Publicado em 23/02/2023 às 11:25 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:38
Alguns registros de atividades realizadas pelo PET Física UFU sobre ações afirmativas (Mês da Consciência Negra e Representatividade LGBTQIA+)
Inclusão, uma palavra pequena, mas de grande significado: acrescentar partes antes isoladas a um grupo, dando a essa igualdade com outra parte que já o formava. Socialmente, pessoas isoladas/segregadas tendem a formar grupos com seres que se identificam, a fim de se sentirem mais aceitos e acolhidos como humanos.
No entanto, o surgimento de grupos distintos gera pré-conceitos sobre os demais, afastando-os de forma física e social, o que acarreta a marginalização desses grupos “menos aceitos”.
Apesar da sociedade atual estar lutando contra essa segregação, é impossível dizer que em algum lugar a inclusão é algo pleno, completo, que realmente está sendo cumprida como é definida.
Quais partes são desassociadas socialmente? Quem é excluído? A resposta é aquela que foge do seguinte padrão: homem, branco, cis e heterossexual. Fora isso, a probabilidade de segregação ou exclusão aumenta grandemente.
Pessoas negras têm conquistado seu espaço de pouco em pouco, com, infelizmente, mais anos de escravidão do que de liberdade. Desde sempre, o grupo negro foi tratado como minoria, o que não é verdade pois de acordo com o IBGE, mais de 50% da população brasileira se autodeclara preto ou pardo.
A Lei 12.711/2012 de cotas para a reserva de vagas para essas pessoas em universidades do Brasil foi sancionada somente em 2012, lei essa que reserva pelo menos 50% das vagas em universidades públicas e institutos técnicos de todo o Brasil. A lei também garante que parte dessa porcentagem seja destinada para pessoas de baixa renda que tenham estudado integralmente em escola pública.
Mas é claro que a história não para por aí: após a criação de cotas, que não foi bem aceita pela sociedade branca, ocorrem vários casos de alunos em universidades particulares que fizeram protestos em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo o fim das cotas sociais pois, de acordo com eles, a educação no Brasil precisa de investimento e não de cotas.
Manifestações como essas não ocorreram somente em universidades particulares do Distrito Federal, mas em diversos lugares, como no Ceará, em 2012, onde alunos de instituições federais e particulares se reuniram em praças para realizar os protestos.
Alguns anos depois, ocorrem diversos atos racistas em banheiros de universidades públicas. Um desses atos ocorreu em Marília (SP), em 2015, onde alguns alunos depredaram os banheiros com diversas frases de baixo calão, escritas do tipo "Negras fedem", "Unesp cheia de macacos fedidos", dentre outras.
Mulheres conseguiram o direito do voto no Brasil apenas em 1932, menos de cem anos atrás, quando o Decreto nº 21.076 foi deferido instituindo o código eleitoral. Pessoas negras (as quais não são um grupo minoritário) não podiam conviver em espaço mútuo com brancos até o século passado em vários países. Membros da comunidade LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais/Transgêneros, Queers, Intersexos, Assexuais e outros), que formam um grupo minoritário, ainda são perseguidos, segregados, desrespeitados e até assassinados por conta da sua orientação sexual.
Tudo isso é um reflexo da sociedade que gira em torno da lógica do capital, do sistema que por si só já divide diferentes grupos, desde por aquisição de bens, poder, cor, etnia etc.
“É certo que o gênero não possui apenas sexo, mas possuiu classe, raça, etnia, orientação sexual, idade etc. Essas diferenças e especificidades devem ser percebidas. No entanto, dentro desta sociedade, não podem ser vistas isoladas de suas macrodeterminações, pois, por mais que ‘o gênero una as mulheres’, a homossexualidade una gays e lésbicas, a geração una as(os) idosas(os) ou jovens etc., a classe irá dividi-las(os) dentro da ordem do capital”, afirma a docente e assistente social Mirla Cisne, no artigo MARXISMO: uma teoria indispensável à luta feminista.
O que Cisne quer nos dizer é justamente que tudo que define o gênero do humano deve ser inserido de forma holística e jamais isolada, pois a classe, o social, irá dividi-los no âmbito capitalista.
A ciência não é algo diferente e separável dos valores da sociedade, pois dentro dela se parodia todo tipo de preconceito, principalmente dentro da academia. Um exemplo, o famoso matemático britânico Alan Turing mesmo tendo decodificado códigos nazistas para acabar com a Segunda Guerra Mundial acabou sendo torturado com castração química na Inglaterra por ser gay.
Veja, mesmo tendo realizado grandes feitos, como vencer uma guerra, caso não se enquadre no modelo do capital, sofrerá consequências. Apesar de atualmente situações como a de Turing não ocorrerem mais, feitos homofóbicos continuam enraizados nos âmbitos sociais e científicos.
Dados dos Estados Unidos revelam muita desistência de profissionais LGBTQIA+ nas suas respectivas áreas científicas em cursos de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, do inglês) devido ao desconforto por atos de exclusão, assédio e uso de linguagem imprópria.
A discussão sobre a inclusão de membros da comunidade LGBTQIA+ na ciência deve ser tratada e inserida nesses ambientes para assegurar a permanência desses profissionais no âmbito empresarial ou acadêmico, pois a orientação sexual não define em nenhuma circunstância ou justificativa o caráter e o profissionalismo de um cientista.
A única coisa que se justifica é o mau caráter dos profissionais que fomentam a discriminação e o ódio dentro de seus locais de trabalho. A ciência é um organismo ativo de comunhão e, com práticas de segregação e exclusão de pessoas que a fazem acontecer, essa será destruída, pois o preconceito aniquila o conhecimento.
No âmbito acadêmico, a simples menção de temas como a homossexualidade pode causar desconforto em algumas partes. Segundo Deborah Britzman (O que é esta coisa chamada amor: identidade homossexual, educação e currículo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 21, n. 1, p. 71-96, jan/ jun 1996), nas escolas “...existe o medo de que a mera menção da homossexualidade vá encorajar práticas homossexuais e vá fazer com que os/as jovens se juntem às comunidades gays e lésbicas”.
Mas, se a educação é a base da sociedade, urge a necessidade de que temas como esse sejam estudados, pois é a única forma de desfazer o preconceito desde cedo na formação humana.
Paulo Freire (Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 24. ed.) já dizia, “a escola não transforma a realidade, mas pode ajudar a formar os sujeitos capazes de fazer a transformação da sociedade, do mundo, de si mesmos”, ou seja, a escola e a universidade são os espaços que têm a capacidade de transformar a sociedade, que detém a faculdade de instruir cidadãos os valores sociais, dentre eles o respeito à diversidade social e humana.
Esses espaços, atualmente, são uns dos únicos lugares em que ideias preconceituosas contra grupos minoritários ou grupos segregados podem ser desfeitas, promovendo um pensamento mais democrático e científico a respeito desses temas.
Pensando em como reverter a realidade acadêmica atual, imersa em preconceitos e discriminações, para um ambiente de respeito e inclusão, destacamos nesse texto algumas ações do grupo do Programa de Educação Tutorial PET Física da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) para trazer esse tema em discussão dentro da universidade.
Em 2022, no Dia do Físico, 19 de maio, juntamente com o PET Física Médica e o PET Biologia Pontal, também da UFU, realizou-se uma live com a temática LGBTQIA+ na ciência com uma cientista travesti e doutora em Física. Nesse mesmo ano, em novembro, o PET Física realizou o primeiro encontro da Física para celebrar o Dia da Consciência Negra, reunindo professores e alunos negros do instituto para conversar e discutir sobre vivências na academia, relatos, histórias, desafios enfrentados em suas trajetórias e formas de combater o racismo.
Para saber mais sobre essas atividades, dentre outras promovidas por demais grupos PETs ao longo do Brasil, acesse o artigo “A inclusão de pessoas LGBTQIA+: um breve levantamento de atividades dos PETs e reflexões educacionais”.
Portanto, desvincular a inclusão social da educacional é um erro, pois a educação é a base da sociedade, é onde se forma o caráter e o respeito. A inclusão de grupos minoritários, segregados ou excluídos na academia é um processo em construção que, felizmente, hoje é abordado de forma mais ampla, mas não suficiente.
As atividades realizadas pelo PET Física UFU, assim como a de outros PETs pelo Brasil, fortalecem a inclusão e promovem a união no âmbito científico acadêmico, combatendo, por exemplo, o racismo na universidade e visando a promoção da discussão de assuntos que historicamente não eram abordados nesse local devido à pouca diversidade de pessoas.
Ações afirmativas como essas reforçam o papel do PET para a universidade e a sociedade, o de “estimular a vinculação dos grupos a áreas prioritárias e a políticas públicas e de desenvolvimento, assim como a correção de desigualdades sociais; contribuir com a política de diversidade, por meio de ações afirmativas em defesa da equidade socioeconômica, étnico-racial e de gênero”.
Que a inclusão seja feita de forma plena na ciência, para que seus avanços em todas as áreas do conhecimento abranjam a participação de todos pois, reforçando, o preconceito aniquila o conhecimento.
É importante não se esquecer que a inclusão é essencial e um fato recente que completa essa discussão é: uma mulher, autodeclarada preta, cientista e brasileira, recentemente mapeou os primeiros genomas do coronavírus que contribuiu para o desenvolvimento de uma vacina para a covid-19. Aprendemos muito com isso, a inclusão favorece o aumento da diversidade na academia e fora dela, fomenta o enriquecimento da pesquisa e, consequentemente, favorece toda a sociedade.
* Olavo Viola e Ruth Ellen Martins Santos Almeida são graduandos em Física pelo Instituto de Física da Universidade Federal de Uberlândia e membros do PET Física UFU.
A publicação desse texto é decorrente da parceria da Diretoria de Comunicação Social (Dirco) com a Comissão Permanente de Acompanhamento dessa Política (CPDIVERSA) voltada à difusão de informações sobre as temáticas LGBT no campo do ensino, pesquisa, extensão e gestão. Para saber mais sobre a Política de Diversidade Sexual e de Gênero da UFU e a CPDIVERSA acesse: https://ufu.br/cpdiversa.
A seção "Leia Cientistas" reúne textos de divulgação científica escritos por pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). São produzidos por professores, técnicos e/ou estudantes de diferentes áreas do conhecimento. A publicação é feita pela Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social (Dirco/UFU), mas os textos são de responsabilidade do(s) autor(es) e não representam, necessariamente, a opinião da UFU e/ou da Dirco. Quer enviar seu texto? Acesse: www.comunica.ufu.br/divulgacao. Se você já enviou o seu texto, aguarde que ele deve ser publicado nos próximos dias.
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