Publicado em 09/01/2024 às 16:14 - Atualizado em 12/01/2024 às 14:10
Você já deve ter se perguntado por que alguns meses têm 30 dias, outros 31, e o porquê da existência dos anos bissextos, que acontecem a cada quatro anos e fazem fevereiro ter 29 dias. A resposta remonta aos anos 50 Antes da Era Comum (AEC), ou seja, antes do ano zero no calendário gregoriano, também referido como 50 a.C, e é uma combinação nada simples da história com a astronomia.
O que são os anos bissextos?
Esses anos “especiais” acontecem, em média, a cada quatro anos, tendo 366 dias, diferentemente dos anos regulares que contam com 365. A adição deste dia extra tem o propósito de alinhar o calendário com o movimento de translação da Terra, que é o tempo que o planeta leva para completar uma órbita ao redor do Sol, estimado em 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos. Essas horas excedentes, que ultrapassam o período de 365 dias, são compensadas a cada quatro anos, especificamente no dia 29 de fevereiro.
A introdução do ano bissexto remonta à época do líder político Júlio César, por volta de 50 AEC, na Roma Antiga. Para isso, foi preciso fazer uma análise astronômica. “A astronomia desde sempre tem sido responsável pela manutenção do tempo. Isso se deve principalmente às dificuldades da criação de um relógio preciso. Assim, os eventos cíclicos astronômicos acabam sendo cruciais para essa contagem. Os calendários civis foram criados baseados no ciclo tropical, ou das estações do ano, que depende da posição relativa entre a Terra e o Sol”, explica Altair Gomes Junior, professor do Instituto de Física da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Entretanto, até chegar à definição atual (que não é tão simples), diversos líderes, militares e religiosos, tiveram participações.
O calendário juliano
Há muitos anos Antes da Era Comum, Júlio César já havia percebido que o calendário utilizado estava desatualizado. Isso porque os primeiros calendários adotados em Roma já haviam passado por mudanças, como um de 304 dias divididos em 10 meses e outro de 355 dias divididos em 12 meses.
Com o auxílio de astrônomos, Júlio César definiu o calendário juliano parecido com o que temos hoje: 365 dias regulares e um adicional a cada quatro anos, com alguns meses tendo 30 dias e outros 31, além de levar em conta fases da Lua e datas específicas para o início das estações. O nome bissexto veio porque a data definida para o dia extra foi a repetição do sexto dia antes do 1º de março. Desse modo, repetindo o dia 24 de fevereiro. Daí a origem da palavra bissexto: duas vezes seis.
Já a escolha do mês de fevereiro e o motivo dele ter menos dias aconteceu por homenagens aos líderes. Após a morte de Júlio César, o mês “quintilis” passou a se chamar "julius” (julho) e ganhou um dia a mais, ficando com 31 dias. Para homenagear o sucessor, César Augusto, o mês “sextilis” passou a se chamar “augustos” (agosto) e, para a homenagem ficar igual, tiraram um dia de fevereiro e colocaram em agosto, ficando julho e agosto com 31 dias.
Porém, com tantas mudanças até definir, de fato, o calendário juliano, já havia uma diferença de 80 dias em relação ao ano solar. Desse modo, Júlio César definiu que o ano 46 AEC tivesse 455 dias. O que parecia uma solução não acabava ali.
O poder da Igreja Católica
Centenas de anos depois, em 1582, o calendário passou por outra mudança. Há anos, estudiosos vinham percebendo que o calendário estava se distanciando dos fatores astronômicos e que começaram a ter mudanças nas estações, por exemplo. Foi quando o papa Gregório 13 adotou uma solução, mas que também trazia interesses da Igreja por trás.
“Para a Igreja, o descompasso causado por um calendário que se distanciava do calendário solar, dos equinócios e prejudicava a definição das estações comprometia, também, as datas das festividades religiosas. Podemos dizer que existia um problema secular, mas também um problema religioso e ambos precisavam ser solucionados”, destaca Gustavo de Souza Oliveira, professor do Instituto de História da UFU e especialista em História das Religiões.
Desse modo, o papa convocou um comitê científico que descobriu que se a adoção de um dia ocorresse simplesmente a cada quatro anos, com o passar do tempo a conta não iria fechar. E não só isso, pois já havia um atraso de 10 dias no calendário. Logo, Gregório 13, junto com a comissão, criou novas regras: aquele ano teria 10 dias a menos, que foram descontados em outubro (o dia 4 foi seguido do dia 15), e uma conta matemática passaria a definir os anos bissextos.
São bissextos todos aqueles múltiplos de quatro (os anos de 2024 e 2028, por exemplo). Se o ano for terminado em 00, é levado em conta se ele é divisível por 400. Por isso, 1900 não foi ano bissexto, mas 2000 foi. Com a nova fórmula, o ano do calendário ficou matematicamente ajustável ao natural, sem que haja um espaçamento longo para isso.
Mas a Igreja Católica era realmente poderosa ao ponto de interferir na contagem do tempo? Naquela época, ela já tinha se expandido pelas Cruzadas, o que já mostrava uma força não somente cultural, mas também militar e política. Porém, a Igreja sofria com a Reforma Protestante.
Oliveira explica que a Reforma Protestante criou uma realidade nova e exigiu uma reação imediata conhecida como Contrarreforma. Essa ação teve dois aspectos principais: a tentativa de retomar militarmente territórios que estavam dominados pela Reforma e a tentativa de sufocar a nova religião, fortalecendo uma influência católica. “Resolver o problema do calendário se enquadrava nesse segundo aspecto da Contrarreforma, ou seja, era uma maneira de reafirmar o poderio político e religioso da Igreja Católica”, completa o historiador.
Vale destacar que a comissão científica criada pelo papa também não foi à toa. “A Igreja sofria com acusações de agir contra a ciência da época. A própria Contrarreforma proibiu a leitura de diversos livros e contribuiu para o aumento das críticas. Contudo, para buscar soluções para o calendário foi necessário dialogar com astrônomos e outros pensadores, permitindo reconstruir uma imagem, com a qual a Igreja Católica se apresentava como aliada da intelectualidade”, finaliza Oliveira.
Existem outras formas de contar o tempo?
Gomes Junior aponta que, matematicamente, a forma como organizamos o calendário atual não é a única solução. “Seria possível ignorar os anos bissextos por 99 anos e adicionar 19 dias no centésimo ano, por exemplo. Ou ignorar completamente os anos bissextos e lidar com a diferença em relação ao ciclo tropical. Assim, daqui uns anos, aquelas aguardadas férias de verão aconteceriam num inverno”, brinca o astrônomo.
Ele ainda explica como existem outras formas de contar a passagem do tempo. A maioria é associada a ciclos religiosos ou tropicais, com ênfase nos ciclos solares ou lunares. De acordo com ele, a forma de medir o tempo vem da necessidade de organização humana. A utilização do ciclo tropical é natural devido à sua utilização na agricultura. Muitas culturas utilizaram esse ciclo como base e, mesmo que tivessem um calendário sem a inserção do ano bissexto, correções eram calculadas para o devido planejamento das épocas de plantio e colheita.
Já mudanças naturais, como na órbita da Terra, afetam muito pouco a forma como calculamos o tempo. “A direção do eixo da Terra em relação ao Sol muda mais rapidamente, chamado de precessão. A precessão causa uma pequena variação entre uma órbita completa da Terra ao redor do Sol e um ciclo tropical, de forma que o início das estações não ocorram no mesmo ponto da órbita. Assim, existe uma diferença de poucos minutos entre um ano tropical, período entre dois equinócios de verão, por exemplo, e o ano sideral, de uma revolução da Terra ao redor do Sol”, finaliza Gomes Junior. Desse modo, a fórmula criada por Gregório 13 continua sendo a mais eficaz.
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Palavras-chave: ano bissexto fevereiro 29 história Astronomia Calendário gregório
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