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Tecnologia

Cientistas alertam: data centers podem causar crise de água e energia

Como os gestores, a ciência e a sociedade podem fiscalizar esses empreendimentos

Publicado em 22/09/2025 às 15:33 - Atualizado em 30/09/2025 às 07:40

Imagem: Freepik

 

O que fazemos na internet é processado e guardado em lugares físicos, predominantemente em imensas bibliotecas de computadores, chamadas de data centers – em tradução para o português, centros de dados. Para funcionar, além de equipamentos, tecnologias e profissionais qualificados, os data centers precisam de muita (muita!) energia e água. 

Por isso, cidades que recebem a notícia de que sediarão esses centros, como Uberlândia (MG), em julho deste ano, comemoram os empregos que serão gerados e a movimentação da economia, mas precisam estar alertas: pode faltar água e energia para a população. Até mesmo em localidades com grande potencial hídrico, como é o caso de Uberlândia.

Dependendo da tecnologia adotada para resfriar os chips que trabalham ininterruptamente, ainda mais com o aumento da demanda dos sistemas de inteligência artificial, o consumo hídrico de um data center pode se equiparar ao de dezenas de milhares de residências. “Em um cenário de intensificação das mudanças climáticas, com maior frequência de secas severas e eventos climáticos extremos, a presença de consumidores intensivos de água pode agravar pressões já existentes sobre os recursos hídricos”, alerta o professor Daniel Caixeta Andrade, do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). 

Uma reportagem publicada pela BBC, também em julho, intitulada “‘I can't drink the water’ – life next to a US data centre”  (em português, “‘Não consigo beber água’ – a vida ao lado de um data center nos EUA”), mostra os problemas da escassez de água provocada por data centers no estado da Geórgia.

Além da água, os data centers consomem muita energia para operar os servidores e os sistemas auxiliares. Segundo o pesquisador Lourenço Galvão Diniz Faria, economista pela UFU que atua como consultor em transições e regulação energética, economia circular, inovação e sustentabilidade, um data center de tamanho médio consome o mesmo que mil casas e os maiores podem gastar o equivalente a 10 mil a 50 mil casas, ou seja, o mesmo que uma pequena cidade. “Hoje existem tecnologias que prometem reduzir esse consumo e aumentar a eficiência desses sistemas, mas sempre haverá um consumo significativo à medida que os servidores aumentam de tamanho e capacidade de processamento”, adverte.  

O cientista acrescenta outros impactos menos discutidos: o lixo eletrônico, já que os equipamentos são substituídos periodicamente em busca de maior eficiência de processamento, e a poluição sonora. “O zumbido constante de servidores e sistemas auxiliares cria níveis de ruído significativos e persistentes que podem chegar a 80 dBA [decibéis ponderados], comparáveis ​​aos de um soprador de folhas no entorno desses empreendimentos. Isso pode afetar comunidades próximas e animais silvestres”, exemplifica.

Também é preciso ponderar sobre os empregos que são gerados pela implantação de um data center, de acordo com Faria, pois há maior demanda apenas de vagas temporárias, na fase de construção. Como a força de trabalho dessa área já está no limite em Uberlândia, devem ser trazidos trabalhadores de outras localidades, mas que em pouco tempo estarão desempregados.  

O economista diz ainda que os 2 mil empregos permanentes prometidos para Uberlândia destoam de outros data centers pelo mundo. Em geral, a conta é de um funcionário permanente por megawatt (MW). O data center de Uberlândia terá capacidade energética contratada de 100 MW, o que resultaria em 100 funcionários permanentes. Uma reportagem publicada pelo jornal estadunidense The Wall Street Journal, em fevereiro deste ano, mostra que o boom dos data centers de IA é um fracasso na criação de empregos, pois precisam de poucos trabalhadores em espaços muito grandes.

 

(In)sustentabilidade 

A empresa que vai implantar o data center em Uberlândia promete operar com base nos princípios de sustentabilidade e responsabilidade ambiental, por exemplo, substituindo o uso de água para resfriar os equipamentos por um sistema de arrefecimento com outro líquido, como glicol ou óleo, que circula pela estrutura sem evaporar. É também por isso que, de acordo com matéria publicada pelo jornal mineiro O Tempo, neste mês, Uberlândia pode se tornar referência nacional em data centers.

Entretanto, toda atividade econômica tem algum tipo de impacto socioambiental, lembra Andrade. “Você pode até mitigá-los, mas eliminá-los não é possível”, completa o professor, com exemplos de iniciativas que podem ser mais responsáveis: usar energia 100% renovável, adotar sistemas de resfriamento por ar em vez de água, reutilizar calor gerado para outros usos ou instalar unidades em regiões frias, onde o resfriamento é naturalmente menos intensivo. 

Andrade explica ainda que sustentabilidade é um valor multidimensional, que também se articula com o social e o econômico. Uma empresa pode ser muito responsável do ponto de vista ambiental e usar as tecnologias mais “ecoficientes” disponíveis, mas se ela não se integrar ao território e não contribuir para o desenvolvimento local, impactando positivamente a dinâmica social do seu entorno, dificilmente será verdadeiramente sustentável.

“Algo é ‘sustentável’ em relação a algum parâmetro de referência, por exemplo uma tecnologia mais antiga e com menor eficiência. Entretanto, isso não significa que não exista um impacto ambiental significativo, apenas que o impacto daquilo é menor em relação à outras tecnologias”, acrescenta Faria. Além disso, o economista esclarece que sustentabilidade também é um conceito móvel, de modo que o que é sustentável hoje pode não ser considerado sustentável daqui a 10 anos.   

 

O que fazer?

É importante que as empresas que vão implantar data centers divulguem as informações sobre as tecnologias que serão utilizadas, em especial os indicadores-chave de desempenho ambiental (key performance indicators, KPIs), como eficiência no uso de energia, índice de eficiência de refrigeração, eficiência no uso de água, fator de energia renovável etc. Esses indicadores fazem parte das Diretrizes de Aquisição Sustentável para Data Centers e Servidores publicadas recentemente pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep/ONU).

Faria critica quando as informações divulgadas do ponto de vista ambiental e de consumo de recursos não são precisas. “Fala-se em ‘fontes renováveis de energia’, ‘tecnologia de ponta’, ‘arquitetura verde’, ‘gerenciamento energético’, ‘controle inteligente do consumo’, ‘baixo consumo de água’, mas esses termos são vagos e não informam para a sociedade quais serão os impactos reais”, exemplifica. “Isso é especialmente importante dado que o período de estiagem na nossa região tem se prolongado ao longo dos últimos anos como resultado das mudanças climáticas, bem como o consumo de água resultante do crescimento populacional e da atividade econômica”, acrescenta.

Seguir à risca todas as normativas referentes a esse tipo de atividade e  empreendimento é o mais importante, na avaliação do professor Andrade. Ainda está em tramitação o Projeto de Lei n° 3018, de 2024, que busca regulamentar os data centers dedicados à inteligência artificial, mas já existem medidas provisórias do Governo Federal e regulações técnicas da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)

Cabe aos órgãos de fiscalização exigir estudos de impacto ambiental sérios, que incluam não apenas emissões diretas, mas também o ciclo de vida da infraestrutura e os impactos na rede elétrica e hídrica, defende Andrade. Aos gestores públicos, segundo o professor, é fundamental negociar contrapartidas: investimentos em eficiência hídrica e energética, compensações ambientais, apoio a energias renováveis locais. 

Os cientistas também são importantes nesse processo, pois podem monitorar efeitos e propor soluções técnicas mais sustentáveis. O pesquisador da UFU finaliza lembrando que a sociedade civil tem o papel de cobrar garantias para que o benefício econômico não venha às custas de maior vulnerabilidade socioambiental.

 


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Palavras-chave: data center Tecnologia Economia sustentabilidade

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