Publicado em 20/03/2019 às 16:39 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:56
Efigenia Aparecida Maciel de Freitas e Alessandra Araújo são as idealizadoras do projeto Plano de Parto (Foto: Milton Santos)
Uberlândia vem se tornando referência nacional com o Plano de Parto Municipal, de acordo com especialistas da área da saúde do município, por meio uma parceria entre Hospital de Clínicas de Uberlândia da Universidade Federal de Uberlândia (HCU/UFU), Hospital Municipal e Rede Pública de Saúde. O programa é resultado de um projeto de extensão desenvolvido no curso de Enfermagem, na disciplina de Saúde da Mulher, ministrada pela professora Efigenia Aparecida Maciel de Freitas. O projeto busca estimular o parto normal, no intuito de reduzir cesarianas desnecessárias.
Após pesquisa, notou-se a necessidade da criação de um projeto de intervenção aplicável na realidade dos pré-natais da cidade. A universidade sediou uma turma do Curso de Especialização em Enfermagem Obstétrica da Rede Cegonha, oferecido pelo Ministério da Saúde em parceria com a Faculdade de Medicina (Famed/UFU), e propôs a criação de um projeto adequado à comunidade externa. “Após discussão interna no ambulatório da UFU, entendemos que existia a necessidade de se expandir a proposta para rede. A partir de então foi feito um plano piloto, que foi levado para a rede, onde houve uma aproximação e colaboração com vários profissionais”, explica Freitas.
Atualmente, o projeto conta com apoio da rede e do município, em especial, com duas profissionais, a médica ginecologista-obstetra Silvia Helena Caires, graduada em Medicina pela UFU (1999) e com residência médica no Hospital Leonor Mendes de Barros São Paulo (SP), que atua na saúde da mulher no município, e a psicóloga e doula da rede Alessandra Araújo, que possui graduação em Psicologia (2002) e mestrado em Ciências da Saúde (2005) pela UFU. Ambas fazem o projeto de sensibilização das unidades de saúde, no intuito de conscientizar os profissionais sobre o Plano de Parto.
O projeto já está sendo implementado há cerca de um ano no Hospital Municipal, HCU e algumas unidades da Rede, contudo, a ideia, segundo Araújo, é que ele seja implementado em todas as unidades até o final do ano de 2019. “Para a implementação efetiva do Plano de Parto é necessário instruir os profissionais para que assim a utilização seja feita de forma efetiva e correta dessa política Municipal de atenção à Saúde da Mulher”, afirma Araújo.
De acordo com as entrevistadas, o Plano de Parto utilizado como uma Política Municipal é uma inovação no Brasil, pois, apesar de alguns hospitais já adotarem a medida em todo o país, ainda assim não se trata de uma política que atenda a todos. No caso de Uberlândia, com a criação do projeto, a proposta dos pesquisadores é que seja um trabalho aplicado em todos os hospitais, em especial na rede pública de saúde, com o objetivo de garantir que todas as gestantes sejam esclarecidas de todo o processo de gestação e assim possam ter suas escolhas atendidas.
Grupo de apoio a gestantes é promovido pelo Hospital de Clínicas da UFU (Foto: Milton Santos)
Mas o que é Plano de Parto, afinal?
O Plano de Parto busca oferecer às gestantes uma melhor qualidade assistencial durante o parto, com a finalidade de proporcionar uma experiência satisfatória embasada em um documento da Organização Mundial de Saúde (OMS). O ‘Care in Normal Birth: a practical guide’ (Atenção no parto normal: um guia prático, em tradução livre; veja a versão em inglês e em espanhol) traz recomendações do que são consideradas boas práticas para o parto normal. A ideia do documento é que ele auxilie mulheres a deixarem de optar pela cesariana. O documento é o primeiro item dos processos que a instituição considera como “claramente úteis e que devem ser encorajados”. Em um formato de guia, as rotinas são hierarquizadas pela relevância em A, B, C ou D.
De acordo com a professora de Enfermagem da UFU, a elaboração desse documento significa proporcionar às mulheres um caminho para se pensar e refletir sobre sua gestação, já que ele inclui, por exemplo, o lugar onde a mulher quer ter o bebê, quem estará presente na hora do parto, quais os procedimentos médicos que a mulher aceita e quais ela quer evitar para ela e para o bebê, a posição em que deseja parir, se ela quer se alimentar durante o trabalho de parto e até que música gostaria de ouvir. Quando a mulher se dispõe a isso, automaticamente começa a buscar informações sobre os tipos de parto e consegue optar conscientemente por aquele que considera melhor, além de ter esclarecimento de quais são as recomendações da OMS no atendimento ao parto.
Violência obstétrica: como o plano de parto pode ser usado como prova?
Sofrer algum tipo de violência obstétrica é realidade de uma em cada quatro mulheres, segundo o estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC), em 2010. Entende-se como violência obstétrica situações como recusa de atendimentos, agressões verbais e procedimentos médicos desnecessários envolvendo mulheres gestantes, seja no pré-natal, no parto ou no pós-parto.
De acordo com as pesquisadoras da UFU, ter o Plano de Parto é uma forma de a mulher se resguardar dos seus direitos de escolha de como ela deseja que seja o parto. “Mas e se o hospital se negar a aceitar ou receber o meu documento?” De acordo com professora Freitas, isso não pode ocorrer, por se tratar de uma política municipal. Antes da implementação do projeto, foram promovidos diálogos com os profissionais da área da saúde de Uberlândia, para que o Plano de Parto seja estritamente respeitado. Porém, caso algum profissional não atenda ao que foi solicitado pela paciente, existem leis que podem resguardar as mulheres.
Segundo a psicóloga Alessandra Araújo, em Uberlândia existe a Lei Municipal Nº 12.315, de 2015, que orienta sobre o que é a violência obstétrica. É uma Lei Municipal que garante o direito de a gestante ter o acompanhamento de uma doula (contratada pela mulher ou voluntária), além do acompanhante, durante todo o trabalho de parto.
Caso a mulher se sinta violentada em qualquer situação durante o seu parto, ela deve fazer reclamação na própria Ouvidoria do hospital ou na Ouvidoria da Saúde, ou procurar outros órgãos legais para fazer a denúncia. Já em âmbito estadual, as mulheres são resguardadas pela Lei 23175, de 2018, que é uma “garantia de atendimento humanizado à gestante, à parturiente e à mulher em situação de abortamento, para prevenção da violência na assistência obstétrica no Estado.”
Araújo afirma que “a melhor ferramenta para se preparar para o parto e evitar a violência obstétrica é se informar antes. Para tanto, temos o Plano de Parto Municipal, que é um documento que a gestante deve preencher com a ajuda da sua equipe de pré-natal, colocando suas escolhas e preferências para o momento.” O documento está sendo distribuído para todas as unidades ao longo desse ano e está disponível em PDF.
Brasil tem segunda maior taxa de cesáreas no mundo
Um estudo internacional publicado pela revista The Lancet evidencia um alerta para médicos e pais sobre uma epidemia global do uso e disparidades nas cesarianas. A pesquisa coletou dados em 169 países e observou que 29,7 milhões de bebês nasceram através de cirurgias cesarianas em 2015, quase o dobro do número de nascimentos por este método em 2000. Isso faz um alerta para que profissionais da saúde, assim como futuras mães, se atentem ao processo cirúrgico indicado de maneira irregular, já que uma indicação médica específica coloca em risco a saúde da mulher e do bebê.
A mesma pesquisa mostra que, na América Latina, há uma das maiores taxas de cesáreas do mundo, chegando a cerca de 44,3%, e o Brasil ocupa, até o momento, o segundo lugar entre os países que mais realizam esse tipo de cirurgia, com cerca de 55,5%. É importante ressaltar que esse procedimento é recomendado apenas em casos específicos. Segundo a professora Freitas e a psicóloga Araújo, é preciso aumentar a conscientização entre mulheres, familiares e profissionais de saúde sobre os riscos potenciais da cesárea quando realizada sem razões médicas aparentes.
O Renascimento do Parto
O longa-metragem “O Renascimento do Parto” (2013), de Eduardo Chauvet e Érica de Paula, retrata a grave realidade obstétrica do mundo, caracterizada por um número alarmante de cesáreas ou partos com intervenções traumáticas e desnecessárias, ao contrário do que é conhecido e recomendado pela ciência nos dias de hoje. Essa situação tem graves consequências perinatais, psicológicas, sociais, antropológicas e financeiras. Através dos relatos de alguns dos principais especialistas da área e das mais recentes descobertas científicas, o filme questiona o atual modelo obstétrico, leva a uma reflexão sobre o novo paradigma do século XXI e o futuro de uma civilização nascida sem o "hormônios do amor", divulgados apenas sob condições específicas de trabalho.
Palavras-chave: Parto; Saúde; Mulher; Pesquisa Científica
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