Publicado em 28/04/2023 às 17:28 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:38
Trópia investiga, com colegas da Unicamp, como trabalhadoras do cuidado e entregadores se organizam coletivamente, quais são suas reivindicações e como elas e eles lutam. (Foto: Marco Cavalcanti)
Dia 1º de maio é o dia dos trabalhadores e das trabalhadoras. É uma ótima oportunidade para falar sobre eles e elas, sobre nós.
Eu pesquiso os trabalhadores e as trabalhadoras há aproximadamente 30 anos. Eu tenho interesse em entender como, porque e de que forma os trabalhadores e trabalhadoras se organizam para reivindicar melhores salários, direitos e expor os problemas relativos ao seu ambiente de trabalho (saúde, segurança, adoecimento, assédio, stress) e suas condições de trabalho. Tenho interesse em compreender como as pessoas trabalham, mesmo quando elas imaginam que são autônomas ou não são empregadas formalmente por uma empresa. Estou investigando com colegas da Unicamp [Universidade de Campinas], neste momento, como trabalhadoras do cuidado e entregadores se organizam coletivamente, quais são suas reivindicações e como elas e eles lutam.
Eu estudo principalmente os sindicatos. Os sindicatos são associações de trabalhadores e trabalhadoras, criadas pelos próprios trabalhadores e pelas próprias trabalhadoras para se proteger da desigual diferença de poder em relação aos seus empregadores. Como os trabalhadores podem enfrentar o poder das empresas? Unindo-se. É a força numérica e principalmente a força política dos trabalhadores e das trabalhadoras unidas que pode fazer pressão sobre as empresas.
Eu investigo os sindicatos a partir de diferentes perspectivas, mas, nos últimos anos, eu tenho pesquisado como a Reforma Trabalhista de 2017 afetou os sindicatos no Brasil.
O que foi a Reforma Trabalhista? E como ela afeta os trabalhadores, as trabalhadoras e os sindicatos?
Em 2016, houve um processo de impeachment de Dilma Rousseff e o resultado foi um golpe (Trópia, 2019). A contrapartida pelo apoio de amplos setores empresariais ao processo de impeachment de Dilma Rousseff foi a adoção, pelo governo Michel Temer, de um conjunto de medidas voltadas a reduzir o custo das empresas com a força de trabalho e, com isso, supostamente atrair investimentos. Tratava-se de reduzir o “custo Brasil”. A ideia é basicamente esta: os trabalhadores brasileiros teriam que perder direitos e benefícios, até então garantidos por décadas pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
De acordo com essa visão, como os sindicatos são defensores dos direitos e benefícios dos trabalhadores, eles também teriam que ser enfraquecidos. A Reforma Trabalhista (RT) de 2017 parte do princípio de que os sindicatos são atores políticos indesejáveis, pois a RT retirou espaços de atuação das associações sindicais e alterou o conceito de direito do trabalho, fazendo valer a ideia do negociado sobre o legislado e da negociação individual sobre a negociação coletiva. Ela reforçou o individualismo e enfraqueceu o caráter público do direito.
Na conjuntura da Reforma Trabalhista, grande parte dos sindicatos e das centrais sindicais fizeram mobilizações importantes, organizaram a maior greve da história do país, em abril de 2017, para tentar impedir a tramitação do Projeto de Lei 6.787/16. A Reforma Trabalhista foi aprovada, por meio da Lei nº 13.467/2017, mas ela não criou empregos e, sim, muitos bicos; não ampliou os contratos formais e não fortaleceu as negociações coletivas. Não cumpriu o que prometeu.
A Reforma Trabalhista brasileira não foi uma iniciativa isolada. Desde a crise de 2008, países como Espanha, Reino Unido, Alemanha e México, por exemplo, realizaram reformas na mesma direção. Todas estas reformas buscaram reduzir os custos do trabalho, mas em nenhum desses países elas impactaram no nível de emprego; todas tenderam a facilitar a supressão de direitos (o que nós chamamos de flexibilização) e a multiplicar as formas de contrato precários ou atípicos. No caso do Brasil, a Reforma Trabalhista ampliou o emprego informal, o trabalho por contra própria, o autônomo permanente.
Embora as pesquisas mostrem que não havia concordância entre os dirigentes sindicais a respeito das implicações da prevalência do negociado sobre o legislado, há consenso de que as condições para as negociações coletivas se tornaram adversas após a reforma. De acordo com as percepções das lideranças sindicais da CUT [Central Única dos Trabalhadores] e da CSP-Conlutas [Central Sindical e Popular - Coordenação Nacional de Lutas], que nós pesquisamos em 2019, os acordos e negociações coletivas passaram a permitir mudanças na forma de contratação do trabalho (com destaque para a presença da terceirização nos instrumentos normativos), na forma de remuneração (autorizando-se parcelamento de férias e remuneração variável), na organização do tempo de trabalho (jornada 12 X 36, jornada parcial, fracionamento ou redução de intervalos) e a introdução do teletrabalho (Campos et al., 2021a).
Os trabalhadores e as trabalhadoras têm cada vez mais dificuldades de defender seus direitos, que são apresentados como privilégios – especialmente no setor público. Também têm mais dificuldade de resistir ao “canto da sereia” da empregabilidade, do autoempreendimento e do trabalhador-empreendedor, que individualiza o problema do desemprego e responsabiliza o próprio trabalhador pelo seu sucesso ou fracasso. Ademais, o movimento sindical tem sido desafiado em seu poder de representação e mobilização pelo crescimento da informalidade e da terceirização, por um lado, e pela queda na filiação sindical e na arrecadação, por outro. Com o fim do imposto sindical, os sindicatos perderam capacidade de financiamento. Muitos sindicatos tiveram que fechar sedes e subsedes e outros reduziram o tamanho das estruturas das entidades. Houve compartilhamento de espaços entre sindicatos diferentes, mas pouquíssimas tentativas de fusão.
O que os sindicatos têm feito para enfrentar tantas adversidades?
As pesquisas que conduzimos com colegas (Campos et al., 2021a; Campos et al., 2021b; Colombi et al., 2022) evidenciam que os sindicatos, embora tenham sido muito impactados pela reforma trabalhista, têm buscado se defender e reinventar.
Nossas pesquisas também identificaram que os sindicatos passaram a dar maior atenção a comitês de empresa, eleição de delegados sindicais e representantes no local de trabalho com vistas a se aproximar dos trabalhadores. Campanhas de sindicalização tornaram-se mais frequentes, novas estratégias de comunicação, sobretudo com o amplo uso das redes sociais, passaram a ser recorrentemente utilizadas. A oferta de serviços assistenciais também continua sendo vista como uma forma de atrair novos sócios.
Publicados no livro Panorama do Sindicalismo no Brasil 2015-2019, os resultados da pesquisa que finalizamos em 2022, com 27 entidades sindicais nacionais, mostram que há experiências promissoras de organização: vários sindicatos têm procurado se aproximar e organizar a base por meio de comitês de empresa, comissões no local de representação, CIPAS [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes], sindicato itinerante e do aumento do número de delegados sindicais.
Os sindicatos têm investido na comunicação com a base, por meio das redes sociais, pesquisas para conhecer o perfil social e as demandas da categoria, criação de mecanismos de consulta e discussão por meio de instrumentos tecnológicos. Ademais, têm procurado realizar ações voltadas a grupos específicos de suas bases, tais como mulheres, jovens, aposentados, inseridos ou não em movimentos sociais.
Alguns sindicatos têm procurado representar e mobilizar os terceirizados, alterando estatuto, filiando-os ou criando a figura do sócio usuário ou sócio especial, embora esta prática seja residual.
Na pandemia, os sindicatos, mundo afora, ressurgiram como atores centrais. O princípio da solidariedade que está na base de toda associação sindical emergiu, em um contexto de crise sanitária sem precedentes. No Brasil, muitos sindicatos não fecharam as portas. Ao contrário, abriram suas portas e colocaram suas estruturas para apoiar e desenvolver ações solidárias, humanitárias, e defender a vida de seus representados. Muitos sindicatos passaram a comprar EPIs [Equipamentos de Proteção Individual] para seus filiados, a distribuir alimentos nas periferias e apoiar cozinhas coletivas organizadas por movimentos sociais como o MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto].
Diante da inação de prefeituras e sobretudo do negacionismo do governo Bolsonaro, os sindicatos mostraram que o princípio da solidariedade entre os trabalhadores não é coisa do século XIX, mas continua vivo. Os trabalhadores e as trabalhadoras sindicalizadas têm melhores condições de trabalho, pois suas entidades acabam cumprindo um papel de defesa de direitos e de fiscalização do trabalho. Os trabalhadores e as trabalhadoras sindicalizadas também recebem salários mais elevados, o que significa que a associação sindical faz diferença na vida dos trabalhadores.
*Patrícia Vieira Trópia é professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia (Incis/UFU).
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Palavras-chave: trabalho Sindicato Trabalhadores Trabalhadoras
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