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Meio Ambiente

Pesquisa analisa mudanças na estrutura da vegetação da Reserva do Panga

Estudo realizado na UFU conclui que ausência de fogo de origem natural interferiu no desenvolvimento da área preservada

Publicado em 23/04/2021 às 16:29 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:51

A ausência do fogo natural pode levar a um processo de formação de florestas, causando perda de espécies típicas do local (foto: Marco Cavalcanti/Arquivo-2016)

 

Para preservar os ambientes naturais é preciso, antes, conhecê-los. Foi justamente para compreender melhor o Cerrado que um estudo realizado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) investigou como funciona, com o passar do tempo, a dinâmica da vegetação na Reserva do Panga, que é uma das áreas protegidas desse bioma no Triângulo Mineiro.

Os pesquisadores da UFU concluíram que o fogo de origem natural, como, por exemplo, o causado por raios, tem uma função para a manutenção da biodiversidade do Cerrado.

“Nesse trabalho, procuramos discutir exatamente esse ponto na dinâmica de vegetação, afinal, o Panga, como a maior parte das reservas encontradas no Cerrado, restringe a ocorrência do fogo, evitando que ele aconteça. Mas, hoje, sabemos que esse fogo (natural, e não o causado pelo homem) é importante para manter a diversidade do Cerrado”, afirma Rogério Victor Gonçalves, mestrando do Programa de Pós-graduação em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais (PPGECO) do Instituto de Biologia.

O pesquisador reforça a diferença entre o fogo que ocorre naturalmente e o provocado pelo homem: “O fogo natural vem por raios no começo da estação chuvosa. Logo que ele acontece, já vem a chuva que abafa o fogo, então ele é pouco severo e não traz grandes impactos e ocorre em áreas pequenas, diferente do fogo antrópico [causado pelo ser humano], que vem normalmente na estação seca e provoca muitos danos para a biodiversidade no geral”.

Gonçalves, graduado em Engenharia Ambiental, deve defender sua dissertação de mestrado em julho, mas a pesquisa já está publicada. O artigo, elaborado em parceria com outros pesquisadores e publicado no fim de março, pode ser conferido no periódico Web Ecology

Criado na década de 1980 a partir de área de pastagens, o Panga é uma Reserva Particular do Patrimônio Nacional (RPPN) pertencente à UFU. Localizado em Uberlândia e com 409 hectares, é uma das maiores áreas preservadas de Cerrado no Triângulo Mineiro.

“O Panga é um importante sítio de coleta e pesquisas em diferentes áreas da ciência, especialmente ecologia, botânica, zoologia, geografia, entre outras. Como muitas outras reservas ecológicas, existe uma preocupação muito grande com o fogo dentro da estação, então, uma série de medidas são geralmente tomadas para que este evento de fogo não ocorra”, explica o docente Denis Coelho Oliveira, um dos autores do artigo e orientador de Gonçalves.

Como o fogo é elemento essencial para modulação da vegetação do cerrado, esclarece o professor, a ausência dele pode levar a um processo de formação de florestas, adensamento da vegetação, o que pode levar à perda de espécies típicas do local. Cabe aqui observar que “Cerrado” (com C maiúsculo) se refere ao bioma e “cerrado” se refere às formações semelhantes a savanas dentro do bioma.

 

Áreas de vegetação campestre (com poucas árvores e bastante gramíneas) se tornaram vegetações densas, como podemos ver na imagem, onde o verde mais escuro indica uma vegetação mais densa na Reserva do Panga

 

“Nossa ideia, no artigo, foi entender como os tipos de vegetação dentro do Panga mudaram ao longo desses anos. O que de fato vem acontecendo é um adensamento da vegetação, e perda, por exemplo, de áreas de veredas. Veredas são consideradas berço das águas nos cerrados”, observa Oliveira.

Como explica Gonçalves, o Cerrado é um bioma formado por vários tipos de vegetação, desde aquele campo com capins até florestas bem densas. Com o passar do tempo, afirma, uma área com poucas e espaçadas árvores pode se tornar cada vez mais densa ou o contrário também pode ocorrer, áreas densas se tornarem menos densas.

“Esses fenômenos de dinâmica de vegetação no Cerrado ainda são pouco compreendidos e têm implicações para diversas espécies. Quando uma área que era campo se adensa, as plantas que estavam ali antes já não estão mais e deram lugar para outras espécies, além de mudar também as espécies de animais que frequentam a área, afinal cada animal tem sua preferência de habitat”, diz o mestrando.

A pesquisa analisou as transformações da vegetação ao longo de 32 anos, se baseando em levantamentos de campo e literatura, bem como em imagens de satélite. De acordo com o artigo publicado, a cobertura de pastagens arbustivas, que era de 30%, desapareceu entre 1987 e 2019. As formações florestais, por sua vez, aumentaram de 7% para 11% no mesmo período. Entre 2005 e 2019 houve redução do cerrado esparso (de 34,2% para 7,7%) e aumento do cerrado denso (de 6,9% para 39,8%), revela o estudo.

Na conclusão do trabalho, os pesquisadores afirmam que o estudo, que mostra a diminuição da vegetação aberta e das veredas, reforça uma tendência de invasão de plantas lenhosas já descrita por trabalhos científicos referentes a outras partes do país e savanas de outros continentes. Eles apontam a necessidade de uma revisão das políticas de conservação baseadas na supressão do fogo e do pastejo no bioma Cerrado.

Mas o resultado da pesquisa feita em uma área preservada não poderia ser visto como um incentivo ao desmatamento de um bioma já ameaçado? “De forma alguma. As áreas desmatadas não conseguem recuperar e ter o mesmo desenvolvimento que áreas conservadas, por isso é importante o manejo sustentável e a prática de atividades menos agressivas ao Cerrado, como a agroecologia”, adverte Gonçalves.

“O desmatamento no Cerrado é um grande problema e acreditamos que a solução em algumas áreas seja o manejo sustentável. O que tratamos no trabalho está relacionado a uma questão natural que vem ocorrendo de forma generalizada em todas as savanas do mundo”, explica o pesquisador.

Também assinam o artigo os docentes João Custódio F. Cardoso e Paulo Eugênio Oliveira, ambos também do PPGECO.

 

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Palavras-chave: Reserva Panga fogo vegetação cerrado

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