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Ciência

Da Grécia Antiga às redes sociais: como os algoritmos fazem parte da nossa vida?

Em entrevista, cientista da Computação explica o que são essas sequências de passos

Publicado em 25/11/2019 às 14:02 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:56

 

Redes sociais tendem a exibir primeiro os conteúdos relacionados aos perfis com que você mais interage (Foto: Marco Cavalcanti)

 

Professor da Faculdade de Computação da Universidade Federal de Uberlândia (Facom/UFU) desde 2013, Paulo Henrique Ribeiro Gabriel é bacharel, mestre e doutor em Ciência da Computação. Ele trabalha em uma área chamada otimização, que envolve modelagem de problemas do mundo real para os quais você tem que encontrar métodos, em geral matemáticos, para resolvê-los. Em entrevista ao Comunica UFU, ele explica o que são os algoritmos e porque se tem falado mais neles ultimamente.

 

O que é um algoritmo?

Um algoritmo nada mais é do que uma sequência de passos que, executados em uma ordem, te dão uma solução para algum problema. Até brinquei numa disciplina que eu ministro. Perguntei para os meus alunos: qual o primeiro algoritmo que vocês fizeram? E vários começaram a pensar em algoritmos que viram durante a faculdade. Eu falei: vocês não aprenderam a fazer divisão na escola? Divisão nada mais é do que um algoritmo. Você pode reproduzir quantas vezes quiser, com os mesmos elementos, e o resultado tem que ser o mesmo.

 

Por que, até pouco tempo atrás, a gente não ouvia falar em algoritmo e, de repente, eles estão fazendo parte das nossas vidas? Eles sempre estiveram aí ou realmente é uma novidade?

Eles sempre estiveram. A noção de algoritmo vem da Grécia Antiga. O algoritmo de Euclides para cálculo de máximo divisor comum já tinha essa noção de uma sequência de passos para fazer matemática, numa época totalmente anterior aos computadores. O próprio termo algoritmo é em homenagem ao matemático persa Al-Khwarizmi, da Idade Média. A mídia acabou entrando um pouco nesse terreno por questões que andaram envolvendo mau uso de tecnologia nos últimos anos. Ficou comum você falar: o algoritmo do Facebook que permite que notícias incorretas se propaguem, esse tipo de coisa. O termo começou a ser usado. Provavelmente, em alguma entrevista com algum pesquisador, ele usou o termo e foi mantido. Mesma coisa da inteligência artificial, que também é um tema que não era muito falado, era aquela coisa de ficção científica e que está diretamente relacionada com algoritmos e, hoje, muita gente passou a ter atenção para isso. O grande público passou a ouvir falar desses termos.

 

Este fluxograma é utilizado, didaticamente, para ilustrar o que é um algoritmo, pois é uma sequência de passos para trocar uma lâmpada (Imagem: Wikimedia Commons/ Booyabazooka)

 

E a inteligência artificial é o quê?

Basicamente é tomada de decisão. É você programar um sistema computacional para tomar decisões. Só que, diferente do que a ficção científica nos mostra, não precisa ser necessariamente naquele nível. Por exemplo, quando você entra em um site de compras, uma Amazon, por exemplo, vão aparecer sugestões de livros para você comprar. Por quê? Você comprou recentemente algum livro, talvez daquele tema, talvez de um autor que tem relação com o autor daquele outro. O computador “tenta” tomar, com o algoritmo, uma decisão que “acha” que é a decisão certa pra você e mostra uma propaganda mais direcionada.

 

Então, os algoritmos estão tomando decisões por nós?

De certo modo sim. Você começa a ver sugestões de amizades no Facebook. É um algoritmo que está te indicando quem são aquelas pessoas. Às vezes, é pela simples proximidade. Eu sou seu amigo no Facebook e você tem um outro amigo. Talvez esse seja um amigo em comum. Mas, às vezes, é por causa de likes que você dá numa determinada notícia e ele também. Mesma coisa do Twitter. Às vezes, você segue um tipo de personalidade e outras pessoas que seguem essa personalidade acabam sendo sugeridas para você. Ou personalidades com perfil similar àquele. Não vou dizer que o algoritmo está tomando decisões por nós, porque alguém programou esse algoritmo, mas sim, o trabalho deste alguém está influenciando as decisões.

 

Às vezes, as sugestões de compra ou amizade aparecem depois da gente apenas falar sobre o assunto. Os celulares estão nos ouvindo?

Eu confesso que eu não tenho certeza. Por exemplo, dados, hoje, viraram uma fonte de renda muito grande. Teve aquele escândalo recente do Facebook que vendeu dados para empresas. Comunicadores como Whatsapp têm uma empresa que está gerenciando essa aplicação. Não necessariamente ela está violando a nossa privacidade, mas talvez, nessa troca de mensagens, algumas palavras-chave têm sido vendidas. Ela não vai vazar a sua conta bancária, mas se houve uma troca de mensagens com algum parente seu: “eu estou pensando em comprar um colchão novo”. Algum algoritmo pode estar por trás minerando isso. Se ele está realmente nos ouvindo, acho que não tem muito como saber.

 

Ordem de visualização de Stories no Instagram: os primeiros contatos que aparecem é quem a gente stalkeia ou quem stalkeia a gente?

Eu já ouvi falar que aparecem aquelas pessoas que você costuma dar like com mais frequência. Talvez as que você esteja stalkeando. Qual é o objetivo da rede social? Por um lado é comunicação, mas por outro é: eu quero que você se sinta bem. Então, se você vive dando like em um tipo de conteúdo, eu não vou ficar enviando para você um conteúdo que você não gosta. Vamos fazer com que você veja mais desse conteúdo que você gosta. 

 

Os algoritmos, já que são programados por pessoas, podem refletir preconceitos? Por exemplo, combinações sugeridas em aplicativos de relacionamento, ou aqueles aplicativos que “embelezam” fotos com clareamento automático?

Possível é. A partir do momento que o algoritmo é uma sequência de passos, é um modelo matemático basicamente, se você cria nessa equação alguns elementos que vão eventualmente ser discriminatórios, isso vai ser implementado, isso vai virar um problema de computador. Agora, envolve aí uma questão de saber até que ponto isso foi intencional por parte do desenvolvedor daquela técnica ou até que ponto a forma como foi usada foi equivocada. Por exemplo, o algoritmo por trás de um Tinder está levando muito em consideração alguns critérios que você está colocando lá e você acha que não tem tanto peso, e no fundo tem. Idade ou cor da pele: ele está usando isso com um peso muito grande na tomada de decisão. Isso é possível. Já a questão de clareamento talvez também envolva uma questão de uso histórico. Historicamente, a primeira etapa de uma edição de foto consiste em dar uma clareada nela, então, historicamente, se implementou algo que hoje não é mais aceito. Se manteve um erro que está sendo propagado. Envolve, sim, uma questão de ética também no sentido de, às vezes, o prazo [do desenvolvimento tecnológico] que a gente tem é tão pouco que deixamos passar coisas que consideramos irrelevantes, mas que são importantes. Uma questão muito comum na mídia é a dos robôs em redes sociais. Alguém programou aquilo, obviamente. Agora, a pessoa programou pensando em fazer algo ilegal? Às vezes, ela programou apenas para lançar propaganda, mas alguém comprou um sistema e adaptou.

 

Como funcionam os robôs ou bots?

Basicamente, um robô (ou bot), nesse sentido, seria um programa de computador que junta palavras e constrói frases. A questão é: se você mandar ele escrever um livro, ao final da primeira página você já veria que não é um humano que está escrevendo, porque haveria incoerências. Mas no Twitter são 280 caracteres. Às vezes, naquele pequeno espaço de texto, dez palavras estranhas não deixam o texto totalmente incoerente. Esses sistemas criam textos a partir de bases de dados de textos. Existem até sites que fazem isso de brincadeira, os “geradores de lero lero”. Eles pegam artigos científicos e constroem o texto só seguindo a estrutura do artigo. Se você faz uma leitura muito superficial parece um texto real, feito por uma pessoa. Às vezes, esses robôs pegam links de outros lugares e simplesmente começam a dispará-los com uma frequência muito grande. Esse link acaba entrando na lista dos assuntos mais discutidos do Twitter e a pessoa vai lá, por curiosidade, e clica. No que ela clica, está dando publicidade a ele. Aquela pessoa pode ou não acreditar naquilo, mas o fato de ter dado publicidade mantém ele na lista dos trending topics do Twitter. É uma questão de ficar realimentando o sistema.

 

Na política, é possível utilizar os algoritmos para fazer uma campanha direcionada, por exemplo, aos eleitores indecisos?

Acredito que é possível sim. Não sei até que ponto tem sido feita. Mas, por exemplo, na tomada de decisões: se você costuma seguir um grupo de pessoas - é aquele comportamento que eles chamam de bolha - você vai ficar enviesado por aqueles pensamentos e eventualmente você não vai dar abertura para outros. Então, muitas vezes, um sistema que consegue usar aquele comportamento de bolha e influenciar um pequeno grupo pode, sim, influenciar toda uma decisão depois. Eu não acho que a gente esteja em um ponto de tecnologia tão alto assim de você usar um sistema computacional para influenciar uma decisão massiva, mas eu acho que é perfeitamente possível você usar isso para fazer alguma manipulação, pelo menos em um nível pequeno. Tirar uma pessoa da sua zona de conforto, fazer ela pensar em um assunto em que ela não estava interessada em um primeiro momento. Por exemplo, você pode tentar induzir uma pesquisa de opinião falsa. Uma pessoa pode falar: “ah, não quero perder meu voto, então, já que esse candidato, segundo essa pesquisa, está em primeiro lugar, eu vou votar nele”. Envolve muito a forma como a pessoa está analisando aquele conteúdo, o receptor daquele conteúdo. 

 

E na economia, já tem utilização de algoritmos para fazer investimentos?

Sim, existem, inclusive, teses e artigos científicos em cima disso. Sistemas computacionais que fazem previsões. É possível prever o comportamento de uma bolsa de valores com base no seu histórico. Claro, existem questões aleatórias. Estamos prevendo um crescimento na bolsa de valores e, de repente, ocorre um atentado terrorista. Isso influencia totalmente aquele crescimento. Mas, em condições normais, várias coisas são previsíveis. Por exemplo, o preço do petróleo é uma questão histórica. Ele é influenciado por fatores externos, mas também é um fator que não muda. Se você consegue pegar essas variáveis e colocá-las no seu modelo, você consegue fazer previsões. Eu já vi muitos casos, inclusive, já vi teses que a pessoa consegue, com alguma exatidão, prever uma queda na bolsa. O programa sugere a você tirar um pouco dos seus investimentos dessa empresa e colocar em outra para tentar minimizar seu prejuízo ou até mesmo evitá-lo.

 

O professor Paulo Henrique Ribeiro Gabriel participa do curso de extensão de Divulgação Científica da UFU (Foto: Marco Cavalcanti)

 

É seguro informar nosso CPF na farmácia ou estão monitorando as doenças que a gente tem para “usar para o mal”?

Acho que não está nesse ponto, não. Isso de informar CPF quem está usando mesmo é a própria empresa, talvez até para tentar personalizar a venda para você. Se você vai muito à farmácia comprar remédio para dor de cabeça, talvez ela comece a te dar promoção disso. Seria muita má fé eles venderem esses dados dessa forma, porque quando você entra em uma conta de e-mail, ou Facebook, você clica em “concordo com os termos”. Em algum ponto lá está escrito [o que pode ser feito com seus dados]. Na farmácia, eles não vão falar: assina esse contrato para dizer que você autoriza. Então, seria muita má fé vender seus dados, mandar para o governo ficar te monitorando para alguma coisa. Tem muita teoria da conspiração envolvida. 

 

A ciência desenvolvida na área de algoritmos leva em conta a ética?

Muitas vezes, a gente ignora essa questão não por falta de caráter. Simplesmente não pensa nessa possibilidade. Eu duvido que os primeiros desenvolvedores do Facebook, o Zuckerberg e os colegas dele, tenham pensado em criar uma rede que possa eventualmente propagar notícias falsas a ponto de, quem sabe, até definir os rumos de uma eleição. Eles queriam fazer apenas uma rede de comunicação e de pessoas, seguindo a ideia daqueles facebooks que tinham nas universidades, o livro de fotos como perfil das pessoas, até para questão de relacionamento. Como isso foi deturpado depois, aí sim envolvem questões éticas, mas acho que num primeiro momento era fazer funcionar. Quando aqui, na faculdade, a gente faz pesquisas com algoritmos para tentar resolver determinado problema, a gente quer resolver aquele problema. Por exemplo, eu quero determinar se aquela mancha em uma foto é um tumor ou não. Mas aquele algoritmo de detecção de padrão em fotos vai estar publicado. Se uma pessoa usar aquilo para tentar identificar uma pessoa na rua depois, aí é a questão da forma como ela usa. Há questões éticas envolvidas em algumas áreas sim. Posso estar sendo um pouco ingênuo, mas eu gosto de acreditar que quando você tenta resolver um problema e publica um algoritmo para resolver aquele problema, seu objetivo era aquele. Não era algo que possa vir a ser mal usado no futuro. Mas sim, a partir do momento em que você publica sua pesquisa, ela pode ser usada para outros fins.

 

Tem alguma coisa que os usuários possam fazer para driblar as bolhas?

É ser aberto a outras coisas. Estar aberto a ir a um site de notícias e ver algo de um outro viés. Claro, tem a questão de você sempre ir a sites de notícias que são confiáveis, que tenham um time de jornalistas e especialistas na área trabalhando nisso. Talvez saber que exista essa bolha é o primeiro passo. 

 

Palavras-chave: Ciência Ciência da Computação

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