Publicado em 17/09/2018 às 17:50 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:56
Experimentos na UFU são avaliados por uma comissão de ética (Foto: Fabiano Goulart)
Descobrir novas vacinas, produtos fármacos ou técnicas de tratamento cirúrgico é um dos objetivos dos profissionais que realizam, todos os dias, experimentos laboratoriais. No processo de descobrir fórmulas inovadoras, uma certa etapa é discutida: a utilização de animais nas pesquisas científicas. Enquanto agentes protecionistas acreditam que se deve abrir mão dos animais, a academia entende que somente por meio deles é possível encontrar a cura para doenças intratáveis.
Nesse cenário de argumentos contra e a favor, a Rede de Biotérios de Roedores da Universidade Federal de Uberlândia (Rebir/UFU) realizou, em agosto deste ano, o 1º Simpósio de Bioterismo UFU, com o objetivo de debater a legislação nacional e os métodos alternativos ao uso de animais experimentais, abordando temas como ética e inovação.
O princípio dos três “r’s”
Replace, reduce and refine, ou em português, reduzir, refinar e substituir. Esses três princípios visam utilizar os animais somente quando necessário e com melhor qualidade. A ética de refinar sempre preza pela utilização da melhor técnica, ou seja, se existe um protocolo de anestesia melhor do que o proposto pelo pesquisador, a comissão de ética da UFU exige que o procedimento seja substituído. Além disso, quando a técnica é refinada, o resultado torna-se mais confiável, sem que haja a necessidade de repetir o experimento.
Isso contribuiu com o próximo “r”, o de reduzir. O médico veterinário responsável, técnico e coordenador da Rebir da UFU, Murilo Vieira da Silva, conta que, em 2008, antes de se adotar esses princípios, a estimativa de animais utilizados em um experimento era de 60 animais. Atualmente, se usa 20.
Outra forma de redução é aplicada no desenvolvimento de vacinas, que obrigatoriamente, deve ser testada no animal. Porém, na UFU, a primeira avaliação é em cultura de células, onde se estuda a reação da vacina nas moléculas e, caso apresente resultados promissores, se testa nos animais.
O terceiro princípio é o da substituição, ou seja, a utilização de organismos não vivos no lugar dos animais. Um exemplo é o teste de corrosão de córnea. Para comercializar qualquer produto farmacêutico ou cosmético que possa entrar em contato com os olhos, é necessário realizar esse teste.
Antes, eram utilizados animais de laboratório como ratos, camundongos ou até coelhos. Agora, o método alternativo usado é a córnea de bovinos abatidos em frigoríficos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017, foram abatidos 30,83 milhões de bovinos para consumo de carne. Assim, a córnea desses bichos pode ser aplicada in vitro e validada como teste.
A legislação nacional
Vários países usam os animais nos experimentos científicos e a legislação é uma forma de estabelecer critérios visando o bem estar dos bichos. No Brasil, a regulamentação atual foi criada em 2008, sendo conhecida como Lei Arouca, nº 11.794/08. A principal mudança foi revogar a lei nº 6.638, que dava direito às instituições de ensino e pesquisa cortarem animais vivos para fins científicos e didáticos.
A partir da Lei Arouca, se estabeleceu a criação do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) e a obrigatoriedade da constituição das Comissões de Ética no Uso de Animais (CEAUs) em instituições que realizam atividades de ensino ou pesquisa com animais. Essa lei também normatiza a quantidade adequada de animais por estudo, procedimentos de eutanásia, bem como o tipo de analgesia e anestesia adequados para cada experimento.
O Concea é composto por representantes de vários segmentos, como Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Sociedade Protetora de Animais; Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório; Federação Brasileira de Indústria Farmacêutica, entre outros. Essa comissão criou 40 resoluções normativas. Dentre elas está a número seis, que obriga as instituições de ensino e pesquisa a terem um médico veterinário técnico responsável pelos laboratórios e experimentos realizados. Outra normativa de destaque é a número 15, que descreve como deve ser a estrutura de um biotério.
“Hoje a gente não usa animais como antigamente, de qualquer forma ou na quantidade que quisesse. A gente utiliza dentro desses princípios, sendo obrigado a cumprir a legislação e garantir sempre o bem-estar [do animal]. Além disso, não fazemos nenhum tipo de experimento se o projeto não foi julgado por uma comissão de ética interna na universidade”, explica o coordenador da Rebir/UFU.
Universidade cria 12 mil animais por ano (Foto: Fabiano Goulart)
Experimentação na UFU
A Rede de Biotérios de Roedores da UFU, vinculada à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação (Propp), foi criada em 2018 e, desde então, atende aos critérios presentes na legislação. O biotério tem três médicos veterinários contratados, sendo dois não atuantes na área de experimentação animal. “Fizemos esse sistema em que a Propp investisse na reforma e na adaptação de todos os biotérios que compõem a rede, mas esses biotérios são centros multiusuários. Todos os pesquisadores, independente de faculdade, instituto ou departamento, conseguem solicitar os serviços da rede e desenvolver seus experimentos”, conta Silva.
A UFU tem quatro biotérios e um laboratório. Eles são especializados em ratos, camundongo e calangos. enquanto o biotério central é o responsável por realizar a produção dos bichos que, posteriormente, são enviados para as outras localidades. Já o laboratório presta serviços de controle sanitário e genético, pois os animais devem estar em perfeitas condições de saúde para serem utilizados em pesquisas.
O biotério central administra, por ano, 12 mil animais que são destinados para experimentação. São três espécies: Rattus norvegicus, camundongos Mus musculus e calangos Calomys callosus. Ainda dentro da espécie dos camundongos, existem 24 linhagens diferentes, que são os animais geneticamente modificados.
“Se existe uma doença associada ao humano e está ligada a um gene que não é expresso no camundongo, a gente insere o DNA humano no camundongo e faz um camundongo ‘humanizado’. É um camundongo geneticamente modificado, expressando um gene ou proteína de um humano, para podermos estudar a doença que é do humano”, explica Silva.
O técnico e coordenador da Rebir/UFU ainda conta sobre a importância de realizar um programa de estudo animal, onde é observado o que agrada cada tipo de roedor, diminuindo o estresse durante a realização do experimento. “Alguns gostam de dormir dentro de casinhas, outros gostam de fazer ninho no algodão, outros de roer madeira”.
Além disso, o biotério da universidade segue os métodos humanitários presentes no protocolo experimental. “A partir de um determinado ponto estabelecido, onde é detectado algum tipo de sofrimento no animal, ele tem que ser retirado da pesquisa ou eutanasiado, de forma com que ele não passe um sofrimento desnecessário. A questão do estresse não colabora com a pesquisa. O animal que está em estresse ou em sofrimento tem a fisiologia totalmente alterada e se você fizer pesquisa com ele, vai estar concluindo alguma coisa que não é a realidade. Tanto preocupamos com o animal, quanto com a qualidade da pesquisa”, relata Silva.
Palavras-chave: Ciência animais Laboratório biotério saúde
Política de Cookies e Política de Privacidade
REDES SOCIAIS