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Leia Cientistas

Estudo aponta dificuldades no diagnóstico de doenças infecciosas raras no Brasil

Má qualidade e escassez de informações registradas em prontuários médicos, falta de protocolos padronizados e a não realização de exames laboratoriais dificultam o manejo adequado de borrelioses

Publicado em 09/01/2023 às 17:09 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:39

Borrelioses podem prejudicar o funcionamento do coração, dos pulmões, das articulações e apresentar sintomas de meningite, provocando risco de morte. (Foto: IStock)

As borrelioses são infecções provocadas por bactérias do gênero “Borrelia” e transmitidas por animais. Dentre essas moléstias, a Doença de Lyme e as Febres Recorrentes transmitidas por Carrapato e por Piolho têm maior relevância para a saúde humana. Essas enfermidades podem apresentar sintomas graves quando prejudicam o funcionamento do coração, dos pulmões, articulações e do sistema digestivo, além de apresentarem sintomas de meningite quando afetam o sistema nervoso. No entanto, no Brasil, ocorrem poucos casos e as informações sobre identificação, investigação e abordagem terapêutica sobre as borrelioses são escassas e controversas.

Considerando o potencial de gravidade e raridade dessas doenças no Brasil, nosso estudo teve o objetivo de analisar os casos suspeitos de borrelioses no Hospital de Clínicas de Uberlândia, a partir de critérios diagnósticos aplicados pelo Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), que são unidades de saúde localizadas no Estados Unidos, país em que as borrelioses são frequentes.

Nossos resultados foram relatados no artigo intitulado “Análise de uma Série de Casos Suspeitos de Borrelioses no Hospital de Clínicas de Uberlândia”, que foi publicado na Revista Científica do Hospital Santa Rosa (COORTE) no dia 18 de dezembro de 2022.

Nosso estudo foi realizado com base na análise de quatorze prontuários médicos, que tinham registro de casos de borrelioses. Dentre os arquivos médicos avaliados, quatro foram registrados como Doença de Lyme, um como Febre Recorrente transmitida por Piolhos e nove como Febre Recorrente transmitida por Carrapato.

Durante a coleta de informações, detectamos que apenas três casos de Doença de Lyme poderiam ser considerados suspeitos conforme os critérios adotados pelo CDC, devido à presença de “lesões eritematosas”, que são manchas vermelhas que surgem após a picada de carrapato e indicam que a enfermidade está nas fases iniciais. No entanto, esses casos não poderiam ser confirmados, porque não houve detalhamento das características dessas manchas, já que para serem típicas da Doença de Lyme, essas deveriam apresentar formato circular, serem contornadas por “aréolas” rosadas e que são migratórias, pois desaparecem após alguns dias.

Além disso, a confirmação é dificultada pela falta de realização de exames laboratoriais pelos profissionais da saúde, durante a investigação médica. Outra informação interessante foi o relato de picada de carrapato ocorrida no Parque do Sabiá, local em que há presença de capivaras, animais que podem servir como hospedeiras de carrapatos. Além disso, observamos a utilização de amoxicilina e tetraciclina, que são antibióticos adequados conforme o CDC para o tratamento de fases iniciais dessa doença. Notamos, também, a ocorrência de reações adversas consequentes da utilização desses antibióticos, o que reforça a necessidade de orientações corretas em relação ao uso desses medicamentos.

Durante a pesquisa, percebemos que nenhum dos casos de febre recorrente possuíam sinais e sintomas típicos e nem houve realização de exames laboratoriais apropriados conforme o CDC preconiza para confirmação de borreliose; logo, não poderiam nem ser considerados suspeitos. Além disso, as informações registradas nos prontuários indicavam que os sinais e sintomas de febre apresentados eram provavelmente ocasionados por doenças prévias que estavam descontroladas ou por falha na resposta ao tratamento que estava sendo realizado. Portanto, é provável que esses casos tenham sido registrados inadequadamente com a Classificação Internacional das Doenças (CID) de Febre Recorrente por borreliose.

Os registros incompletos, a má qualidade, a escassez de informações e a não realização de exames laboratoriais foram fatores que limitaram a análise e a confirmação de casos, como borrelioses, o que dificulta a realização de pesquisas e prejudica a compreensão sobre as condutas adequadas para diagnosticar e tratar essas doenças. Desse modo, é recomendável o desenvolvimento de protocolos padronizados de notificação e investigação das borrelioses no Brasil.

Leia o artigo aqui

 

*Agnes Laura Silva Neres, Marcos Vinicius Paes Landim Faria e Nikolas Lisboa Coda Dias são discentes do curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia. Rodrigo Nogueira Angerami é docente da Universidade Estadual de Campinas, Hospital de Clínicas, Seção de Epidemiologia Hospitalar, Campinas, São Paulo. Álvaro A. Faccini-Martínez é médico e pesquisador do Instituto de Investigaciones, Fundacion Universitaria de Ciencias de la Salud, Bogotá, Colombia. Stefan Vilges de Oliveira, que coordenou a pesquisa, é docente do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (Famed/UFU).

 

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