Publicado em 29/01/2024 às 09:55 - Atualizado em 13/02/2024 às 22:10
Na efervescente cidade de Uberlândia, crescente potência regional no Triângulo Mineiro em meados do Século XX, foi fundada na década de 1950 uma instituição estudantil. Ela se tornaria a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), após um processo de federalização em 1978.
A UFU cresceu com o município e a região, formando muitos profissionais, e, nessas muitas décadas de existência, inúmeras vidas passaram todos os dias por seus corredores: estudantes, docentes e demais servidores. Alguns ficaram e estão há mais de quatro décadas dedicando seu trabalho à universidade, como é o caso de alguns vigilantes.
A Diretoria de Vigilância e Segurança Patrimonial da UFU (Divig) é um setor da universidade responsável pelos serviços de vigilância dos bens patrimoniais da instituição, serviços de portaria, recepção e fiscalização dos campi. Um dos cargos dentro da Divig é o de vigilante: servidores que cuidam da segurança e proteção, tanto da universidade quanto das pessoas que a frequentam.
Nosso time de estudantes de Jornalismo conversou com três dos profissionais que estão há mais tempo nessa função, ouvindo suas histórias de vida e suas trajetórias que, tão delicadamente, se emaranham à história da instituição, formando uma delicada colcha de retalhos preenchida por memórias, amizades e momentos inesquecíveis.
Edma Alves
É com sorriso no rosto que dona Edma, a primeira entrevistada desta matéria especial, aos 64 anos, relembra o tempo de trabalho como vigilante na universidade. Ela aceitou conceder sua entrevista em um banco do Bloco 3Q, onde conversou por mais de uma hora sobre sua trajetória.
Como a primeira vigilante mulher da instituição, ela está na UFU desde 1979, tendo sido efetivada em 1980. “Na época, como iniciativa empreendedora, a faculdade abriu vaga para mulheres fazerem esse serviço”, explica a vigilante de longo prazo. “Trabalhar na universidade abriu muitos horizontes; a UFU foi meu primeiro trabalho e, quando eu comecei, já ganhava 14 vezes mais que meu pai”. Em 1980, a UFU contava com 178 vigilantes, todos homens, exceto por Edma Alves. Apesar da estranheza inicial e do machismo de uma sociedade que ainda estava se acostumando à ideia da mulher que trabalha, ela se sentiu muito confortável no ambiente de trabalho, firmando amizades duradouras e que fazem parte de sua vida até hoje.
Das histórias que lhe marcaram em mais de quatro décadas de serviço à universidade, ela destaca acontecimentos como o nascimento de seus filhos, o apoio que teve nas vezes em que ficou doente e a beleza de momentos triviais como pegar mangas com seus companheiros durante a longa vigia noturna no Campus Umuarama. "Eu não seria nada sem meus companheiros; a vigilância sempre foi uma família”. Edma sorri ao contar dos bailes promovidos pela faculdade, em que dançavam e se divertiam, e relembra as recheadas cestas de Natal, das quais alguém sempre "surrupiava" um pouco de doce de leite, como forma de brincadeira entre os amigos.
Ao ser perguntada sobre a sua parte preferida do trabalho, ela afirma: “Ser útil. Eu falo em nome de todos os que restaram que a vigilância é muito importante. Estávamos lá para esclarecer dúvidas e proteger os alunos; existia muito prazer em acolher.”
E é da importância de acolher que ela conta em seguida, como forma de concluir a conversa: conforme se aproxima da aposentadoria, Edma nota os avanços tecnológicos como muito importantes para a sociedade e que muito mudou para melhor desde sua juventude, porém sente falta de tempos mais simples com conexões mais profundas entre as pessoas. “Todo esse progresso é muito bom, mas sinto falta da humanidade, do calor. Este seria meu conselho às pessoas: sejam humanos, acolham uns aos outros. Sem isso, o mundo acaba”, propõe, com um sorriso cheio de nostalgia pelas boas memórias e recheado de esperança pelo que há de vir.
Cícero Gomes Da Costa
Certamente, é possível que você que esteja lendo esta matéria já tenha cruzado com o olhar atento deste vigilante, o senhor Cícero Gomes da Costa. Ele é um homem de voz calma, porém constantemente atento quanto à segurança da UFU. Aos 70 anos, sua idade não se resume apenas a números; ela carrega consigo uma significativa carga de sabedoria e conhecimento adquiridos ao longo da carreira profissional.
Originário de Mossoró, no Rio Grande do Norte, Cícero mudou-se para Uberlândia em 1972, buscando uma melhor qualidade de vida. Na época, encontrar emprego tornou-se sua prioridade, uma questão de sobrevivência. O primeiro serviço na nova cidade foi em uma loja de tecidos, onde permaneceu por cerca de 6 anos.
Durante esse período, sua única família em Uberlândia era o irmão, Antônio Gomes da Costa, que também havia se mudado para a cidade em busca de trabalho um pouco antes de Cícero. Ao decidir deixar o emprego na loja de tecidos, Cícero foi contratado em regime CLT, em janeiro de 1980, como vigilante na UFU. O ingresso foi intermediado por um amigo de Antônio, Dorival Souto dos Reis, que na época era o gerente geral de serviços na universidade. Desde então, Cícero acumula quase 44 anos de dedicados serviços prestados.
Constituindo uma família ao longo desse tempo, viu seus dois filhos estudarem no mesmo lugar em que trabalha. O vigilante menciona ainda ter feito amigos que o acompanham até hoje. O que mais fica marcado em sua memória é o crescimento da UFU, com a chegada de novos cursos.
Ao ser perguntado sobre o motivo de permanecer tanto tempo trabalhando em um mesmo lugar, o vigilante declara: "Minha presença se fez e ainda é importante não só para mim, mas também para os alunos, professores e técnicos." Questionado sobre o papel do vigilante na instituição, Cícero oferece uma resposta clara: "A função de um vigilante da UFU é zelar pelo maior patrimônio da universidade, que são os alunos. Devemos sempre tratá-los com respeito e cortesia; é isso."
Embora não esteja mais na "linha de frente", como ele prefere chamar, Cícero continua fazendo parte da equipe da Divig, responsável por coordenar a segurança patrimonial da universidade, por meio dos colaboradores da empresa terceirizada contratada.
Não há canto da UFU que Cícero não conheça; até mesmo nos campi fora da cidade de Uberlândia, o vigilante já trabalhou. Com a sabedoria de sua idade, ele também atua fora dos muros da UFU. À noite, se torna cozinheiro e vende caldos por delivery para complementar a renda. Infelizmente, esses 44 anos de dedicação como vigilante podem estar chegando ao fim, pois Cícero pretende se aposentar ainda este ano.
Sebastião Carlos Martins
No auge de seus 75 anos, mais da metade deles foram dedicados a um de seus grandes amores: a Universidade Federal de Uberlândia. Sebastião Carlos Martins, mais conhecido como Martins, tratamento que herdou da época em que serviu ao Exército, relembra a sua trajetória em uma das maiores instituições de ensino do país.
Foi em 1978, mais precisamente no fim daquele ano, durante o processo de federalização, que Martins começou sua história com a universidade. Como vigilante do Hospital de Clínicas, onde hoje está localizado o Setor de Oncologia, em 1979, Martins realizou o curso na área de segurança e permanece na função até os dias de hoje.
Dentre as diversas mudanças presenciadas por ele, a que mais o marca é a expansão da UFU. “O que existe hoje, e antes não existia, é o crescimento, que eu achei muito bonito. A universidade é uma estrutura que a gente até duvida, do tanto que ela é presente”. Ter oportunidade de conhecer pessoas especiais e aprender com a rotina da instituição também foi algo que marcou muito o vigilante. “Eu conheci muita gente, muita gente muito boa! Eu gosto demais da UFU, porque eu aprendi muita coisa no dia a dia.”
Um de seus maiores orgulhos é o bom relacionamento que construiu ao longo de 45 anos de carreira na universidade e, claro, as amizades. E por falar em amizade, Cícero, um dos vigilantes mais longínquos da instituição, para além de colega de profissão, é um de seus grandes amigos. “Ele [Cícero] quando entrou, em 1980, o primeiro dia de serviço foi junto comigo. Eu fui passando tudo para ele, que é uma pessoa maravilhosa”, testemunha Martins.
A vida pessoal de Martins também lhe presenteia orgulho, mais precisamente pelos seus dois filhos: Marco Túlio e Marcelo. Ele diz, de maneira carinhosa, que a relação entre eles é amorosa, amigável e respeitosa e que isso é sua maior glória. Para além do amor pelos filhos e a profissão, os livros também são outra paixão latente em seu coração. E ele gosta dos clássicos. O último lido por Martins foi "Grande Sertão: Veredas", do renomado Guimarães Rosa. Claro que ele não deu descanso às leituras; o da vez é "O Tempo e o Vento", de Érico Veríssimo, um de seus autores favoritos.
E sobre se aposentar, definitivamente, é algo que não está nos planos. Segundo Martins, que atualmente é vigilante no Museu do Índio, se ele tiver saúde, continuará trabalhando, assim como fez durante esses mais de 40 anos. “O que vai me falar sobre isso aí [aposentadoria] é a saúde. Se a saúde der, eu vou até a aposentadoria compulsória (risos). Ainda faltam mais dois anos e pouco. Eu quero ver se eu consigo ir, né?! (risos). Se a saúde permitir, a gente vai chegar lá, se Deus quiser."
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Palavras-chave: Divig homenagem servidores vigilantes
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