumas viagens de campo. Eles sempre nos ouviam conversando sobre Biologia e, apesar de não terem escolhido essa área, são meus principais incentivadores.

 

De que forma incentivar mulheres e meninas a ingressarem na carreira de cientista?

 

Amanda Danuello: Por ter noção do meu privilégio e oportunidades, além de ter a consciência que muitas garotas não têm, idealizei e coordeno o Projeto de Extensão QuiMinas, feito por mulheres para as meninas. Através das redes sociais, divulgamos conteúdos mostrando o trabalho de diversas cientistas, sempre com linguagem simples e acessível. Nos preocupamos em mostrar pesquisadoras em todas as fases da carreira e de todas as áreas da ciência, pois acreditamos ser uma forma de valorizar o trabalho dessas mulheres e incentivar as meninas a seguirem a carreira de cientista.

Brunna Silva: Incentivar a leitura é um belo caminho para desadormecer a curiosidade e favorecer a criatividade! Creio que aquilo que nos move quando ainda crianças, permanece muito vivo dentro de um cientista, portanto é preciso parar de reduzir o universo infantil ao estereótipo feminino ou masculino. A liberdade da descoberta e a leitura são combustíveis importantíssimos para uma jornada científica. Ao cortar essas “imposições” baseadas rasamente em gênero, passamos a perceber que não são mais restritas as áreas de atuação profissional e que a imagem do cientista não se restringe mais ao homem branco. Nós estamos chegando lá e a ciência está ganhando cor!

Elaine de Faria: Para nós da computação, temos uma tarefa anterior que é incentivar mulheres e meninas a fazerem os cursos da área da Computação. Estamos planejando um projeto para incentivar mais mulheres e meninas a procurarem os cursos da área de Computação e se sentirem também capazes de seguir essa área. Uma das formas de se fazer isso é levar conhecimento sobre Computação para as alunas do ensino médio e fundamental. É mostrar para essas alunas o que um profissional da área pode fazer. É mostrar que a Computação é uma opção de curso para as meninas, que a Computação envolve pessoas, que melhora a vida das pessoas e que precisamos de mulheres para assumir cargos nessa área.

Elenita Silva: Apresentando-lhes as ferramentas e bases explicativas que as produzem (e a nós) como incapazes para tais carreiras. Fazer isso de modo que se possa objetiva e subjetivamente possibilitar os rasgos com os padrões e normas que nos constituem as mulheres em processos de heteronomia e não de autonomia, como já nos alertava Marilena Chauí e muitas outras pesquisadoras feministas das grandes áreas das Ciências Humanas e da Natureza, na década de 1990. Defendo que um dos caminhos mais sólidos para dar a ver e a pensar que a mulher, qualquer mulher - alinhada sexo-gênero ou não, pertencente a qualquer camada social, econômica, a qualquer grupamento étnico-racial, sexual, etário/geracional, local de moradia, pode desejar uma carreira científica e a Educação. Por processos educativos, escolares e não escolares, é possível tanto a distribuição quanto a disponibilização de textos múltiplos - escritos, imagéticos, orais, artísticos, produzidos por e sob o ponto de vista feminista, sob o ponto de vista das mulheres. A democratização de textos e práticas sociais e culturais é tarefa a ser realizada pela Escola da Educação Básica, pela Universidade, principais agências formativas em nossa sociedade, país e cidade. Tal democratização requer o desencadeamento de políticas públicas e institucionais que considerem todas as mulheres, em suas múltiplas experiências, mas como sujeitos de direitos. Políticas que assegurem, não apenas o acesso das mulheres a agências formativas (como a Escola ou a Universidade) em toda e qualquer área de conhecimento, mas a sua permanência nela. Isso requer políticas sérias, factíveis, de seguridade à vida e a existência de mulheres sem medo nas instituições acadêmicas: sem medo de falar, de produzir, de pesquisar, de ser feliz. Políticas que eduquem para a não admissão da discriminação, intimidação, silenciamentos, apagamentos ou rebaixamentos de nossas experiências e existências mulheres/pesquisadoras, particularmente, dos campos dos estudos de corpo, gênero, sexualidade e Educação. Políticas com ações permanentes e contínuas, com vistas não apenas a punição dos agentes infratores aos nossos direitos (por exemplo, direito de não sermos assediadas moral/sexualmente no espaço do trabalho), mas com ações e programas de instauração de “novas educações”, “novas condutas” nas relações e práticas institucionais. Sabemos da inexistência de políticas institucionais de incentivos a presença de mulheres nos chamados altos cargos e funções de gestão administrativa, pedagógica e acadêmica. O incentivo a mulheres e meninas em carreiras científicas também deve significar dizer a elas que, do ponto de vista do exercício profissional elas poderão desejar qualquer função e atribuição de cargo. Cabe dizer que hoje, graças a lutas de muitas outras antes de nós, conseguimos alcançar esses cargos e funções, mas ainda estamos longe de chegarmos a eles sem os assombros dos questionamentos e das desconfianças de que não seremos ou não somos, suficientemente, capazes. Desejo, todo desejo é político, que nossa existência e movimentação institucional, como mulheres pesquisadoras, sejam ética, política, institucional e academicamente admitidas por todos/as. Afirmar isso, teórico-praticamente, é incentivar mulheres e meninas a ingressarem na carreira de cientista. Apresentá-las aos conhecimentos produzidos historicamente sem negar aqueles que foram ditos considerando as existências das mulheres e de suas produções de conhecimentos, fora dos, tão atuais, modelos negacionistas e obscurantistas. É mais do que incentivar, mas assegurá-las de que outra ciência e história podem ser produzidas com e por elas. Essa é a tarefa que penso, sinto e defendo ser realizada pela universidade pública, pela nossa UFU.

Fernanda Silva: Acredito que a melhor forma de reduzir a desigualdade de gênero e racial na área da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, STEM (sigla do inglês: “Science, Technology, Engineering, and Mathematics”), é incentivando outras meninas a seguirem essas áreas por meio da divulgação do trabalho feminino, tanto acadêmico como profissional. Essa divulgação pode ser realizada, por exemplo, em eventos promovidos por e para mulheres, desmistificando toda essa complexidade criada em torno das áreas de STEM.

Katia Facure: Acredito que o interesse pela carreira de cientista possa ser incentivado através da divulgação científica, destacando a presença e a importância das mulheres nos institutos de pesquisa e nas universidades públicas. Também considero importante aumentar o número de programas de incentivo à participação feminina em projetos de pesquisa e em cursos de graduação nas diversas áreas do conhecimento. No meu caso, o apoio dos familiares no cuidado com os filhos e a oferta de oportunidades de trabalho e orientação durante o desenvolvimento de pesquisas foi fundamental para que eu mantivesse a minha trajetória na carreira acadêmica.

 

Katia Facure (Foto: arquivo pessoal)

 

Ao longo deste Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, compartilharemos no Instagram @ufu_oficial os trabalhos de outras pesquisadoras da nossa universidade. Acompanhe e participe por lá! 

 

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Palavras-chave: Mulheres Meninas Ciência UFU

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