Publicado em 09/04/2020 às 16:15 - Atualizado em 22/08/2023 às 20:29
Fotos: Arquivo pessoal
Normalmente, quem é jornalista da editoria de Esportes foi uma criança que queria ser atleta profissional e, por algum motivo, não teve este sonho realizado. Natural de Araguari, no Triângulo Mineiro, Leonardo Hamawaki França seguiu exatamente este roteiro. Sempre foi apaixonado por basquete e comenta, em tom de brincadeira, que “modéstia à parte, jogava até bem”, só que sofreu muitas lesões e acabou desistindo de seguir carreira com a bola laranja. A ideia de trocá-la pelo microfone surgiu no 3º ano do Ensino Médio, incentivado por uma professora de Redação que gostava muito dos textos por ele escritos. A partir daquele momento, Hamawaki descartou as opções que cogitava cursar: Administração, Educação Física ou Ciência da Computação. Ingressou em 2012, aos 18 anos, no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), e, ao longo dos quatro anos de graduação, manteve firme o propósito de atuar na mídia esportiva, mais especificamente no telejornalismo. Formou-se e a busca por este projeto profissional já o levou muito longe. Nesta entrevista exclusiva, o egresso da UFU conta um pouco de sua carreira no Grupo Globo e opina, entre outras questões, sobre a importância social do jornalismo e a falta de respeito a que ele e muitos colegas são submetidos rotineiramente. Confira, abaixo:
Portal Comunica – Quais são as suas principais lembranças dos tempos de acadêmico da Universidade Federal de Uberlândia?
Leonardo Hamawaki – Eu estudei na UFU de 2012 a 2015, naquela que foi apenas a quarta turma de Jornalismo. Foi uma fase muito legal e importante. Estávamos no início do curso; então, havia muito aprendizado ainda. Ou seja, nós fomos evoluindo junto com o curso, tanto acertando, quanto errando. A graduação me deu muito embasamento para ter coragem de enfrentar o mercado e contei com muito apoio de alguns professores, que entenderam algumas necessidades. Também tem a questão de a faculdade ser um lugar que “abre muito” a nossa cabeça. A mente fica muito mais preparada para “n” fatos, circunstâncias e situações. Também foi na UFU que eu fiz o embrião do que acabei fazendo para entrar aqui na Globo: fui monitor de Telejornalismo, que já era uma paixão que eu tinha. Adorava aquela disciplina. Ali, eu ajudava na captação das imagens, na edição, “botava a mão na massa mesmo”. Esta oportunidade de aprendizado que eu tive, por ser monitor, foi muito legal e teve grande relevância para a minha formação e o meu amadurecimento no ofício de jornalista.
Resumidamente, qual foi a sua trajetória profissional até aqui?
Hamawaki – Fui estagiário em três locais: “Jornal Gazeta do Triângulo”, em Araguari; Prefeitura de Araguari e TV Integração/Rede Globo. Também na Integração, fui produtor do bloco local do "Globo Esporte" e repórter nos telejornais da casa. Entrei na Globo pelo projeto “Passaporte”, cobrindo a preparação da Argentina para a Copa do Mundo de 2018. Durante a Copa, fui correspondente na Argentina. De lá para cá, sou repórter do Grupo Globo no Rio de Janeiro, trabalhando na equipe de Esportes. Atualmente, também estou atuando na editoria Geral, participando da cobertura especial da pandemia da Covid-19.
Então, tudo aconteceu muito rapidamente na sua carreira...
Hamawaki – Sim! Eu nunca tinha pensado que, com apenas 24 anos de idade, já seria um correspondente internacional, responsável por cobrir Argentina e Uruguai, que são duas seleções campeãs mundiais e de muita tradição no futebol, para um veículo de comunicação como a Globo. Quando entrei na UFU, aos 18, lembro certinho que meu objetivo era este: “ser jornalista esportivo e estar lá”. Este “lá” que eu dizia é exatamente onde estou hoje: poder cobrir uma Copa, acompanhar o Brasileirão, uma Superliga de Vôlei, um NBB, um Sul-Americano de Basquete. Eu esperava que isso fosse acontecer só quando eu estivesse com uns trinta e poucos anos... (risos)... Enfim, foi uma bênção de Deus, que me colocou no caminho certo. Sinceramente, não imaginava que tudo aconteceria tão rápido como foi. Olhando para frente, minha grande meta agora seria cobrir uma Copa é in loco. Quem sabe a Do Qatar, que já está perto de acontecer? Além de uma Olimpíada, que também quero muito cobrir. São os dois maiores eventos esportivos da face da Terra, os mais importantes, símbolos da união entre os povos pelo esporte. Fora isso, também gostaria de trabalhar em finais de Champions League, Libertadores, Copa América, Eurocopa... Eu quero, pelo menos uma vez, estar presente em todos estes grandes eventos.
O que você citaria como a maior felicidade que a profissão já proporcionou?
Hamawaki – Minha maior alegria foi o período em que trabalhei na Argentina. Morar fora do país é uma experiência que eu acho que todo mundo precisava ter. Levaria uns quatro anos para eu crescer o que cresci naqueles seis meses. Tanto profissionalmente, quanto pessoalmente. Estar na Argentina cobrindo aquela preparação para a Copa de 2018; poder acompanhar de perto o Messi jogando. Fechar uma matéria para o “Jornal Nacional”, aos 24 anos, era algo impensável. Não acreditei no dia em que isso aconteceu, na cobertura do jogo entre Argentina x Nigéria, no qual a Argentina se classificou para as oitavas de final. Também houve uma outra pauta que eu cobri para o “Fantástico”, que não era nem de esporte, mas sobre doação de órgãos. Tive a confiança de toda a equipe para fazer aquela matéria - confira ela, clicando na foto abaixo - e isso foi muito especial para mim. O grande desafio era porque eu fazia tudo sozinho: produzia, filmava, reportava e já dava início ao trabalho de edição. Apenas a parte de finalização era feita por aqui.
E com relação às dificuldades e os famosos “perrengues”? Você tem algum episódio marcante vivido na Argentina para contar?
Hamawaki – Tenho. O maior “perrengue” também foi lá, uma história que, digamos, quase terminou muito mal para mim. Eu fui a Montevidéu para cobrir a torcida acompanhando a estreia do Uruguai na Copa e voltei no mesmo dia para Buenos Aires porque no dia seguinte já seria a estreia da Argentina e eu também teria que fazer o mesmo tipo de cobertura. Cheguei às 21 horas no aeroporto, cheio de malas; uma delas com as minhas roupas e outra, com câmera, tripé e o resto dos equipamentos. Eu precisava alugar um carro porque a pauta seria em La Plata, que fica a 60 km de Buenos Aires. Estava quase fechando, foi a maior correria. Coloquei tudo no carrinho do aeroporto, aluguei o carro. Daí, quando cheguei no estacionamento: “Cadê o tripé?!” Voltei correndo para o terminal, procurei a Polícia, e nem sinal daquele tripé. Fiquei desesperado porque já eram quase 10 da noite e não daria tempo de arrumar um outro tripé no dia seguinte, já que eu teria que fazer várias entradas ao vivo e matérias. Eu tinha perdido as esperanças e estava criando coragem para ligar à minha chefia quando uma senhora enviada por Deus apareceu perto da gente e contou ao policial que havia encontrado uma mochila. Era o meu tripé! Aquela boa alma tinha achado a mochila jogada num canto do chão. Não tenho ideia de quando nem como ela caiu do carrinho, mas foi isso que aconteceu. No final, deu tudo certo e consegui fazer uma boa cobertura.
Fala um pouco sobre a sua rotina de trabalho e os sacrifícios que o jornalismo exige de você.
Hamawaki – Nosso contrato é de sete horas por dia. Os maiores sacrifícios pessoais são pela distância da família: eu no Rio de Janeiro; meus pais em Araguari e minha irmã em São Paulo. É difícil. Já perdi aniversários de grandes amigos e familiares; já me desdobrei para não perder casamentos, formaturas. Minha mãe teve dengue e não pude ajudar a cuidar dela. Agora, nesta época de pandemia, o que eu mais queria era estar junto com eles, mas, por conta da profissão, deste nosso dever de informar às pessoas, estou aqui trabalhando. O jornalismo não é só glamour; ele exige sim sacrifícios. É preciso gostar muito de fazer, pois estamos na linha de frente de muitas coisas. O nosso dever é passar os fatos corretamente para que não haja a desinformação, que é algo que gera muitos problemas.
E eu suponho que uma cobertura especial de Copa do Mundo tenha demandado muito mais do que sete horas de trabalho por dia...
Hamawaki – Claro que sim, mas aquele foi o maior, mais importante e gratificante trabalho que já fiz. Vi o jogo França 4x3 Argentina, pelas oitavas de final, numa praça lotada. A cidade estava completamente parada. Foi uma grande correria para montar as entradas ao vivo. Apareci em rede nacional no intervalo da partida, com milhões e milhões de pessoas me assistindo no Brasil inteiro. Depois, tive que ajudar a preparar uma matéria para o “Jornal Nacional” do mesmo dia. Sendo que na véspera eu estava no Uruguai e tive um problema com os vôos, que me impediu de voltar para Buenos Aires no horário programado. Só consegui chegar à capital argentina por volta das oito de manhã, sendo que já tive que fazer uma entrada ao vivo às 8h50. E depois disso, emendei o trabalho até as 9 da noite, a todo vapor, para entregar uma ótima cobertura. Foi super desgastante, mas eu faria tudo de novo!
De que forma você descreve o ambiente que tem na Globo?
Hamawaki – A relação com os meus colegas é ótima. Trabalhamos realmente em equipe, tendo em vista que dependemos muito do trabalho coletivo: uma boa produção, uma boa captação, uma boa reportagem e uma boa edição. O mérito da matéria não é apenas do repórter que está aparecendo na tela. Estou trabalhando na Globo há quase três anos e preciso ressaltar esta parceria que temos; todos preocupados comigo, querendo me ajudar a crescer, me dando feedbacks. Enfim, é um ambiente muito legal. E eu trabalho com grandes referências que sempre tive. Fico até meio anestesiado com isso, porque me lembro bem daquele meu começo: um “garotão” de 24 anos dividindo redação com Tino Marcos, Marcos Uchôa, André Gallindo, André Hernan, Edson Viana, Eric Faria, Julia Guimarães. Estas são algumas das referências que tenho na profissão, pessoas que entendem muito e sabem contar uma história. Sou colega do Kiko Menezes, um dos meus objetos de estudo para o meu TCC na UFU, que foi sobre como se deu a cobertura do 7 a 1 na TV aberta e na TV fechada. Uma das matérias que analisei naquele trabalho foi a do Kiko. É muito legal pensar que um jornalista que eu estava estudando em 2015 se tornou meu companheiro de trabalho pouco tempo depois. Hoje trocamos muitos ideias, fazemos matérias juntos. Ainda posso citar como mais uma grande referência o Renato Peters, que não é daqui da equipe do Rio. Ele também é de Araguari e o tenho como exemplo a ser seguido. Eu já o conhecia desde a minha época na TV Integração, pois foi quem me recebeu quando fui conhecer a redação da Globo em São Paulo. O Peters é “o cara” e certamente mostrou que era possível para alguém do interior, como eu, chegar à reportagem em um grande centro e trabalhando para a principal emissora do país.
Na sua avaliação, quais são os prós e contras do jornalismo?
Hamawaki – Os prós da profissão são muitos. Conseguimos lidar com uma infinidade de assuntos. Em outras palavras, não entendemos de tudo, mas conseguimos transmitir de tudo. Então, temos a oportunidade de falar com especialistas e aprender um pouco de várias coisas. Trabalhando na editoria Geral, você lida com políticos, economistas, médicos, advogados; enfim, acaba “surfando” por várias áreas. Também adoro a oportunidade de conhecer pessoas, contar boas histórias, testemunhar a história, vê-la passando diante dos meus olhos. É muito legal poder ser o elo entre a história e o povo. Poder contar isso é muito gratificante. Em relação aos contras, diria que o maior é aquilo que já comentei: a distância de familiares e amigos; a agenda de trabalho que impede que possamos comparecer a aniversários de pessoas ou outras ocasiões especiais. Mas acho que estes pontos negativos acabam passando batido, porque os prós são em maior quantidade e mais relevantes.
Quais são os seus principais cuidados no dia a dia de trabalho, em relação a princípios éticos e condutas?
Hamawaki – Sempre temos que ouvir os dois lados e não podemos ser influenciados pelas paixões pessoais. Este cuidado precisa ser ainda maior nesta editoria em que trabalho, o Esporte: eu torço para um time, mas isso não pode me impedir de falar mal deste time ou de contar alguma coisa errada que esteja acontecendo nele. Também é preciso ser sempre cordial, porque não estamos carregando apenas a nossa imagem, mas também a da empresa. Vemos muita gente nos xingando, nos denegrindo e tentando atrapalhar o nosso trabalho, mas temos que ficar alheios a isso. Não podemos responder nem nos rebaixarmos a certas pessoas. Temos que dar o exemplo e tomar cuidado com a responsabilidade sobre o que estamos falando ou transmitindo. Isso é algo bastante sério. Nosso papel é muito, mas muito forte mesmo!
Na sua opinião, imparcialidade jornalística existe? É algo desejável ou não?
Hamawaki – Esta linha de imparcialidade é meio complicada e depende do ponto de vista. Nós, como seres humanos, não somos totalmente imparciais. Temos as nossas vivências, nosso passado, os nossos conhecimentos que carregamos para fazer qualquer coisa na vida. No momento em que se monta uma reportagem, também é colocado nela o que já foi vivenciado ou aquilo em que se acredita. Não tem como fugir disso. Mas não podemos tomar partido por uma coisa ou outra. É preciso nos basearmos nos fatos e contarmos a verdade. Neste ponto, sim, a imparcialidade é imprescindível. Muitas vezes, o nosso conhecimento de mundo e o que trazemos de bagagem pessoal ficam na matéria, mas isso não quer dizer que fomos parciais. Ouvir os dois lados deve ser sempre o princípio básico.
Como você avalia o trabalho da imprensa brasileira, sobretudo em um momento em que há tantos questionamentos em relação à cobertura da pandemia do coronavírus e a mídia é alvo de constantes críticas, por exemplo, nas redes sociais?
Hamawaki – Na última semana eu participei da cobertura da Covid-19 pela Globo e pela Globo News. Estamos tentando fazer o máximo para que a informação correta esteja com as pessoas. A maioria dos prefeitos e governantes estão elogiando o trabalho da imprensa porque nós realmente estamos tentando passar a dimensão da periculosidade deste vírus. Vivemos em um mundo onde há muita informação, mas, ao mesmo tempo, há muita desinformação. É muito fácil produzir uma “notícia” com as redes sociais, com celulares, fotos, vídeos e recursos de edição que permitem manipular muita coisa. Tem muita gente maldosa neste mundo. No meu ponto de vista, temos um problema muito maior do que este vírus: a ignorância. As pessoas só querem ouvir o que elas acreditam que esteja certo. Isso é muito perigoso. Elas não dão o braço a torcer, não querem e não admitem estar erradas. Não há vergonha nenhuma em estar errado. Nosso papel está sendo cada vez mais execrado. As pessoas fecham os olhos e não entendem o trabalho da imprensa. Ela é um braço da democracia, um braço do direito à liberdade de expressão que todo mundo tem; entretando, muita gente não consegue enxergar isso. Está cada vez mais difícil ser jornalista por causa disso: pela ignorância cada vez maior das pessoas. Elas não fazem questão de saber se aquilo é verdade ou não. Basta que queiram que seja uma verdade. O egocentrismo está muito grande. A questão é que o jornalista possui um papel social muito importante. A gente não é super-herói nem vai mudar o mundo; a gente só quer informar e fazer com que as pessoas sintam por si mesmas a vontade de agir, de mudar. É fundamental saber o que está acontecendo e temos este papel de elo entre as informações e a maioria das pessoas. Espero que ainda, em algum momento, a sociedade brasileira evolua de uma tal maneira que passe a respeitar não só nós, jornalistas, mas também pessoas de muitas outras profissões que atualmente também não são respeitadas. Perdeu-se muito o respeito com as pessoas e isso acaba atingindo diretamente nós, que lidamos com as pessoas.
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