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Ciência

O que há nos cigarros eletrônicos?

Participe de pesquisa do curso de Medicina da UFU sobre 'vapes'

Publicado em 03/02/2023 às 12:25 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:38

Os cigarros eletrônicos são proibidos no Brasil, não havendo um controle de qualidade desses produtos. (Foto: Unsplash)

          — Vire a carteira de cigarros de ponta-cabeça, bata-a contra a palma da mão com força moderada ajudando o conteúdo de cada unidade cilíndrica a se misturar. Bata quantas vezes achar necessário. Retorne a caixa para sua posição de origem. Para os fumantes que acreditam na misticidade do ato, você também pode ter um “cigarro da sorte”. Escolha um cigarro aleatório, vire-o do avesso. Ele será o último a ser consumido e não poderá ser dado a ninguém. Esse é o sortudo da vez. Segure o canudo de papel com o filtro virado para a boca, concentre-se em não ceder à tentação do que está por vir. Puxa. Prende. Solta. 

 

A bruma é assim: por fora parece bela, instigante, sensual, mas por dentro, sufoca e aos poucos pode matar. Caroline Costa, 31 anos, conta que os amigos a estimularam a fumar pela primeira vez dessa forma, aos 15 anos.

O que poderia ter terminado na tragada inicial se prolongou por anos. Tantos anos que a fumaça cheia de nicotina a envolveu e, hoje, ela ainda tenta encontrar a saída em meio à neblina.

Entre o puxar, prender e soltar, ela se viu na inércia do significado da segunda palavra. Presa à ilusão de quem acredita que será a última vez com o canudo de nicotina na boca.

A fumante de fim de semana – como Costa se definia – e que queria parar de fumar passou por todas as etapas do vício. Trocou o cigarro branco ocasional pelo palheiro cotidiano – equivalente ao consumo de quatro ou cinco cigarros convencionais – e dele, para os aromas doces, afrodisíacos e extremamente tóxicos do cigarro eletrônico.

O item, criado com a proposta de ajudar pessoas a pararem de fumar cigarro convencional, atrai um grupo jovem e sem medo dos seus riscos. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 70% dos usuários têm entre 15 e 24 anos e são expostos constantemente aos riscos provocados pelo vape – como o cigarro eletrônico também é chamado.

Os adeptos da tecnologia trazida a cada trago eletrônico estão errados quando afirmam que o “brinquedinho” tem menores níveis de nicotina. Em alguns casos, essa quantidade pode ser ainda maior. Além disso, o que poucos sabem é que ele também pode reunir mais de 80 substâncias tóxicas.

Arte: Gabriel Reis

 

O legado de vossa miséria

“Eu não sou viciada; quando eu quiser, eu paro!”, conta Costa de maneira irônica e como quem se lembra de toda a sua história com o cigarro em um milésimo de segundo.

Ela, que desde o ano passado usa o cigarro eletrônico como transição para parar de fumar, explica que, para além dos valores salgados que o vício demanda, os problemas acarretados por ele também a preocupam.

O cigarro eletrônico, que funciona por um processo de vaporização, acarreta graves problemas respiratórios devido a essas substâncias diluídas no líquido que o compõe e dá o cheiro adocicado e perigosamente atraente.

O médico pneumologista Thulio Marquez, que atua no Hospital de Clínicas (HC) e é professor do curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), explica que os danos à saúde podem surgir em curto e longo prazo. Dentre os problemas de saúde, estão: doenças respiratórias e pulmonares, insuficiência respiratória aguda grave, enfisema pulmonar, doenças cardiovasculares, dermatites e câncer.

“Para além disso, os cigarros eletrônicos podem acarretar o que chamamos de pneumonias intersticiais agudas graves, a depender das substâncias contidas no conteúdo inalado. Vale lembrar que todas elas são proibidas no Brasil e não passam por nenhum tipo de controle de qualidade”, esclarece o pneumologista.

Arte: Gabriel Reis. (Fonte: Instituto Nacional de Câncer - Inca)

 

'Foi uma brincadeira que acabou ajudando na minha ansiedade'

“Válvula de escape: locução substantiva; é uma válvula que se abre automaticamente fazendo com que o fluido saia do sistema, quando a pressão interna é muito alta e ultrapassa o nível de segurança; válvula de segurança.”

Esse foi o uso que Costa descobriu “sem querer” para o cigarro – uma estratégia rápida para acalmá-la em suas crises de ansiedade.

O fato, embasado cientificamente, acontece da seguinte forma: a nicotina aspirada vai para os pulmões, cai na corrente sanguínea e chega ao cérebro, provocando uma sensação de prazer imediato. Um dos principais motivos que torna o cigarro tão viciante.

Quando a busca pelo prazer nicotínico começa a se repetir, o indivíduo torna-se como Sísifo na mitologia grega.

O homem, considerado o mais inteligente e esperto entre os mortais, certo dia, ousou desafiar os deuses do Olimpo e tentar enganá-los. Semelhante a quem acredita ser bom o bastante para não ceder ao consumo insaciável do cigarro.

Furiosos com os atos de Sísifo, os deuses o condenaram a rolar uma pedra morro acima por toda a eternidade. Sempre que ele chegava ao topo a pedra retornava à base.

Com a nicotina não é diferente. Quando você acha que acabou, o desejo de sentir o seu prazer retorna. Primeiro, ele vem como um sussurro e lança a ideia de fumar só mais um cigarro. Quando ignorado, ele surge novamente como uma voz autoritária. Se, mais uma vez, você não ceder à bruma, o desejo grita sem parar em cada célula do seu corpo e, assim, surgem os indícios de vício.

Arte: Gabriel Reis. (Fonte: Thulio Marquez)

 

Pesquisa UFU

 

Clique na imagem e acesse o formulário referente ao estudo. (Imagem: Divulgação)

Em busca de traçar um perfil dos seus usuários, analisar as motivações que os levam até o consumo dos vapes e seus riscos, alunos do curso de Medicina da UFU promovem uma pesquisa sobre o tema.

Orientada por Marquez, Ana Laísa Mota, aluna do oitavo período, conta que o que a motivou ao tema de pesquisa foi a curiosidade gerada ao observar o grande número de consumidores que existem no município de Uberlândia (MG).

O trabalho, realizado exclusivamente com graduandos da UFU, que sejam maiores de 18 anos, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos (CEP/UFU) e se encontra atualmente em sua fase de coleta de dados.

“O cigarro eletrônico está sendo muito usado por jovens adultos; por isso, convidamos esse público a participar do estudo e nos ajudar a entender melhor os riscos que o aparelho pode acarretar, promover algum tipo de orientação e conscientização”, ressalta Mota.

 

'Eu sinto que consigo parar'

Uma semana, 168 horas ou 10.080 segundos. Esse é o período que Costa está sem a nicotina no corpo, sem ser consumida pela bruma do cigarro eletrônico.

Ela continua caminhando rumo ao desconhecido da fumaça, acredita que consegue parar e reconhece que outros talvez tenham mais dificuldade.

“Talvez eu aproveite esse tempo e pare de uma vez…”, comenta esperançosa e com um sorriso de canto.

Costa entrou na bruma já pensando em deixá-la, acabou se distraindo com os inúmeros tons da fumaça, transformou suas texturas como forma de tentar encontrar o caminho para fora mais facilmente e, hoje, a bruma parece começar a dissipar.

 

 

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Palavras-chave: vapes cigarros eletrônicos pesquisa UFU

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