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Ciência

Professor visitante pesquisa Clube da Esquina e faz apresentações de jazz na UFU

Em entrevista, o guitarrista dos Estados Unidos fala sobre atividades nos campi e explica seu estudo

Publicado em 10/06/2022 às 09:38 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:39

Mark Tornelli, nascido em Illinois, nos Estados Unidos, é guitarrista, compositor, professor e tem 25 anos de carreira. (Foto: Acervo pessoal)

 

O Instituto de Artes da Universidade Federal de Uberlândia (Iarte/UFU) recebe, entre maio e agosto de  2022, Mark Tonelli, músico de jazz e professor de guitarra da Universidade de Millikin, localizada nos Estados Unidos.

O professor está ministrando cursos de atividades que envolvem o jazz, guitarra de jazz e empreendedorismo musical, enquanto também realiza pesquisas sobre as artes e o Clube da Esquina, um movimento que surgiu entre as décadas de 1960 e 1970, é caracterizado por misturar elementos da bossa nova, jazz e rock.

Tonelli veio para o Brasil por meio do programa Fulbright, que estimula relações de intercâmbio dos Estados Unidos com os outros países. A UFU também tem os processos seletivos lançados pela Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep/UFU), que oferece oportunidades de ensino para docentes substitutos, professores visitantes e professores/pesquisadores visitantes estrangeiros.

 

Você está desenvolvendo estudos sobre o movimento Clube da Esquina, um grupo de músicos, letristas e compositores que surgiu nos anos 1960 em Belo Horizonte. Qual o objetivo da sua pesquisa aqui na UFU?

Para um músico, a pesquisa, muitas vezes, significa investigar novas músicas e tentar incorporá-las ao repertório. E é exatamente issto que estou fazendo. Sendo que cheguei em Minas Gerais, é natural que escolhesse música que vem do estado. Um movimento que ocorreu em Minas Gerais no início dos anos 1970 era o Clube da Esquina. Entre outros, os arquitetos principais deste movimento foram Milton Nascimento e Lô Borges. Milton Nascimento não apenas se tornou um ícone brasileiro, mas acabou se tornando famoso em outros lugares do mundo, por colaborar com grandes músicos de outros países, incluindo vários músicos dos EUA. Ele se tornou um representante da música do mundo, uma classificação para música que ultrapassa fronteiras estilísticas, e acaba sendo uma mistura de vários estilos de vários lugares do mundo. Eu já conhecia Milton Nascimento anos antes de eu chegar aqui no Brasil, mas quando meu interesse na música brasileira se aprofundava, o Clube da Esquina, Milton Nascimento e outros músicos ligados ao movimento surgiram de novo e de novo.

Já toquei vários shows aqui em Uberlândia, mas também em Uberaba e Campinas. A música Clube da Esquina e principalmente Milton Nascimento não parava de aparecer. Por exemplo, no primeiro show que fiz, o líder da banda sugeriu a música “Vera Cruz” de Milton Nascimento. Estudei a partitura e ouvi a gravação para me familiarizar com a música e me preparar para tocar o show. Achei essa música ótima, e quando tive a oportunidade de liderar minha própria banda, incluí essa música no show. Então, o processo de pesquisar e incorporar ao meu repertório músicas do Clube da Esquina ou pelo menos associadas a músicos do movimento, já aconteceu. Imagino que este processo se repita várias vezes até eu voltar para os EUA, onde já tenho ideias de como posso incorporar essas músicas em meu trabalho por lá.

 

Você é músico de jazz, e esse estilo nasceu em Nova Orleans (Estados Unidos). Por que a música do Brasil é importante para entender o jazz?

Para simplificar uma situação muito complexa, que é feita de vários fatores culturais e econômicos, sim, jazz “nasceu” na cidade de Nova Orleans. Digo que isto é uma resposta simplificada porque é difícil, se não for impossível, dizer exatamente onde e como algo como um estilo musical “nasceu.” Mas acho que a maioria de historiadores de jazz concordaria que jazz, como um estilo distinto, foi formado na área de Nova Orleans, embora estivesse florescendo em outros lugares, principalmente no sul dos EUA, e se espalhasse rapidamente para o norte do país, como em torno da área da cidade de Chicago.A música do Brasil e a música dos EUA têm suas raízes em duas fontes principais: a harmonia da Europa e o ritmo da África. Ambos os países foram colonizados por europeus, no caso do Brasil, por Portugal, e no caso dos EUA, pela Inglaterra. Além disso, ambos os países escravizaram pessoas da África. De certa forma, os dois países desenvolveram de forma paralela, embora haja diferenças, é claro. Mais uma vez, de um modo bem simplificado, jazz é uma mistura de harmonia europeia e ritmo africano, que, mais ou menos, pode também descrever a música samba. Isto é, os dois países desenvolveram suas próprias versões dessa mistura de culturas europeia e africana.Era só uma questão de tempo até que os dois, com características tão parecidas, se misturassem. Isto aconteceu no Rio de Janeiro em torno do final dos anos 50. Os músicos da época pegaram a harmonia complexa e a improvisação de jazz que tinha desenvolvido ao longo dos anos nos EUA e o ritmo da samba, e misturaram os dois em um novo estilo chamada “bossa nova,” principalmente liderado pelo violonista e cantor João Gilberto, pelo pianista e compositor Tom Jobim, e pelo poeta Vinicius de Moraes. Aos poucos, músicos de ambos os países começaram a colaborar em gravações de bossa nova, e muitas músicas escritas por brasileiros se tornaram "standards'', ou seja, uma parte fixa do repertório dos músicos de jazz. Não é exagero dizer que todos os músicos de jazz, independentemente da sua localização no mundo, aprendem bossas novas e muitos dos sambas do Brasil. Faz parte do treinamento do músico de jazz. Fiz esse treinamento, e foi através dele que desenvolvi minha paixão pelo Brasil. Essa bela colaboração entre o Brasil e os EUA continuou desde o nascimento da bossa nova. É um intercâmbio cultural maravilhoso.

 

O que você mais gostou no Brasil?

Verdadeiramente, adoro o Brasil. Faz trinta anos, praticamente toda a minha vida adulta, que eu queria conhecer o Brasil. Vir aqui é um sonho realizado, um “check” enorme na minha lista de desejos. A comida é gostosa. As pessoas são amigáveis. O clima está ótimo. Saímos dos EUA quando ainda fazia frio. Lembre-se de que as estações são invertidas porque os EUA ficam no Hemisfério Norte, e o inverno e a primavera — que estavam apenas começando quando saímos— podem ficar muito frios, com temperaturas tão baixas como -15º celsius na região centro-oeste onde moramos. Sair daquele frio e chegar aqui no Brasil para ser recebidos por esse tempo maravilhoso foi um presente mesmo!

 

E na UFU?

A UFU é muito importante para Uberlândia e região em termos de pesquisa e cultura e oferece oportunidades para os membros da comunidade crescerem de várias formas. Tenho muito respeito pelos meus colegas na UFU. São muito bons no que fazem, e é óbvio que eles se preocupam com os alunos. Tive a oportunidade de tocar como músicos fantásticos aqui no Brasil. Tenho ficado muito impressionado com eles. É realmente uma educação tocar com eles, principalmente vendo como são especialistas na música brasileira. Passo muito tempo mentalmente “roubando” ideais deles!

A essência do jazz é a improvisação. Adoro a oportunidade de me expressar e de criar algo novo, no momento, em tempo real, de forma espontânea. Você nunca sabe o que acontecerá em uma  performance de jazz. É o elemento surpresa que torna o jazz empolgante.

 

Quais as características do jazz contemporâneo e quais são as indicações para quem quer começar a ouvir jazz?

Como mencionei, a característica principal do jazz é a improvisação. Ouvir a voz única de cada improvisador é uma das coisas que torna o jazz especial. A harmonia colorida e o ritmo que acentua o “contratempo” são outras características definidoras de jazz. Outra característica definidora do jazz é a propensão a absorver outros estilos. A música da Índia, Israel, de vários países da Europa e África, e do Brasil, claro, formam vários sub-estilos de jazz incrivelmente interessantes e envolventes. Recomendo que qualquer pessoa interessada em ouvir jazz comece com a música tradicional, principalmente tocada pelos músicos dos anos 1950 e 1960, como os instrumentistas Charlie Parker, Miles Davis, John Coltrane, Sonny Rollins, Max Roach/Clifford Brown, e Bill Evans, e os cantores Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Joe Williams, e Mel Torme. Suas gravações formam grande parte do catálogo clássico do jazz. É difícil encontrar um álbum ruim deles dessa era. Mas jazz não é uma exposição de museu. Vive e respira e continua a evoluir. Para quem quiser ouvir alguns bons exemplos de jazz atual, alguns dos meus artistas favoritos são o guitarrista norueguês Lage Lund, e os americanos trompetista Dave Douglas e saxofonista Chris Potter. Eles estão criando música que incorpora o melhor da tradição com ideias inovadoras. Com artistas como eles, o futuro do jazz é muito brilhante mesmo.

 

Raphael Ferreira (à esquerda), professor do Iarte/UFU, ao lado do guitarrista Mark Tonelli (à direita). (Foto: Acervo pessoal)

 

Programação

O professor Tonelli vai atuar em três atividades na UFU:

  • 04/07 às 18h: Recital na Sala Camargo Guarnieri - Bloco 3M - Campus Santa Mônica;
  • 26/07 às 15h: Workshop no Conservatório Municipal de Patos de Minas, às 15h;
  • 01º/08 às 18h: Recital de alunos na Sala Camargo Guarnieri - Bloco 3M - Campus Santa Mônica.

 

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Palavras-chave: Ciência Jazz música bossa nova clube da esquina professor visitante

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