Publicado em 25/07/2018 às 15:24 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:56
Atividade de campo durante o Aperau com o orientador francês de Policarpo, professor Philippe Menerault da Universidade de Lille (Foto: Maurício Policarpo)
A França, campeã na Copa do Mundo de 2018, não chegou a enfrentar o Brasil durante o torneio. Mas nas pesquisas desenvolvidas por Rita de Cássia Martins de Souza, professora do Instituto de Geografia (IG) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), e Mauricio Aquilante Policarpo, mestrando do Programa de Pós-graduação em Geografia (PPGEO/UFU) e orientando de Souza, as duas nações já vêm sendo comparadas no campo do conhecimento há alguns anos.
As iniciativas são resultado de um acordo de cooperação franco-brasileiro denominado ARCUS, que reúne pesquisadores das ciências humanas das universidades francesas Universidade de Lille, Universidade de Valenciennes-Hainaut-Cambrésis e Studio National des Arts Contemporains (Le Fresnoy) e das brasileiras Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a UFU.
Dentre os seis eixos de trabalho do programa ARCUS, Souza e Policarpo participam do que faz estudos comparativos dos territórios e riquezas da região francesa Hauts-de-France e Minas Gerais, denominado “Riquezas compartilhadas”. Os dois foram apresentar resultados de suas pesquisas no evento Association Pour la Promotion de L'Enseignement et de la Recherche en Aménagement et Urbanisme (Aperau), congresso internacional de arquitetura e urbanismo que aconteceu em Lille, na França, no final de junho deste ano.
Riquezas compartilhadas
A pesquisa de Souza é focada especificamente na construção de diagnósticos sobre a atividade de mineração nas duas regiões. De acordo com ela, a comparação é possível a partir de uma perspectiva que reconhece as semelhanças e diferenças históricas, geopolíticas e econômicas entre os territórios. “A iniciativa é no sentido de minimamente aproveitar a experiência deles de uma forma a amenizar esses impactos principalmente ambientais, mas também sociais [da mineração] no estado de Minas Gerais. Como a região do Alto Paranaíba também é uma área de exploração minerária, nós fomos convidados a participar”, explica a pesquisadora.
No caso da França, Nord-Pas-de-Calais (um território dentro do Hauts-de-France) foi uma tradicional área de mineração até meados da década de 1960. “A vocação da área sempre foi a mineração de carvão, mas depois da Segunda Guerra, com a entrada da nova fonte de energia que é o petróleo, a exploração de carvão entrou num processo de desmantelamento”, diz Souza. Desde então, Nord-Pas-de-Calais tem recebido investimentos para ressignificação econômica a área.
De uma perspectiva ambiental, a professora conta que os franceses têm experimentado uma técnica chamada “trama verde-azul”. Após grandes períodos de extração mineral que prejudicam a qualidade do solo, como é o caso do carvão, a trama é uma tentativa de preservar cursos fluviais e vegetação adaptada ao solo poluído. Como a agricultura nas áreas onde já houve extração direta de carvão é impraticável, a possibilidade é que se tornem parques turísticos e reservas.
De acordo com a professora, a importância da pesquisa reside em refletir sobre as práticas de exploração minerária e suas diversas consequências positivas e negativas, além das reações do Estado a esse cenário em um contexto comparativo franco-brasileiro. Como exemplo, ela cita o desastre de Mariana, em que 19 pessoas morreram após o rompimento de uma barragem que fazia parte da estrutura de exploração de minério de ferro no município mineiro. “Eu espero que realmente a gente possa aprofundar essas práticas em termos de pesquisa para que possamos acompanhar esse processo oferecendo outras possibilidades de um melhor uso do território, da natureza e de uma melhor vida social.”
Reflexo na logística
Como desdobramento do “Riquezas compartilhadas”, Policarpo apresentou, em formato de artigo, no Aperau, a pesquisa que faz parte do processo de construção de sua dissertação de mestrado na UFU. Intitulado “Comparação dos projetos territoriais do Nord-Pas-de-Calais e do Roteiro da Missão Cruls (Brasil) na ótica da logística contemporânea”, o trabalho faz uma análise das estratégias de logística e suas motivações no contexto francês e brasileiro.
Segundo Policarpo e Souza, após o fim do período de mineração de carvão, Nord-Pas-de-Calais apostou na transformação da região em um centro de transporte de mercadorias e pessoas para a França e União Européia como um todo. “Tem uma estação de trem que conecta diretamente três grandes cidades da Europa: Londres, Bruxelas e Paris. Então aquela região, especificamente a cidade chamada Lille, tem como significado converter aquela área após fim da atividade de mineração com novas atividades econômicas”, explica Policarpo.
Souza e Policarpo apresentaram o poster do artigo sobre logística e planejamento territorial no Brasil e França no dia 21 de junho (Foto: arquivo pessoal)
Outro exemplo de estratégia da região francesa foi o investimento nas chamadas plataformas multimodais, voltadas para transporte de mercadorias. As plataformas reúnem hidrovias, ferrovias e rodovias como uma estratégia para recepção e distribuição de bens. De acordo com os pesquisadores, os franceses são pioneiros na estratégia e o Brasil pode se beneficiar deste tipo de conhecimento. Na pesquisa de Policarpo, a comparação é feita com Uberlândia, que também faz parte de uma região que é centro de distribuição de bens e está próxima de locais onde se pratica a extração mineral, como o Alto Paranaíba. “A pesquisa não avançou até o ponto de propor cenários. Por enquanto nós ficamos só no diagnóstico. Agora é esperar a renovação do convênio para que num passo seguinte nós comecemos inclusive a propor esses cenários”, explica Souza.
Policarpo vem trabalhando no tema há cerca de quatro anos. O convênio entre as universidades brasileiras e francesas prevê o intercâmbio de estudantes para a familiarização com a língua e outras particularidades de cada país para execução das pesquisas. Em 2015, quando ainda cursava a graduação em Geografia, ele e mais dois alunos da UFU passaram quatro meses em intercâmbio na França, enquanto três franceses vieram para Uberlândia. “O intercâmbio me deu a possibilidade de reunir os dados do lado francês e agora no mestrado estou unindo essas informações sobre o que a gente está lendo e discutindo.” Depois de defender sua dissertação, ele planeja dar continuidade à pesquisa no doutorado.
O projeto ARCUS é financiado pela Universidade de Lille, Conselho Regional e Governo do Hauts-de-France, Estado de Minas Gerais e Fundação de Amparo à Pesquisa de MG (Fapemig). Na UFU, a Diretoria de Relações Institucionais e Interinstitucionais (Drii), a Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação (Propp) e o Instituto de Geografia (IG) também prestaram apoio aos pesquisadores.
Palavras-chave: Ciência Geografia mineração logística França pesquisa comparada
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