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Ciência

Pesquisas com veneno de cascavel podem combater Hepatite C

Resultados apontados pelos cientistas são de até 97% de eficácia

Publicado em 26/02/2018 às 09:54 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:56

Célula utilizada na análise é derivada de fígado humano (Imagem: Lucas Cardoso)

 

Veneno de cobra cascavel. Essas palavras podem até causar uma certa tensão, mas no Laboratório de Virologia, no Instituto de Ciências Biomédicas (Icbim) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), isso é assunto de pesquisa relacionada à saúde.

A equipe, coordenada pela professora Ana Carolina Jardim, observa os efeitos de componentes do veneno de cascavel contra o vírus da Hepatite C. O estudo está em fase inicial, mas é uma possibilidade para o desenvolvimento de um antiviral: um tratamento para pessoas diagnosticadas com a doença. Até agora, os pesquisadores descobriram que alguns elementos do veneno da cobra são até 97% eficazes no combate ao vírus da Hepatite C.

“O que a gente fez foi avaliar um conjunto de compostos isolados de veneno de serpente e são três compostos ou três fármacos. São duas proteínas individuais e essas duas proteínas juntas em complexo. Todos esses compostos foram isolados do mesmo veneno, na mesma cascavel e o que a gente avaliou foi a atividade antiviral desses três compostos contra o vírus da Hepatite C no laboratório em ensaios in vitro, com células de uma forma controlada”, explica a professora, Ana Carolina Jardim.

 

A pesquisa começou em 2013 e reúne uma equipe de cientistas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU); Universidade de São Paulo (USP), Campus Ribeirão Preto e da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Por conta dessa parceria, as células humanas e os compostos do veneno de cascavel da espécie Crotalus durissus terrificus,  conhecida como cascavel-de-quatro-ventas, boiçununga ou maracambóia, já chegam devidamente separados para a equipe de pesquisadores da UFU.

 

Suély da Silva é mestranda em Microbiologia na Unesp, mas vem realizando a pesquisa no Laboratório de Virologia da UFU. “Para essa pesquisa nós utilizamos uma célula, derivada de fígado humano, e nós infectamos essa célula com vírus HCV e analisamos a interação dessa célula, vírus e composto. Também acrescentamos dois controles, um positivo e um negativo para fazer o nosso comparativo, para ver se estava inibindo ou não”, relata Suély.

 

O que os pesquisadores observaram com esse procedimento foi a ação de três compostos diferentes que estão no veneno da serpente: Crotoxina, Fosfolipase e Crotapotina. A Crotoxina é um complexo com duas proteínas ligadas uma a outra, por isso, os pesquisadores resolveram separá-las, obtendo a Fosfolipase e a  Crotapotina.

Da direita para a esquerda: composto Fosfolipase, Crotoxina e Crotapotina (Imagem: Plos One)

 

Com os três compostos prontos, o próximo passo foi observar o que eles fazem na célula humana na presença do vírus da Hepatite C. Um vírus não infecta a célula de qualquer forma. O primeiro passo é entrar na célula. Em seguida, ele se replica gerando novos vírus com os componentes do original. Depois disso feito, ele sai levando esses novos para infectar outras células.

Como explica Jardim, os compostos do veneno da serpente agem tentando impedir essa movimentação do vírus na célula. “A gente observou que um dos nossos compostos, a Fosfolipase, foi capaz de bloquear a entrada do vírus da células em até 97% e também foi capaz de inibir a replicação do vírus, impedindo a etapa multiplicação dos genomas. O outro composto que é a Crotapotina, foi capaz de inibir a saída do vírus da célula. Então, mesmo que todo o processo de entrada da replicação acontecesse, a Crotapotina foi capaz de impedir que o vírus saísse da célula para infectar novas células”.  

 

De acordo com José Humberto Caetano, infectologista do Hospital de Clínicas de Uberlândia (HCU), a transmissão da Hepatite C se dá principalmente por meio do sangue contaminado. Isso pode acontecer quando objetos cortantes, como alicate e agulha, são compartilhados e ao contato com o sangue de alguém infectado pelo vírus. Na fase inicial, a doença tende a ser silenciosa.

 

Segundo a Agência Brasil, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que uma em cada 20 pessoas com Hepatite Viral, isso inclui os tipos A, B, C, D e E, sabe que está doente. No caso da Hepatite C, os sintomas podem até aparecer de maneira mais intensa ao se manifestarem depois de um tempo.

 

“A infecção pelo vírus da Hepatite C, na maioria das vezes, não gera nenhum quadro clínico que chama atenção para essa infecção. Então, aquela pessoa fica infectada com vírus, ele inflama o fígado durante longos anos, longos períodos de tempo, e não acarretam nenhum sintoma, até que depois de um determinado tempo, o fígado desenvolve um quadro de cirrose, que é uma alteração como se fosse um excesso de cicatrizes por essa inflamação dentro do fígado e, quando ele começa a perder a sua função ou então alterar os vasos sanguíneos que drenam para o fígado, aí sim aquele indivíduo começa a manifestar algum quadro”, afirma José Humberto Caetano.

 

Atualmente, não existe vacina para prevenir a Hepatite C, mas existem tratamentos com antivirais. A expectativa dos pesquisadores é desenvolver um novo antiviral a partir dos compostos do veneno da serpente. A equipe reúne treze cientistas e é financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e, ainda, conta com o auxílio da entidade britânica, Royal Society.

Espécie de cascavel pesquisada é a Crotalus durissus terrificus (Imagem: Lucas Cardoso)

 

A pesquisa está em fase inicial, mas já demonstra resultados promissores. Por isso, a equipe de pesquisadores busca desenvolver compostos sintéticos a partir da estrutura natural das toxinas encontradas no veneno da cascavel. “Nossos resultados demonstraram que esses compostos são ótimos, realmente potentes contra o vírus. Entretanto, eles são moléculas naturais que dependem do isolamento do veneno dos animais e isso acaba gerando uma certa limitação do ponto de vista de uma aplicação em massa, e até de uma forma comercial. Hoje, nosso grupo de pesquisas também foca no desenvolvimento de moléculas sintéticas, tentando identificar parte das proteínas que são igualmente ativos e que possam ser sintetizados no futuro, viabilizando ainda mais esse tratamento”, explica Jardim.

A pesquisa visa o tratamento da doença na pessoa infectada, mas existem formas de se prevenir para não contrair o vírus. De acordo com o infectologista, José Humberto Caetano, isso pode ser feito por meio de teste para verificar se a pessoa possui ou não a doença. “Para se prevenir, o indivíduo que sabe que tem a infecção tem que utilizar materiais exclusivos dele para que não forneça riscos para as pessoas em volta, não compartilhar esse materiais perfurocortantes. Aquele indivíduo que não tem, ele tem que ter os cuidados também de não entrar em contato com sangue de outras pessoas, através de alguma situação de risco e sempre ressaltar a necessidade de proteção nas relações sexuais através do uso de preservativos”, comenta o infectologista.  

 

A coordenadora da pesquisa, Ana Carolina Jardim, explica que os tratamentos contra a Hepatite conseguiram muitos avanços e que melhoraram as taxas de pacientes que respondem bem aos antivirais que já existem, mas acredita que, mesmo assim, vale a pena buscar novas maneiras de produzir antivirais, como é o caso desse trabalho com compostos do veneno de cascavel.

 

“Eles melhoraram muito as taxas de resposta dos indivíduos, muitos indivíduos conseguem eliminar a infecção viral e sustentar essa resposta. Entretanto, nós continuamos tendo alguns problemas. Ele é um tratamento de alto custo que não é viável em alguns países em desenvolvimento. No Brasil, nós fazemos esse tratamento, mas não de uma forma ideal para todos os indivíduos infectados, apesar dos grandes esforços, ainda precisa melhorar muito a aplicação desse tratamento. Além disso, nós também temos efeitos colaterais e hoje nós já temos documentados variantes virais que são resistentes a esse tratamento, então mesmo o tratamento sendo muito bom, tendo altas taxas de resposta, uma porcentagem dos indivíduos tratados, desenvolvem variantes virais durante o tratamento que resistem e o tratamento não tem efeito. Então, isso justifica que novos tratamentos sejam desenvolvidos para o vírus da Hepatite C para que a gente possa ainda melhorar a terapêutica futura”, comenta Jardim.

 

Assista à reportagem da TV Universitária:

 

Palavras-chave: pesquisa doença cascavel hepatite c Divulgação Científica

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