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BIOLOGIA

A formiga esperta de Uberlândia

Professor da UFU publica artigo em revista norte-americana sobre espécie descoberta aqui que imita outra para tirar vantagem

Publicado em 01/10/2014 às 17:52 - Atualizado em 09/06/2025 às 22:11

Formiga Cephalotes specularis (Foto: Scott Powell)

Se, nas fábulas, a formiga personifica a trabalhadora exemplar, enquanto a cigarra é a preguiçosa e o coelho é o esperto, em Uberlândia, Esopo e La Fontaine teriam que rever a moral de suas histórias. Aqui têm formigas operárias, mas também têm as ardilosas. É a Cephalotes specularis, descoberta no clube de Caça e Pesca Itororó pelos professores Kleber Del-Claro, do Instituto de Biologia da UFU, e Scott Powell, da George Washington University (Estados Unidos).

A Cephalotes specularis é muito pacífica, não pica nem tem ferrão. “Essa formiga difere totalmente do padrão das outras Cephalotes. Ao invés de ser mais achatada e gordinha como as outras formigas, ela é muito parecida com uma formiga menor que levanta o abdômen e ferroa dolorosamente”, descreve Del-Claro. A formiga brava é a Crematogaster ampla. É ela que a Cephalotes specularis imita.

A Crematogaster ampla faz ninhos dentro de troncos de árvores e ali nenhum predador tem coragem de entrar, pois além de atacar em bando, essa formiga agressiva tem gosto muito ruim e cheiro de ácido fórmico. Quase não haveria estranho no ninho, se não fosse a pacata Cephalotes specularis, que fura o bloqueio imitando o comportamento da Crematogaster ampla, o que os biólogos chamam de parasitismo social.

A formiga mansa fica espiando a brava, entra na trilha alheia sem ser percebida e vai até a fonte de comida, que costuma ser néctar de plantas ou bichos mortos. Se a Crematogaster olha, a Cephalotes disfarça levantando o traseiro como se fosse uma companheira de ninho.

“A Cephalotes consegue ficar protegida dos predadores porque se parece com uma formiga poderosa e mora na árvore em que a formiga poderosa mora. Ela parasita todo o sistema de defesa dessa outra formiga em beneficio próprio”, explica o professor da UFU. A Crematogaster não recebe qualquer benefício e ainda perde espaço no ninho. Mesmo que repare nas imitadoras, não consegue expulsá-las. “A Cephalotes fecha a entrada do ninho com a cabeça como se fosse uma tampinha. Essa cabeça é muito dura, a outra quer ferroar e não consegue. Aí ela dá umas duas cutucadas e vai embora”, esclarece Del-Claro.

O experimento

Professor Kleber Del-Claro, do Instituto de Biologia da UFU (Foto: Milton Santos)

Oito anos atrás, o professor Scott escreveu a Del-Claro, manifestando interesse em fazer pós-doutorado no Instituto de Biologia. “Ele veio da Inglaterra para cá com uma bolsa britânica e ficou aqui durante dois anos. Nesse período ele se interessou muito pelas formigas. Passava praticamente o dia inteiro em campo”, recorda o docente da UFU. Um dia, Scott guardou as formigas em uma caixinha e mostrou a Del-Claro, que propôs fazer experimentos em laboratório. As Cephalotes specularis devem ser endêmicas da nossa região, pois foram encontradas apenas no clube de Caça e Pesca Itororó e na reserva do Panga (localizada a 30 km do centro de Uberlândia).

Os professores coletaram colônias da Cephalotes specularis e da Crematogaster ampla. “Eu deixava tiras de papel dentro da colônia das formigas que são imitadas. Elas andavam em cima daquela tira para encontrar comida e deixavam o cheiro químico delas ali. Aí, na colônia da outra formiga, a que imita, eu dava duas opções para ela: um tronco com a tira de papel em que a Crematogaster andou e um tronco com a tira de papel em que nós só passamos água destilada”, relata Del-Claro. Uma filmadora captava o dia a dia nos formigueiros.

O que acontecia com as formigas Cephalotes? “Elas saiam do ninho, paravam nesse Y [bifurcação formada pelas duas tiras de papel] e iam todas para o lado que tinha o cheiro daquela que elas queriam imitar”, revela Del-Claro. A equipe fez outros testes, por exemplo, “de colocar a formiga no meio da trilha repentinamente e ver que ela era atacada quando não dava tempo dela se disfarçar”, narra o professor.

Del-Claro e Scott, juntamente com os professores Rodrigo Feitosa, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e Carlos Roberto Brandão, também da USP, publicaram o artigo Mimicry and Eavesdropping Enable a New Form of Social Parasitism in Ants (Mimetismo e espionagem permitem uma nova forma de parasitismo social em formigas) na edição de outubro da revista The American Naturalist (leia aqui). “É uma das revistas mais importantes dos Estados Unidos, mais que centenária. Os trabalhos que são publicados nela são conhecidos pela profundidade com que a pesquisa é feita”, conta o professor da UFU.

Moral da história: por que biólogos se trancam em um laboratório filmando a rotina das formigas? “As formigas são animais sociáveis e nós também somos sociáveis. Nós, seres humanos, estudamos a evolução dos sistemas sociais e quando encontramos um organismo que burla todo um sistema social extremamente elaborado como o das formigas, é interessante para descobrir como é que se podem burlar sistemas sociais”, analisa Del-Claro, ao comentar que a sociedade humana tem se valido de estudos sobre outras espécies para justificar sua própria organização.

Palavras-chave: Biologia formigas

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