Publicado em 27/06/2019 às 06:50 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:56
Conhecida como cássia-do-nordeste ou canafístula-de-besouro, Senna spectabilis (nome científico) é uma árvore amplamente utilizada no paisagismo das cidades, por apresentar floração característica das Fabaceaes, família botânica à qual pertence. As árvores dessa família florescem geralmente entre os meses de dezembro a abril e, devido à grande similaridade das folhas e flores, causam grande confusão na classificação, o que torna difícil diferenciar uma espécie de outra.
Espécies de Senna são reconhecidas na medicina popular pelo potencial laxativo dos senosídeos, classe de compostos que está presente em alguns fitomedicamentos como o Naturetti® e o Tamarine®. Além do potencial purgativo, relatos do uso tradicional também mostram que estas plantas são utilizadas para tratar anemias, gripes e tosses.
Senna spectabilis (Foto: Thamires Freitas)
Mas nem todas as Sennas apresentam os mesmos compostos, como é o caso de S. spectabilis, que apresenta um perfil químico bastante diferente das demais espécies da família. “Nossos estudos mostraram a presença de vários alcaloides em S. spectabilis que estão sendo avaliados para o tratamento de doenças negligenciadas, como a leishmaniose e malária”, relata a pós-graduanda Thamires Rodrigues Freitas, orientada pelo professor Marcos Pivatto, do Instituto de Química da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
O professor Pivatto já vem estudando estes alcaloides há bastante tempo e explica que eles também são promissores para o tratamento da doença de Alzheimer (DA), por apresentarem similaridade estrutural com o neurotrasmissor acetilcolina (ACh), que está presente em baixas concentrações em pacientes com a doença. “Assim esperamos que num futuro próximo estes compostos possam ser utilizados para aumentar a concentração de ACh e melhorar a qualidade de vida de pacientes com DA”, diz o pesquisador.
Colunas cromatográficas que fazem parte do processo de isolamento dos compostos (Foto: Thamires Freitas)
Freitas, hoje doutoranda, iniciou seus estudos com essa planta em 2014, desenvolvendo um projeto de Iniciação Científica, que visava ao estudo sobre a composição alcaloídica das flores de S. spectabilis e que se estendeu para o mestrado, quando preparou uma série de derivados semissintéticos que pudessem ser utilizados para o tratamento da malária. “Nosso objetivo é chegar em compostos com elevada atividade e baixa toxicidade, um sério problema dos medicamentos utilizados no tratamento da malária”, conta Freitas.
Mas este estudo ainda não terminou. Os ensaios antimaláricos ainda estão em andamento e continuam agora como tese de doutorado. Além de estudar o potencial antimalárico, Freitas investiga a presença de estereoisômeros na planta, que são compostos que se diferenciam pelo arranjo dos átomos no espaço, a fim de se determinar com clareza a estrutura química desses alcaloides, uma vez que pequenas diferenças estruturais podem ocasionar grandes diferenças na atividade biológica.
Pétalas coletadas para o estudo (Foto: Thamires Freitas)
Os projetos desenvolvidos no laboratório do professor Pivatto contam com o suporte de agências de fomento, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biodiversidade e Produtos Naturais (INCT-BioNat), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que custeiam desde os solventes até as bolsas dos pós-graduandos, como a de Freitas, que é financiada pela Capes.
Durante este processo, os pesquisadores contam que enfrentaram muitas dificuldades, de naturezas diversas, desde a falta de espaço físico ou de insumos básicos para o desenvolvimento das pesquisas até a falta de equipamentos de maior porte. O desafio agora está no isolamento dos alcaloides, que muitas vezes estão em baixa concentração na planta. Além disso, as pesquisas mostram que misturas de estereoisômeros estão presentes, que são compostos muito parecidos, o que torna ainda mais difícil a sua separação.
Thamires Freitas e o orientador Marcos Pivatto (Foto: Alexandre Costa)
No entanto, o desafio de se chegar a fármacos que possam ser utilizados no tratamento de doenças negligenciadas que assolam populações de baixa renda tem sido um motivador. Levando em conta que existem poucos medicamentos para o tratamento da malária, os cientistas da UFU esperam que esse trabalho possa abrir caminho para a descoberta de compostos mais potentes que possam ser utilizados como modelos para o desenvolvimento de novos fármacos antimaláricos.
Palavras-chave: produtos naturais Ciência Química senna malária
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