Pular para o conteúdo principal
Comportamento

Por que não me sinto adulto?

Especialistas em Psicologia e em Desenvolvimento Humano explicam o sentimento que permanece em muitos por toda a vida

Publicado em 25/01/2023 às 09:59 - Atualizado em 30/08/2023 às 08:27

Ser adulto vai além da idade e dos aspectos biológicos. (Foto: Ivan Samk/Pexels)

“Hoje eu vou fazer coisa de adulto”. Se você tem entre 20 e 35 anos, a probabilidade é alta de já ter dito essa frase ao fazer alguma atividade burocrática do dia a dia, como ir ao médico ou ao banco, ou ter que tirar a segunda via de algum documento.

Maria Eduarda Matos —  ou Duda, para os familiares e amigos —  conta que para ela a história não foi diferente. Distante das ruas de Uberlândia e dos bairros que concentram as unidades da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), onde passava a maior parte do tempo, a jovem afirma que só agora, aos 25 anos e vivendo na Finlândia, se sente um pouco adulta.

“Sempre esperei por um momento em que uma chave em mim virasse e eu passasse a ser aquela adulta que sempre imaginei. Com o tempo, percebi que as coisas não acontecem exatamente dessa forma”, comenta Matos.

A adolescência tardia é quando adultos permanecem com idade mental de adolescentes, não passando por uma maturidade psicológica e inteligência emocional. Isso os leva a ter determinadas atitudes sociais que destoam do comum daquela idade.

Para pessoas LGBTQIA+, como é o caso de Matos, a adolescência pode ser um problema ainda maior. Ela conta que, nessa época da sua vida, acreditava esperar pela tão sonhada liberdade e conhecimento pleno que a agraciariam aos 18 anos. Não aconteceu.

Alcançar a maioridade não a fez se sentir adulta, não a encharcou de sabedoria e muito menos transformou sua maneira de ser —  ela continuava sendo a mesma do dia anterior. O que então haveria de errado? Seu desenvolvimento estaria prejudicado? A resposta para todas estas perguntas é não.

“Na adolescência, por não me entender de maneira plena como alguém LGBTQIA+, acabei vivendo os romances dessa época mais tarde. Se eu pudesse dizer algo para a Duda do passado, seria para ela aproveitar todos os momentos, com suas facilidades e dificuldades, não esperando apenas viver na vida adulta”, conta a jovem.

Para a comunidade LGBTQIA+, ações que deveriam acontecer na adolescência acabam acontecendo na vida adulta por repressão da sociedade. (Foto: Anna Shvets / Pexels)

Pedro Augusto Pinto, psicólogo e especialista em Diversidade e Inclusão, vai ao encontro do pensamento de Matos: “A adolescência é um momento de muitas transformações físicas, psíquicas, sociais e comportamentais. É um momento onde muitos adolescentes têm as suas primeiras experiências afetivo-sexuais, além da descoberta e transformações no corpo. Durante muito tempo, a comunidade LGBTQIA+ ainda carecia de uma representatividade positiva na mídia e em outros espaços. Durante anos, vimos nas histórias que essa comunidade trazia algo trágico ou cômico, o que normalmente não era retratado com outras sexualidades.”

Pinto explica ainda que, pelo fato de adolescentes LGBTQIA+ se verem representados de uma forma dolorosa ou errada, acabam levando mais tempo para compreender, viver e experienciar momentos que seriam vividos durante a adolescência.

 

Afinal, o que é ser adulto?

Legalmente, adulto é aquele que atingiu seus 18 anos de idade. Já biologicamente, é aquele que chegou no ápice do seu crescimento e funções biológicas. Porém, ser adulto também está ligado a questões emocionais, intelectuais e sociais. Por isso, muitas vezes, jovens adultos não se sentem efetivamente adultos.

Um estudo australiano de 2018, publicado na revista científica Lancet Child & Adolescent Health, afirma que a adolescência vai até os 24 anos. Cada vez mais, jovens têm se dedicado aos estudos, como graduação e pós-graduação, adiado casamentos e a constituição de uma família, o que faz com que aspectos legais também devam ser reavaliados ao instituírem que um adulto é aquele que chegou aos seus 18 anos de idade.

“É compreensível essa nova conformação considerando alguns contextos. Vemos que em algumas famílias os jovens têm saído mais tarde de casa, uma experiência significativa para o alcance da autonomia, responsabilidade e maturidade. No entanto, devemos refletir sobre as condições sociais, físicas e materiais de cada indivíduo, haja vista que em alguns contextos onde a maturidade vem mais cedo, seja por uma mudança de cidade, por causa dos pais ou por condições materiais, essa configuração [dos 24 anos] não se aplica”, comenta Marina Celestino Soares, psicóloga e mestre em Processos Cognitivos pela UFU.

 

Por que em algumas ocasiões me sinto adulto e em outras não?

A questão de “ser adulto”, na maioria das vezes, não está ligada a uma adolescência tardia, mas sim a aspectos culturais e sociais construídos na geração atual, que cresceu já imersa no meio tecnológico e que se dedica mais aos estudos, diferente da passada, em que vimos nossos pais começarem a trabalhar novos e constituírem seus lares e famílias aos 20 anos de idade.

“Hoje, ainda temos uma superproteção dos pais, que não deixam os filhos ‘irem para o mundo’; então, preferem que fiquem morando em casa e se dediquem aos estudos. O contato com o mercado de trabalho também influencia muito e muitos cursos de graduação ainda não proporcionam isso”, explica Denise Tardeli, psicóloga e doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP).

Muitos jovens que deixam a casa dos pais ou sua cidade natal em busca de um emprego, por ter passado em um concurso ou para ingressar em uma universidade, acabam se sentindo adultos para algumas ocasiões, como ir a festas, ter liberdade e morar sozinho, mas não têm esse sentimento quando precisam ir a um banco ou médico, por exemplo.

De acordo com Tardeli, isso acontece muitas vezes por insegurança. “Ser sozinho é diferente de ser solitário. Por isso, muitas vezes, mesmo morando só e tendo liberdade, ainda temos medo de fazer coisas burocráticas e acabamos chamando algum amigo para tirar um documento juntos ou fazer compras. Relações são fundamentais; só não podem se tornar algo obrigatório e que impeça nossa independência”, completa.

 

Gerascofobia e maturidade

Atualmente, principalmente por causa do advento das redes sociais e da vida “instagramável”, a juventude e beleza se tornaram um ponto importante, mesmo que seja através de filtros. Essa obsessão faz com que sintamos medo do envelhecimento e afeta nossa saúde mental.

A gerascofobia é o medo de envelhecer, o que gera transtornos físicos e psicológicos e o que pode levar a uma adolescência tardia. Afinal, se o envelhecimento está ligado a ser adulto, estender o período adolescente pode ser uma forma de contornar o problema.

De acordo com Tardeli, temos dois momentos de fobia na vida: quando terminamos o Ensino Médio e precisamos decidir o que “vamos fazer da vida”, seja estudar, trabalhar, ou ambos; e por volta dos 35-40 anos, quando olhamos as coisas que conquistamos e fizemos ao longo da vida e tememos não dar mais tempo de cumprir as metas, assim como uma retrospectiva de fim de ano. “Crianças pensam no presente, adolescentes no futuro e adultos no passado”, complementa a psicóloga.

Porém, ser adulto vai bem além da idade e está associado à maturidade. Essa maturidade é como um indivíduo lida com as situações ao seu redor, como explica Tardeli. Não existe uma “fórmula adulta” e a crença popular de que adulto é aquela pessoa séria, que possui imóveis e se veste de uma determinada forma, é apenas algo que a sociedade coloca como comum. Um adulto pode continuar gostando de tomar leite com achocolatado ou assistir animações, por exemplo.

Soares explica ainda que há uma diferença em ser adulto e ter maturidade. A última, é o acúmulo de experiências vividas que proporcionam algum tipo de aprendizado e experiência.

 

Será que em algum momento nos sentimos plenamente adultos?

A adolescência é superada quando atingimos efetivamente a maturidade. (Foto: Pixabay)

Ser adulto é saber ter responsabilidades e se cuidar fisicamente, financeiramente e mentalmente. Sentimo-nos adultos, de fato, quando observamos aquilo que planejamos se tornar realidade, excluindo a inocência e pensamentos infantis, como o das crianças. É conseguir entender que a vida tem altos e baixos, erros e acertos, e que eu posso assistir ao filme que eu quiser, não saber fazer pipoca ou ainda sentir um frio na barriga ao ter que tirar um passaporte, que isso não me fará menos adulto que os demais. E só conseguimos entender isso quando atingimos a verdadeira maturidade.

“Ser adulto é um constante processo de amadurecimento de suas situações sociais, responsabilidades e autoconhecimento que, apesar de apresentarem marcadores físicos, é um processo fluido e dinâmico. Busque entender de quais formas é possível ganhar mais autonomia e se desafiar. Todos estão no caminho; por isso, busque aprender com quem já trilhou um pouco mais que você e se apodere desses ensinamentos; eles serão úteis”, finaliza Soares.

 

Política de uso: A reprodução de textos, fotografias e outros conteúdos publicados pela Diretoria de Comunicação Social da Universidade Federal de Uberlândia (Dirco/UFU) é livre; porém, solicitamos que seja(m) citado(s) o(s) autor(es) e o Portal Comunica UFU.

Palavras-chave: Adolescência Psicologia adulto

A11y