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DOUTORADO

Negociando o papel da madrasta

Tese de doutorado desenvolvida na UFU aborda como a figura da madrasta é tradicionalmente vista como vilã

Por: Maria Eduarda Amorim
Publicado em 15/04/2025 às 10:11 - Atualizado em 23/04/2025 às 15:26

Para a autora, no caso das madrastas das histórias clássicas, trazer diferentes perspectivas para essas personagens é fundamental para ampliar a representação feminina. (Imagem: Freepik)

 

“Espelho, espelho meu… existe alguém mais bela do que eu?” é uma das frases mais populares dos contos de fadas. Ela surgiu da história Branca de Neve e foi dita pela madrasta e antagonista da mocinha, a Rainha Má. No conto, a figura da madrasta é criada por meio da oposição ao ideal materno, em que se estabelece uma relação de poder e inimizade contra a enteada. Na literatura, essa narrativa é usada de forma frequente, sendo encontrada em outros contos famosos como Cinderela, em que esse vínculo desagradável é essencial para o desenvolvimento da história. Mas você já se perguntou por que cabe à madrasta, na tradição, apenas o papel de vilã?

A pesquisadora Lívia Maria de Oliveira, do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), se fez essa pergunta e buscou respondê-la em sua tese de doutorado intitulada “Negociando a narrativa da madrasta: novas perspectivas para a vilã dos contos de fadas”. A ideia para a pesquisa surgiu em sua conclusão de mestrado, que analisou os níveis de subversão alcançados pelas princesas nas releituras de Angela Carter, “The Snow Child” (1979), e de Barbara G. Walker, “Snow Night” (1996). A partir disso, Oliveira percebeu a grande influência da figura da madrasta vista como vilã.

“Repensar essas narrativas é essencial para questionar discursos enraizados e ampliar as possibilidades de representação feminina. Se o patriarcado foi historicamente construído, também pode ser desconstruído, abrindo caminho para novas formas de contar histórias e redefinir o papel das mulheres na sociedade”, acrescenta Oliveira sobre o propósito da tese.

O trabalho teve como foco de análise releituras da história Branca de Neve, como “The Snow Child”, de Angela Carter; “Snow Night”, de Barbara G. Walker; “The Dead Queen”, de Robert Coover; Garotas de Neve e Vidro, de Melissa Bashardoust; “A Mais Bela de Todas – A História da Rainha Má”, de Serena Valentino; e o seriado “Once Upon a Time”, de Adam Horowitz e Edward Kitsis. O estudo teve como intuito compreender a narrativa da madrasta e também entender o seu passado, a fim de justificar sua vilania.

A tese defende, por meio das análises, a hipótese de que a busca pela origem do mal da madrasta é uma ficção que não desvaloriza a história. Na investigação para saber sobre o passado e negociar sua narrativa, a autora cria o termo “memória-origem” para se referir às releituras que mostram o passado da madrasta com o objetivo de explicar como surgiu sua maldade. Para Oliveira, não se trata de apagar o passado da personagem, nem sua narrativa tradicional, mas de compreender que, ao longo da trajetória histórica dos contos de fadas e do processo de apropriação e modificação ideológica, observa-se uma estagnação do significado por meio da repetição que vincula a madrasta, geralmente, ao aspecto negativo.

A pesquisa, por meio da investigação das releituras, aponta que a diversidade de justificativas para o papel de vilã da madrasta no conto pós-moderno possibilita à personagem a chance de oscilar entre o bem e o mal, não estabelecendo significados fixos e imutáveis. Dessa forma, nos contos de fadas contemporâneos, a madrasta tem a chance de ser mais do que uma mera antagonista com desejos de punir sua enteada — pode negociar e reconstruir sua imagem, que por muito tempo foi o polo negativo de muitas narrativas.

“Ao conhecermos as motivações que levaram a vilã a ser má, somos levados a desenvolver empatia por ela. Criar novas narrativas que renegociem a representação da madrasta é essencial para desconstruir estereótipos e enriquecer a diversidade de papéis femininos na ficção. Ao integrar diferentes perspectivas, essas histórias contribuem para uma visão mais plural, realista e questionadora da condição feminina na literatura e no imaginário coletivo”, finaliza Oliveira.

Você pode conferir a tese no Repositório Institucional da UFU.

 

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Palavras-chave: tese Doutorado UFU literatura

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