Publicado em 28/06/2018 às 15:00 - Atualizado em 22/08/2023 às 20:37
Valder: 'Sem o investimento em CT&I, desmontamos os grupos de pesquisa' (foto: Ascom/Abipti)
Ainda que o debate sobre os benefícios das parcerias entre empresas e universidades tenha se intensificado nos últimos anos, existe um desafio em torná-las reais. Um dos sinais deste problema é a dificuldade de se formar estudantes que sejam entusiastas do empreendedorismo e sejam capazes de transformar suas ideias em negócios inovadores. Este foi o principal assunto do primeiro painel do 9º Congresso Abipti [Associação Brasileira de Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação], que aconteceu nesta quarta-feira (27) e tinha como foco principal a CT&I e a Educação.
Quem abriu a discussão foi a coordenadora das Ações de Educação Empreendedora no Sebrae-MA e do Programa Jovem Empreendedor Primeiros Passos, Raissa Franca Amaral, que destacou com dados de uma pesquisa do Sebrae com a Endeavor, realizada em 2016, a falta de incentivo ao empreendedorismo no ensino superior e a grande barreira que há entre os jovens e as iniciativas empreendedoras e o mundo corporativo.
“Temos um grande desafio que está relacionado à qualificação das pessoas. Temos que trabalhar para que elas sejam agentes de mudanças e ser parceiros na criação de novas possibilidades. Não podemos pensar apenas nas tecnologias, precisamos pensar em pessoas e na educação superior”, enfatizou Raissa.
A pesquisa que a coordenadora trouxe apontou um fator intrigante: o índice de satisfação com as iniciativas empreendedoras nas IES (Instituições de Ensino Superior) entre os alunos é bastante baixo, 35%. Por outro lado, entre os professores esse número sobe para 65%.
Apesar de muitas IES já possuírem disciplinas voltadas ao empreendedorismo, cerca de 54,4%, apenas 6,2% delas possuem programas consolidados com maior visão e viés inovador. Com estes números, Raissa defendeu a tese de que a visão sobre inovação e empreendedorismo pode ser muito diferente entre os alunos e os professores. Segundo ela, parte desse problema pode ser explicado pela distância entre a academia e o mercado.
O estudo mostrou também que 48% dos professores nunca tiveram experiência empreendedora, sendo que 38% não têm vontade ou tempo de abrir o próprio negócio. Para completar o cenário, daqueles que possuem uma empresa, 54% são donos de consultorias e apenas 10% afirmaram que seu negócio é inovador ou emprega uma inovação.
Apesar da má avaliação, as disciplinas de empreendedorismo apresentam alguma eficácia. Dos alunos que as cursaram, 70% manifestam desejo de empreender. Dentre os que não cursaram, apenas 46% querem empreender. No entanto, Raissa enfatiza que uma matéria apenas não é o suficiente para mudar a cultura empreendedora é preciso ir além.
“Um ambiente inovador, onde o empreendedorismo é discutido amplamente permite esta cultura. Muitos pensam que ser empreendedor é apenas ter um negócio, mas não imaginam que é possível ser empreendedor sendo funcionário público, estagiário, em qualquer espaço ou até mesmo ser um empreendedor social. Precisamos mostrar que podemos fazer grandes melhorias para nós e para sociedade como um todo por meio do empreendedorismo e da inovação”, pontuou Raissa.
Outro dado interessante apresentado pela pesquisa é que o terceiro principal sonho do brasileiro é ter seu próprio negócio. Porém, nas universidades, entre os alunos, esse número é muito menor. Cerca de 73% dos estudantes não pretende empreender. Parte disso acontece, segundo Raissa, por conta da limitação das universidades em colocar essas disciplinas apenas em cursos de administração e negócios, sem estender às demais áreas.
“Se continuarmos a limitar o empreendedorismo a poucas disciplinas, nunca conseguiremos disseminar uma cultura empreendedora, teremos apenas alguns empreendedores que montam os próprios negócios, mas não uma cultura. Necessitamos, enquanto professores e instituições que estão preocupadas com o tema, incentivar para que na educação superior desmistifique a ideia de que empreendedorismo e inovação são temas que têm que ser tratados apenas com áreas de administração e negócios”, concluiu Raissa.
O reitor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e representante da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Valder Steffen Júnior, representou o lado da academia no debate e deu início a sua apresentação falando de como os problemas de cortes de investimentos em universidades, em programas de CT&I, cultura e artes afeta a motivação dos estudantes e os afasta do Brasil.
“A preocupação não é apenas a estrutura física, mas muito mais a desmotivação dos nossos jovens. Sem o investimento em CT&I, desmontamos os grupos de pesquisa, desmotivamos as novas gerações interessadas em iniciação científica, mestrados e doutorados. Nós corremos o risco de perder jovens com muita iniciativa, exatamente tudo o que nós precisamos no empreendedorismo”, comentou Valder.
Um dos dados trazidos para a discussão do professor foi o ranking do INPI, que mostra que nas vinte primeiras posições da lista de depósitos de patentes de instituições residentes no Brasil, dezenove são universidades, sendo a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) a primeira da lista. Já no ranking de depósito de patentes por residentes e não residentes no Brasil, a universidade cai para 31º lugar, sendo os trinta primeiros lugares de depositantes de patentes no Brasil são ocupados por empresas estrangeiras.
Para o reitor, os últimos cortes no CNPq e Capes, dentre outros, se refletem diretamente na motivação dos jovens e na diminuição do espírito empreendedor de se criar algo novo. “Os nossos jovens são entusiasmados, se fossemos capazes de sensibilizar empresas de que temos aqui um material humano de primeira qualidade e que fazer desenvolvimento de CT&I no nosso país é bom negócio, certamente nós poderíamos assistir ao longo do tempo uma mudança nesse quadro. É preciso que convençamos inclusive as empresas de fora a investir em centros de pesquisa aqui no país”.
Sobre o muro que ainda existe entre universidade e empresa, Steffen defendeu que a cooperação é necessária e admitiu que a comunidade acadêmica ainda tem muita restrição com a iniciativa privada, mas deixou claro que é necessário que as universidades tenham regras mais claras, mais transparentes com o setor industrial.
“As estratégias precisam ser adequadas para melhorar o relacionamento. Aquele muro imaginário da universidade, que nos separa das empresas, da sociedade e da comunidade, inclusive com a menos favorecida, precisa sair. O empreendedorismo social é um caminho para isso”, concluiu o reitor.
Palavras-chave: Pesquisa Tecnologia Inovação Parceria Empresas Universidade
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